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Crítica da corrente aplicação da ideologia e do protecionismo trabalhista

O capitalismo, definitivamente instaurado com a Revolução Industrial, continua e continuará a sofrer modificações, o que implica numa reinterpretação de institutos de forma que o direito possa acompanhar os fatos sociais, sob pena de ser esvaziado em sua eficácia.

Importante se observar que o Direito do Trabalho talvez seja o melhor exemplo de como a realidade influencia na formação do Direito, de forma que não pode este pretender chegar a certo patamar no qual busque desviar dos efetivos movimentos sociais para impor condições cuja imperiosidade se funda, em grande parte, no medo do retorno a um Estado liberal que subjugue a classe trabalhadora, como no século XVIII.

Revolvendo às lições de Bobbio40 e Reale41, a norma jurídica apresenta-se desdobrada em três planos distintos: eficácia, vigência e justiça, sendo estes, respectivamente,

39 NASSIF, Elaine Noronha. Fundamentos da flexibilização: uma análise de paradigmas e paradoxos do Direito e do Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001. Pág. 63.

40 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Tradução de Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno

preocupação da sociologia jurídica, da dogmática jurídica e da filosofia do direito. Temos também que os fatos sociais são condicionantes das normas, ou seja, a normogênese funda-se, sobretudo, no contexto social, e quando não o faz, a norma jurídica resta relegada ao plano da ineficácia. Assim, a norma jurídica conecta um fato social a um valor juridicamente tutelado (não se pretende aqui dizer que a realidade jurídica seja um mero reflexo dos fatos sociais, uma vez que o Direito possui também um caráter transformador – transforma e é transformado pelos fatos).

Em uma interpretação do positivismo garantista, a norma jurídica se faz válida, independentemente de sua justiça, desde que respeitados tanto os aspectos formais de sua formulação, quanto também os valores incorporados pelo ordenamento jurídico.

É nesse contexto que se demonstrará que a atual aplicação do protecionismo na seara trabalhista, muitas vezes, destoa completamente dos valores incorporados pelo sistema, tratando-se de uma aplicação automática da legislação, quase sempre impregnada por aspectos da moral individual dos julgadores, dentro de um discurso idealizado, o que acaba por prejudicar os direitos dos próprios trabalhadores.

Com efeito, verifica-se que o processo de decadência do Welfare State foi motivado por uma crise no capital que forçou, novamente, sua alteração. Pois bem, entre 1945 e 1968 as relações capitalistas que influenciam o trabalho permaneceram estáveis42, vigendo os modelos taylorista e fordista, que basicamente pregavam a alienação do trabalhador do conjunto da obra, tolhendo-o de conhecimento mediante políticas de incentivo salarial. O primeiro modelo pregava a padronização das mercadorias, ao passo que o segundo estimulava a especialização máxima do empregado.

Contudo, na década de 1970 do século XX inicia-se uma nova crise do capital, marcada por uma série de fatores. O forte intervencionismo estatal havia aumentado o preço da mão de obra, ao passo que havia o esvaziamento dos cofres públicos, o que aumentava a carga tributária, fatos que repercutem diretamente sobre a atividade empresarial. O aumento de produção acarretado pelo taylorismo/fordismo já não era acompanhado pelo correlato

41 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27º ed., ajustada ao novo código civil – São Paulo:

Saraiva, 2007.

42 MATOS GONÇALVES, Antônio Fabrício de. Flexibilização Trabalhista. Belo Horizonte: Mandamentos,

escoamento das mercadorias. Inicia-se um processo de desemprego estrutural que agrava a crise das vendas. O capital passa, gradativamente, a uma fase especulativa, marcando o surgimento do capitalismo financeiro.

Com essa crise, o capitalismo precisa se reinventar. Para tanto, utilizou-se de modelo importado do Japão, o toyotismo. Para esse modelo de produção o trabalhador precisa estar comprometido com o projeto da empresa, ou seja, não importa uma especialização alienante e automática como a do fordismo, mas sim um constante aperfeiçoamento do trabalhador de forma a contribuir com o projeto patronal. Busca-se, portanto, elevar ao máximo a capacidade produtiva de cada funcionário.

“É criado o que se chama de ‘trabalho flexível’. A alta tecnologia exige um operário qualificado, capaz de operar várias máquinas, para que a produção seja realizada no menor tempo possível.”43

A grande diferença do toyotismo em relação aos modelos anteriores é a máxima eficiência deste. Aproveita-se ao máximo o material humano, incentivando seu desenvolvimento no mesmo sentido dos interesses patronais, subutilizam-se as máquinas (de forma a evitar panes e, portanto, tempo ocioso), otimizam-se os espaços e condicionam os estoques, estritamente, à procura.

Esse modelo, contudo, acarreta como consequência o desemprego estrutural, caracterizado quando o número de desempregados é maior que o número de trabalhadores que o mercado pretende contratar, e esse excesso de oferta de trabalhadores não seja transitório. É que com o aproveitamento máximo da capacidade de um trabalhador, ao invés de sua alienação numa única função, este passa a ocupar o cargo de vários outros trabalhadores num modelo fordista, por exemplo, reduzindo, portanto, a oferta de vagas. Sem prejuízo dessa análise, verifica-se que os empregadores passam a impor critérios para a contratação, ou seja, buscam-se trabalhadores mais qualificados, de forma que o próprio obreiro deve se reinventar. Nas palavras de Aldacy Rachid Coutinho44:

O processo de reengenharia necessita de um novo perfil de empregado, deixando de

lado o paradigma do empregado referência da CLT, “subordinado”, apenas

43 MATOS GONÇALVES, Antônio Fabrício de. Flexibilização Trabalhista. Belo Horizonte: Mandamentos,

2007. Pg. 86.

44

COUTINHO, Aldacy Rachid. Direito do Trabalho: a passagem de um regime despótico para um regime

hegemônico. Revista da Faculdade Mineira de Direito. Belo Horizonte, vol. 2, n.3/4, 1º e 2º sem., 1999.

destinatário do poder de comando e direção, para adotar o trabalhador eficiente, produtivo, que assume responsabilidade e age independentemente do comando, atendendo às demandas do mercado, em uma estrutura de organização flexível.

Esse modelo está longe de ser um estímulo à qualificação profissional. Com ele enxuga-se o processo produtivo, de forma que a empresa que antes fabricava todas as peças de seu produto, agora as terceiriza, fazendo-o, também, em relação aos serviços que não constituam sua finalidade. Em épocas de aumento do serviço, contratam-se temporários, ou seja, flexibilizam-se as relações empregatícias.

A globalização difunde cultura e informação em tempo recorde ao mesmo tempo em que padroniza a cultura, “eliminando” regionalismos. A tecnologia sofre expansões jamais vistas. Os trabalhadores já não lutam por condições mínimas de emprego, eles agora são uma classe mais consciente e informada, na luta pelo próprio posto de trabalho.

Esse contexto econômico facilitou o ressurgimento do liberalismo, desta vez em uma releitura que se pretendia adaptar à fluidez do capital, o chamado neoliberalismo. Nesse ponto é importante fazer uma consideração, o neoliberalismo, ao contrário do que defendem alguns, não é uma ameaça oculta que busca minar as conquistas sociais, mas sim uma realidade.

Considerando que a globalização aproximou os mercados e que se faz impossível o isolamento econômico de uma nação, bem assim como a criação de entidades financeiras internacionais e a necessidade de capitais para investimentos que quase sempre não estariam disponíveis nos cofres públicos, as políticas neoliberai foram difundidas por meio de imposições. Especialmente no caso brasileiro, apesar de ser afirmado que o neoliberalismo fora praticado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, certo é que sua instituição foi uma imposição do FMI ainda na década de 1980, como condição para a concessão de empréstimos.

Nessas épocas em que o trabalhador possui as condições mínimas de emprego garantidas pelas normas legais, mas não possui o próprio emprego o Direito do Trabalho precisa se reinventar de forma a acompanhar as mudanças sociais.

O objetivo desse estudo não é pregar a desregulamentação, deixando as condições de trabalho ao alvedrio contratual, tampouco uma flexibilização cega, que sujeite os

trabalhadores a todas as doutrinas liberais que venham a surgir. Contudo, o Direito do Trabalho precisa pensar em soluções dentro de sua própria concepção protecionista, sob pena de ver sua eficácia em xeque.

Na contramão dessas ideias, conforme se demonstrará em tópico próprio, os teóricos do Direito do Trabalho, especificamente no Brasil, país com uma carga de direitos trabalhistas enorme quando comparado a outras nações, enrijecem-se e adotam um discurso idealizado, no sentido de que tudo é culpa da voracidade neoliberalista que busca impor a lógica de mercado. Para tanto, controla a mídia, de forma a nos fazer acreditar que esse seria um caminho natural a ser seguido. Nesse contexto, encaram a flexibilização como uma tentativa de desfazer conquista históricas dos trabalhadores, buscando, por meio de soluções casuístas se utilizarem do direito dito como vigente (que não, necessariamente, coincide com o direito vigente) para conferir “direitos” aos trabalhadores e, assim, praticar a tão sonhada “justiça social”, esquecendo, contudo, que tal fato é um desestímulo à contratação e à livre iniciativa, sendo esta última o mais eficiente meio de combate ao desemprego estrutural.

Evidentemente há uma estratégia ‘neoliberal’ de conquista hegemônica. O que

estamos presenciando é um processo amplo de redefinição global das esferas social, política, e pessoal, no qual complexos e eficazes mecanismos de significação e representação são utilizados para criar e recriar um clima favorável à visão social e política liberal. Sorrateiramente, o que está em jogo não é, apenas, uma reestruturação neoliberal das esferas econômica, social e política, mas uma reelaboração e redefinição das próprias formas de representação e significação

social, da qual a do desemprego dos trabalhadores é uma das ‘faces’ mais cínicas.45 Esse “maniqueísmo”, comum na doutrina juslaboralista, impede uma crítica objetiva do contexto social de forma a buscar a melhor solução. Esse comprometimento ideológico, portanto, preenche as lacunas de racionalidade com sentimentalismos e compromete a própria decisão judicial:

Como sabemos, nas suas mais profundas matrizes simbólicas e ideológicas, reproduzidas no pensamento juslaboralista dominante, os conflitos trabalhistas, à solução dos quais intervém o Estado legislativamente e depois judicialmente, é visto

como um conflito entre “algoz-patrão” e “vítima-trabalhador”46.

45 SOUZA, Sérgio Alberto de. Direito do Trabalho, Neoliberalismo e Barbarie. Belo Horizonte: RTM, 1997.

Pg.39.

46 GUERRA, Marcelo Lima. O homem é bom? – reflexões sobre a humanidade, o magistrado e o abuso das legislações protecionistas. Mimeografado. – artigo cedido pelo autor.

No Brasil, historicamente, vige um modelo de discricionariedade judicial, o qual dá ampla margem de liberdade ao magistrado, especialmente dentro de um constitucionalismo principiológico como o que vem sendo propagado, para a invenção de princípios que no mais das vezes nada mais traduzem do que valores morais pessoais. Nesse contexto, o direito imposto às partes no processo não coincidiria com o direito posto, uma vez que sofreria uma mutação interpretativa nas mãos do julgador, o que esvazia o plano de eficácia e validade da norma jurídica vigente:

Por isso, convém fazer a distinção entre o direito que deve ser o direito vigente, ou seja, o direito que os juízes devem, racionalmente, dizer que é o direito vigente e o direito de fato (não necessariamente corretamente) vigente, e o direito que os juízes de fato (sem comprovação de que o que eles dizem seja certo ou não e, portanto, passível de críticas) dizem que é o direito vigente.47

Corrobora-se, pois, com o pensamento de Hart48 quando este explica que a postura a ser adotada perante o ordenamento jurídico, especialmente pelas instituições condutoras do processo, é no sentido que o conteúdo jurídico deve ser apreendido dentro do próprio sistema, por meio das “fontes sociais”, não havendo que se recorrer à moral, salvo quando esta tenha sido explicitamente incorporada pelo sistema, o que não deixaria margem para essa discricionariedade judicial.

Na prática os espaços destinados às razões de convencimento do magistrado em uma decisão judicial são preenchidos com imprecações genéricas acerca da necessidade de proteção ao trabalhador. Keith Rosenn analisa que o pluralismo legislativo, a confusa legislação, o fraco controle colonial, e o poder conferido ao magistrado para reinterpretar a legislação, historicamente, favoreceram essa impregnação das decisões judiciais com convicções pessoas que destoam da própria norma, ou seja, o direito aplicado é aquele dito pelo magistrado, não aqueloutro democraticamente posto pelos órgãos legislativos.

Prossegue o autor analisando que os cargos, historicamente, foram vistos como conquistas pessoais, e não como funções públicas, facilitando, assim, o desenvolvimento de uma intersubjetividade que culmina na formação histórica do sentimentalismo, ou o que o autor chama de “complexo de coitado”, o que nada mais é do que a concepção, comum na cultura brasileira, que certas classes, dadas suas condições pessoais, tem uma tendência

47 GUERRA, Marcelo Lima. Juslaboralismo crítico. 1º ed. Fortaleza: Tear da Memória, 2008. Pg.21 48 HART, H.L.A, apud DWORKIN, RONALD. A justiça de toga, São Paulo: Martins Fontes, 2010. Pg.205.

natural à bondade ou uma justificativa para eventuais desvios de conduta, o que permitiria a flexibilização da lei49:

Um corolário da ênfase no relacionamento pessoal direto é o complexo de “coitado”,

a compaixão e a solidariedade que os brasileiros tão prontamente estendem àqueles em condições miseráveis. Se forçado a optar entre ajudar alguém de quem sente pena ou respeitar a uma norma legal, o brasileira provavelmente esquecerá a lei.

A Justiça Trabalhista, enquadrada nesse contexto, adota para si a posição de paladina das causas sociais, criando estigmas, tratando como retrógrados os partidários de opiniões divergentes, e, assim, prejudicando uma série de princípios constitucionais, como a ampla defesa, o devido processo legal, a valorização da livre iniciativa e a própria proteção ao trabalho. As decorrências dessa conduta são, também, a impossibilidade de um debate racional no âmbito do judiciário trabalhista e a defesa de uma discricionariedade judicial decorrente da própria pressão ideológica exercida sobre os magistrados (especialmente por associações como a ANAMATRA), o que compromete seriamente a fundamentação das decisões judiciais.

A atuação das entidades associativas se revela, portanto, questionável em mais de um aspecto, por melhores que tenham sido as intenções de seus dirigentes. Os excessos não podem ser negados e é fundamental depurar a discussão de temas de relevância nacional, cuja solução se fará sentir na vida de milhões de brasileiros, das pressões de patrulhamentos ideológicos, de intimidações retóricas e da defesa apaixonada e desproporcional de bandeiras políticas vagas e genéricas, onde a realidade concreta passa ao largo. 50

Tais considerações assumem especial gravidade porque implicam a formação de uma cultura que favorece o egocentrismo do magistrado, o que culmina em outra ofensa ao prejuízo da ampla defesa. Nesse contexto, verifica-se que o juiz, enquanto ditador do Direito, e paladino da justiça, mormente na Justiça do Trabalho, impõe sua decisão com fundamentações quase sempre genéricas e emotivas, que partem da premissa do mau empregador. Em sua decisão o juiz se satisfaz, de modo que tudo que a contrarie ou a questione é mal visto. Veja-se, por exemplo, que especialmente no âmbito trabalhista, desconsiderando, claro, os existentes casos de litigância protelatória, os embargos de declaração são, comumente, vistos como uma ofensa e sua decisão é impregnada por uma agressividade voltada à parte embargante, fato especialmente preocupante no contexto da

49

ROSENN, Keith S. O jeito na cultura jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. Pg. 47.

50 GUERRA, Marcelo Lima. Competência da Justiça do Trabalho. Fortaleza: Tear da Memória, 2009. Pg.

(des)motivação das decisões judiciais trabalhistas e do impreciso conceito de prequestionamento de matérias.

O problema reside no fato de que ainda hoje o empregado é visto como aquele operário oprimido da Revolução Industrial, olvidando o ramo juslaboralista, pelo menos em suas concepções dominantes, que o processo de globalização também afetou os trabalhadores. O acesso à informação os tornou mais cônscios de seus direitos e do contexto político e econômico. Hoje o trabalhador investe em sua especialização. Tais mudanças, por si só, já permitiriam uma flexibilização do protecionismo trabalhista ao ponto, de pelo menos, se destinar mais à garantia do próprio emprego.

Esse comprometimento ideológico do magistrado ganha especial relevância num sistema jurídico no qual ainda se entende o magistrado como aquele que dita o Direito, conquanto se saiba que a relação mais correta seria uma submissão deste à lei e ao ordenamento jurídico. É que essa discricionariedade judicial permite que essa moral individual componha o sistema jurídico, transmutada em decisão judicial. Não se prega aqui uma alienação do magistrado de todas as suas convicções pessoais na hora de proferir a decisão judicial, uma vez que ao juiz também se reconhece o caráter humano (é como Piero Calamandrei51 adverte poeticamente: “De que insuspeitadas e remotas vicissitudes pessoais

ou familiares derivam com frequência as opiniões dos juízes e a sorte dos réus”), bem assim

como que a margem de interpretação de modo a extrair as normas dos textos é, fatidicamente, norteada pela “cultura” do magistrado.

Portanto, não será um posicionamento ad hoc feito por juízes ou tribunais, fruto de apreciações advindas de uma moral individual (razão prática eivada de solipsismo)

ou convicções políticas etc. (em síntese, argumentos de política), que “valerão” mais do que esse “produto democrático” (a legalidade constitucional, para lembrar Elias

Diaz), o qual – e é desnecessário frisar isso – deverá sempre passar pelo controle paramétrico-constitucional. Entretanto – e este é um ponto fundamental – esse

“produto democrático” deverá sempre ser interpretado (o texto só existirá na sua

norma). 52

O que se argumenta, contudo, é que o magistrado está adstrito a uma exposição racional de seus argumentos, ponderando regras e valores incorporados pelo sistema de modo

51 CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Pg.20. 52 STRECK, Lênio Luiz, in FERRAJOLI, Luigi, et al (organizadores). Garantismo, Hermenêutica e

(Neo)Constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. Pg.

a subsumi-los ao caso concreto. Doutro modo, com a simples referência ao fato de que

analisando as provas, o magistrado formou seu livre convencimento, dada ainda a necessidade imposta pelo princípio da proteção, que é a tônica do juslaboralismo”, não se tem uma motivação racional da decisão judicial capaz de garantir o gozo dos princípios constitucionais que norteiam o processo, e mais, essa decisão casuísta, não raramente, traduz uma inovação legal cometida pelo operador do Direito, fundada numa proteção, aqui, desnecessária, que (além de acintosa ao ordenamento jurídico) reprime uma classe de trabalhadores em prol da “justiça” feita a um deles.

Exemplo clássico desse protecionismo forçado, fruto do comprometimento ideológico do magistrado, é trazido por Marcelo Guerra em artigo intitulado “O homem é bom? –

reflexões sobre a humanidade, o magistrado e o abuso das legislações protecionistas”53 :

Ora, o que tenho observado no cotidiano forense, e mesmo fora do estrito ambiente judicial, mas na vida social mesma, que àquele ambiente faz referência, é que tais legislações se têm, por um lado, permitido um tratamento mais justo, pelo menos pontual e imediatamente a algumas pessoas efetivamente merecedoras – insisto, numa perspectiva puramente de ação imediata – não menos certo é que as mesmas legislações têm sido também utilizadas de forma abusiva, para cometer injustiças talvez maiores e em direção invertida, do que aquelas que essas mesmas normas destinavam-se a combater.

E é no campo da apreciação das provas e reconstrução dos fatos onde mais se faz sentir a influência nefasta da adesão do magistrado a orientações ingênuas sobre a bondade do homem e, o que é pior, sobre “virtudes especiais” de certas categorias de pessoas. Tal adesão estimula, por uma força cultural, ideológica e inconsciente, a apreciação piedosa das provas, capaz de gerar imensas injustiças.

Traçadas essas considerações, volta-se ao contexto socioeconômico atual. Nesta toada fica fácil perceber que a Justiça do Trabalho, pelas razões supra expostas, tem promovido uma justiça casuísta, ou seja, a promoção de um interesse individual (que nem sempre corresponde a um direito) em prol do interesse de uma maioria. Essa conduta protetiva tem sido aproveitada tanto pelos próprios trabalhadores quanto por seus procuradores, no mais das vezes totalmente descompromissados com a ética. Instaura-se o caos: formulam-se pedidos absurdos, contraria-se a própria plausibilidade das teses jurídicas, concedem-se decisões totalmente desarrazoadas, que fomentam novas demandas, ou seja, a Justiça do Trabalho, ao tentar combater a lógica do mercado tem sido submetida, ela mesma, a essa lógica, pois ao invés da garantia de direitos e supressão de desequilíbrios, tem sido utilizada para a obtenção

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