• Nenhum resultado encontrado

3. Aproximações entre a linguística cognitiva e Wittgenstein

3.1. Coincidências no alvo e natureza das críticas

3.1.1. Crítica a concepções metafísicas de linguagem

Tanto Lakoff e Johnson quanto Wittgenstein se voltam diretamente contra a concepção de linguagem sustentada pela filosofia analítica do início do século XX. As ideias de referência, correspondência, atomicidade e composicionalidade, que marcam as formulações da filosofia analítica11– e da linguística formal – são questionadas pelas duas posições tratadas aqui.

A filosofia analítica é apresentada por Lakoff e Johnson (1999) como a principal representante do que seriam as bases de uma concepção objetivista de significado linguístico. Aquilo que, na linguística de orientação formal, se revela como uma preocupação com a objetividade e com a busca pela estrutura profunda da linguagem, se correlaciona com o que, na filosofia analítica, é uma preocupação com a verdade e com a falsidade de proposições. A possibilidade de sentenças serem verdadeiras ou falsas é uma questão que perpassa as formulações da filosofia analítica e é um aspecto da imposição da

11 Aqui, apresento as concepções da filosofia analítica de modo muito geral, tendo por referência

as críticas de Lakoff e Johnson. É preciso ter em mente que essas concepções não são compartilhadas igualmente por todos os autores dessa corrente.

APROXIMAÇÕES ENTRE A LINGUÍSTICA COGNITIVA E WITTGENSTEIN

______________________________________________________________________________________

26

metafísica sobre a epistemologia. É por isso que a teoria semântica derivada dessa corrente filosófica se funda numa teoria de correspondência, segundo a qual os símbolos linguísticos são vazios de significado, mas são capazes de expressar sentido por corresponderem a algo no mundo. Assim, os nomes designam objetos ou eventos particulares, enquanto sentenças descrevem uma situação possível no mundo, que pode ser verdadeira ou falsa. O significado das sentenças, por sua vez, é determinado composicionalmente, de tal modo que o significado completo da sentença é uma função do significado de suas partes.

Para Lakoff e Johnson (1999), a filosofia analítica se funda principalmente na metáfora conceitual PENSAMENTO É LINGUAGEM e em duas teorias populares: a teoria popular da nomeação e a teoria popular do significado. A teoria popular da nomeação diz que palavras selecionam objetos no mundo; a teoria popular do significado diz que aprender o significado das palavras é aprender a nomear os objetos corretamente (Lakoff e Johnson, 1999, p.442.). Essas teorias populares estão fundadas em experiências cotidianas muito simples, como a prática que leva ao aprendizado da língua pelas crianças e do apontoamento e nomeação de objetos. A metáfora conceitual PENSAMENTO É LINGUAGEM,

como todas as metáforas conceituais, também está, segundo os autores, fundada na experiência cotidiana e caracteriza a concepção do senso comum de linguagem, juntamente com outras que serão discutidas adiante. O fato de estar fundamentada em uma metáfora fundada na vida cotidiana faz com que a teoria do sentido e referência de Frege, por exemplo, seja muitas vezes tida como intuitiva (Lakoff e Johnson, 1999, p.256).

Como consequência de ter fundamento na metáfora PENSAMENTO É LINGUAGEM

e nas teorias populares acima mencionadas, a filosofia analítica assume os seguintes princípios, de acordo com Lakoff e Johnson (1999): 1) analisar a linguagem é analisar o pensamento; 2) o significado linguístico é independente da mente, objetivo e acessível publicamente; 3) o significado de uma expressão linguística é dado por aquilo a que a palavra se refere; 4) uma sentença é verdadeira se as palavras que a formam estão de acordo com o estado de coisas no mundo (teoria de correspondência e de verdade); 5) todo significado é literal; 6) o significado é descorporeado (p.443-444).

Essas observações de Lakoff e Johnson deixam claro que, para eles, a filosofia analítica é elaborada, como dito acima, a partir do modelo da nomeação e do apontamento, que se referem a experiências cotidianas cuja lógica simples é transformada em teoria técnica. O mesmo pode-se dizer que ocorre com a chamada concepção agostiniana de

APROXIMAÇÕES ENTRE A LINGUÍSTICA COGNITIVA E WITTGENSTEIN

______________________________________________________________________________________

27

linguagem, uma concepção geral de linguagem que reúne as assunções básicas de um

modelo de pensamento e linguagem que, segundo Baker e Hacker (2005), funciona como pano de fundo para as confusões filosóficas discutidas por Wittgenstein. No que concerne ao pensamento filosófico sobre a linguagem, a concepção agostiniana tem as suas principais manifestações na filosofia analítica de Frege, Russell e do próprio Wittgenstein (o primeiro). Suas assunções básicas reúnem os ingredientes para uma visão referencialista e composicional do significado. Wittgenstein as apresenta no primeiro parágrafo das

Investigações Filosóficas, após uma citação de Santo Agostinho em que está descrito o

modo como ele teria aprendido a usar a linguagem:

These words, it seems to me, give us a particular picture of the essence of human language. It is this: the words in language name objects – sentences are combinations of such names. – In this picture of language we find the roots of the following idea: Every word has a meaning. This meaning is correlated with the word. It is the object for which the word stands (1953[2009], §1).

Das ideias simples de que toda palavra tem um significado, de que o significado é correlacionado à palavra e de que o significado da palavra é o objeto para o qual ela está, decorrem as elaborações teóricas da filosofia analítica, que podem ser resumidas nas teses mencionadas acima, e aqui retomadas: a teoria referencial do significado, a tese da simplicidade essencial dos nomes e a tese da composicionalidade do sentido.

Segundo Wittgenstein, a concepção agostiniana de linguagem expressa uma ideia do funcionamento da linguagem, que é, de fato, parcialmente consistente com o uso que fazemos da linguagem; entretanto, essa concepção não dá conta de descrever tudo aquilo a que chamamos “linguagem”. Fazendo uma comparação com jogos, ele diz:

It is as if someone were to say, “Playing a game consists in moving objects about on a surface according to certain rules…” – and we replied: You seem to be thinking of board games, but they are not all the games there are (1953[2009], §3).

Baker e Hacker também destacam a naturalidade e o caráter intuitivo dessa concepção, motivo pelo qual ela tem sido, há séculos, inadvertidamente adotada pela filosofia ocidental:

It is the natural way to think about language. After all, we teach our children that this is a horse, that this  colour is called ‘black’, that doing this is what ‘run’ means, and so forth; and these are respectively names of an animal, of a colour and of an action. Pointing at an appropriate thing is a natural way of explaining what a given word means, and is widely used in teaching children. Further, we encourage the child to string words together in sentences, e.g. to say ‘The horse is black’ and ‘The black horse is running’. This pre-theoretical picture is manifest in the works of countless writers (Baker e Hacker, 2005, p.1).

APROXIMAÇÕES ENTRE A LINGUÍSTICA COGNITIVA E WITTGENSTEIN

______________________________________________________________________________________

28

Assim, a concepção agostiniana de linguagem é baseada no modelo da nomeação e do apontamento, que faz parte dos nossos jogos-de-linguagem de ensino e aprendizagem; o problema está em que ela generaliza esse modelo para descrever o funcionamento da linguagem como um todo:

One thinks that learning consists in giving names to objects. For example, to human beings, to shapes, to colours, to pains, to moods, to numbers, etc. (…)

“We name things and then we can talk about them: can refer to them in talk.” – As if what we did next were given with the mere act of naming. As if there were only one thing called "talking about a thing". Whereas in fact we do the most various things with our sentences. (…) In languages (2) and (8) [§2; §8] there was no such thing as asking something's name. This, with its correlate, ostensive definition, is, we might say, a language-game on its own. That is really to say: we are brought up, trained, to ask: “What is that called?” – upon which the name is given (1953[2009], §26-27).