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2. Linguística cognitiva e Wittgenstein

2.2. Wittgenstein

2.2.2. Filosofia terapêutica

Para Wittgenstein, todos os problemas filosóficos, entendidos por ele como confusões gramaticais, derivam de uma certa atitude para com a linguagem. Sua crítica recai sobre o que ele chama de um “uso mistificador da nossa linguagem” (1958[1960], p.6), em oposição ao uso cotidiano que fazemos dela. Os problemas filosóficos surgem na medida em que as palavras e sentenças são afastadas do uso cotidiano e que se tenta entendê-las em isolamento:

In order to get clear about the meaning of the word "think", we watch ourselves thinking; what we observe will be what the word means! – But that's just not how this concept is used. (It would be as if without knowing how to play chess, I were to try and make out what the word "checkmate" meant by close observation of the last move of a game of chess (1953[2009], §316).

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Uma confusão filosófica é gramatical porque consiste na adoção da lógica de somente um dos usos de um conceito ou expressão linguística para o entendimento de seu uso como um todo. Wittgenstein equipara essa atitude a uma dieta constituída de um único alimento:

A main cause of philosophical diseases – a one-sided diet: one nourishes one’s thinking with only one kind of example (1953[2009], §593).

Wittgenstein considera alguns aspectos da linguagem cotidiana que podem gerar confusões gramaticais como aparentes analogias entre as formas de expressão (1958[1960], p. 26; 1953[2009], §11, §90). É justamente a similaridade entre formas de expressão da linguagem cotidiana que pode induzir o filósofo de tendência metafísica a assumir a lógica de somente um dos empregos da expressão linguística:

When words of our ordinary language have prima facie analogous grammars we are inclined to try to interpret them analogously; i.e. we try to make the analogy hold throughout (1958[1960], p.7).

Nas Investigações Filosóficas, ele diz:

A simile that has been absorbed into the forms of our language produces a false appearance which disquiets us (1953[2009], §112).

O Livro Azul se inicia com um bom exemplo de confusão gramatical, que exemplifica o fato de que confusões são a generalização da lógica de um dos usos da linguagem cotidiana, ao mesmo tempo que mostra as consequências dessa postura para concepções de linguagem:

The questions “what is length?”, “What is meaning?”, “What is the number one?” etc., produce in us a mental cramp. We think that we can’t point to anything in reply to them and yet ought to point to something. (We are up against one of the great sources of philosophical bewilderment: a substantive makes us look for a thing that corresponds to it) (1958[1960], p.1).

Nesse trecho, a confusão remonta ao fato de que, na linguagem cotidiana, substantivos são usados como nome para objetos materiais, mas também são utilizados para denominar coisas que não são materiais, o que coincide mais ou menos com o que se costuma chamar de “substantivos abstratos” na gramática normativa. Esses substantivos aparecem em muitas sentenças que são idênticas, não fosse a sua própria presença, às sentenças que utilizam os nomes para objetos materiais – comparem-se, por exemplo, as frases “ele tem um machucado na cabeça” e “ele tem uma ideia na cabeça”. Embora essas

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sentenças sejam semelhantes em sua forma, o uso delas é completamente diferente, o que quer dizer que as circunstâncias em que falamos uma e outra são diferentes. Os critérios empíricos que nos levam a dizer que “João tem um machucado na cabeça” são diferentes daqueles que usamos para dizer que “João tem uma ideia na cabeça”, assim como são diferentes aqueles que levamos em conta para dizer que “ele tem um dente de ouro” ou que “ele tem dor de dente”. No caso de “João tem um dente de ouro”, tomamos como critério, por exemplo, o fato de vermos o dente de ouro na sua boca, de tocar o dente, de tentar arrancá-lo para confirmar que não é falso, etc.; no caso de “João tem dor de dente”, os critérios que temos para dizer isso são comportamentais e contextuais, ou seja, vemos João gemer, colocar a mão no rosto, reclamar, podemos ver uma mancha vermelha em sua bochecha e mesmo lembrar que ele não costuma reclamar à toa, etc. Uma confusão gramatical acontece quando, induzido pela semelhança das formas linguísticas na linguagem cotidiana – e apartado desse mesmo uso – o filósofo aplica os critérios de um dos usos daquela palavra para interpretar todos os seus outros usos.

Wittgenstein observa que a palavra ter, quando é utilizada para designar a posse de estados mentais e experiências privadas – como no caso de João tem dor de dente – é uma fonte de confusões gramaticais. No Livro Azul, ele argumenta contra a ideia expressa pela proposição metafísica “eu não posso sentir a dor do outro”, mostrando que ela deriva do uso da palavra ter em sentenças com usos diferentes:

“A has a gold tooth” means that the tooth is in A’s mouth. This may account for the fact that I am not able to see it. Now the case of his toothache, of which I say that I am not able to feel it because it is in his mouth, is not analogous to the case of the gold tooth. It is the apparent analogy, and again the lack of analogy, between these cases which causes our trouble (1958[1960], p.49).

E adiante:

Thus the propositions “A has a gold tooth” and “A has toothache” are not used analogously. They differ in their grammar where at first sight they might not seem to differ (1958[1960], p.53).

O mesmo pode ser visto nas Investigações Filosóficas, quando Wittgenstein discute problemas relacionados à posse privada de sensações e estados mentais. Ele questiona a ideia de que temos imagens privadas em nossas mentes, mostrando que esse argumento é feito sem que se esclareça a natureza da posse envolvida aí:

(...) If you admit that you have no idea what kind of thing it might be that he has before him – then what seduces you into saying, in spite of that, that he has something before him? Isn’t it as if I

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were to say of someone: “He has something. But I don’t know whether it is money, or debts, or an empty till (1953[2009], §294. Grifos do original).

O que se observa, na citação acima, é um exemplo de confusão entre o uso da palavra ter quando estamos falando de objetos e quando estamos falando de coisas que não são materiais. Isso é um exemplo de como um domínio de regras impõe a sua lógica sobre outro domínio, quando o filósofo se afasta do uso cotidiano da linguagem. As regras e imagens que se forçam sobre o pensamento do filósofo constituem jogos-de-linguagem simples de nossa vida cotidiana, cuja lógica é tão óbvia que escapa de nossa atenção (1953[2009], §308).

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3. Aproximações entre a linguística