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O princípio da proteção ao trabalhador e as violações de seus limites em juízo tcc jparaújojúnior

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CORDENADORIA DE PROGRAMAS ACADÊMICOS

JOSÉ PEREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO TRABALHADOR E AS VIOLAÇÕES DE SEUS LIMITES EM JUÍZO

(2)

JOSÉ PEREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO TRABALHADOR E AS VIOLAÇÕES DE SEUS LIMITES EM JUÍZO

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito e Processo do

Trabalho.

Orientador: Prof. Msc. William Paiva

Marques Júnior.

(3)

O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO TRABALHADOR E AS VIOLAÇÕES DE SEUS

LIMITES EM JUÍZO

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito em conformidade com os atos normativos do MEC e do Regulamento de Monografia Jurídica aprovado pelo Conselho Departamental da Faculdade de Direito da UFC. Área de concentração: Direito e Processo do Trabalho.

Aprovada em: 06/02/2013

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará - UFC

_________________________________________________ Alisson José Maia Melo

Mestrando em Direito da Universidade Federal do Ceará – UFC

_________________________________________________ Tainah Simões Sales

(4)

A palavra convence, o exemplo arrasta.”

There are no limits. There are only plateaus, and you must not stay

there, you must go beyond them.”

Bruce Lee

Your time is limited, so don't waste it living someone else's life. Don't be trapped by dogma which is living with the results of other people's thinking. Don't let the noise of other's opinions drown out your own inner voice. And most important, have the courage to follow your heart and intuition.

Steve Jobs

“O verdadeiro perigo não vem de fora: é um lento esgotamento

interno das consciências, que as torna aquiescentes e resignadas; uma crescente preguiça moral, que à solução justa prefere cada vez mais a acomodadora, porque não perturba o sossego e porque a

intransigência requer demasiada energia.”

Piero Calamandrei

“Out of the night that covers me,

Black as the Pit from pole to pole, I thank whatever gods may be

For my unconquerable soul.”

William Ernest Henley

“May the force be with you.”

Obi-Wan Kenobi

“You will know what to do when you are calm, at peace, passive.”

(5)

A Deus pelas bonanças concretizadas e pelas experiências advindas daquilo que

não tenha sido bom, pelo caminho que eu traço diariamente e pelo mais que estiver no porvir.

Ao meu pai, José Pereira de Araújo, pela persistência, zelo e pelo impulso dado ao

longo da vida. À minha mãe, Maria de Fátima Norões Chagas, pela dedicação constante. E a

ambos, pela vida que levo e pela pessoa que sou, pelo amor e pelas oportunidades.

Aos meus grandes amigos Bruno Damasceno, Yuri Rodrigues, Gustavo Alencar,

Diego Santiago, Marcell Aquino, João Vicente, Pedro Enrique Lira e todos os demais que a

limitação das linhas não me permitiria citar, agradeço profundamente por tê-los em minha

vida e pelos bons momentos proporcionados, mesmo nas mais difíceis situações.

À Virna Liz, pela (im)paciência diária que me motiva a dar passos mais largos,

pelo nosso amor e pela família que me dera de presente.

Ao ilustre amigo Jothe Frota, pela paciência ao longo desses anos, pelas boas horas de conversa e pelas alegrias que seu recinto de “trabalho” proporciona a todos na Faculdade de Direito.

A Tarciano Barros, Sérgio Martins, Carolina Barros, Frederico Peters, Volney

Limeira e Auricélio Leite, pela amizade que ameniza os dias de trabalho e pelo amplo

conhecimento construído diariamente.

Ao colega Wellington Mesquita pela proposição embrionária do tema.

Ao Professor Marcelo Lima Guerra, pelo norte doutrinário e pelas contribuições

prestadas a esse trabalho.

Finalmente, ao orientador, Professor William Paiva Marques Júnior, pela

orientação sempre disposta, humilde e amigável; pelas críticas sinceras e pela imparcialidade

(6)

Esse trabalho visa tratar do princípio da proteção ao trabalhador, parte reconhecida como

hipossuficiente no contrato de trabalho, enquanto necessidade decorrente não apenas do

contexto histórico-social, mas também da interpretação das normas constitucionais que o

alicerçam, analisando, mais detidamente, os limites dessa proteção, e as violações cometidas em face desta em juízo, seja pela aplicação “automática” de normas juslaboralistas, pela ausência de restrições a esse protecionismo, ou por ofensas à boa-fé perpetradas por

trabalhadores e advogados, o que se fará pela análise de casos concretos.

Palavras-chave: Princípio da proteção ao trabalhador. Protagonismo judicial. Abuso de

(7)

This work aims to address the principle of worker protection, recognized as the weakest part

of the employment contract, as a result not only of the socio-historical context, but also by the

interpretation of constitutional norms that underpin it, looking, more closely, the limits of this

protection, and the violations committed in the face of this in court, the "automatic"

application of labor laws, the absence of restrictions on this protectionism, or the good faith

offenses perpetrated by workers and lawyers, which will be done by the analysis of concrete

cases.

Keywords: Principle of worker protection. Judicial role. Abuse of rights. Abuse of process.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09

2 SURGIMENTO HISTÓRICO E FORMAÇÃO IDEOLÓGICA DO JUSLABORALISMO ... 14

2.1 Do princípio da proteção ao trabalhador na perspectiva do garantismo constitucional ... 25

2.2 Crítica da corrente aplicação da ideologia e do protecionismo trabalhista ... 35

3 OS ATORES PROCESSUAIS E SUA ATUAÇÃO NO JUDICIÁRIO TRABALHISTA ... 46

3.1 Os magistrados e o dever de fundamentar racionalmente suas decisões ... 48

3.2 As partes e os procuradores ante o dever processual da boa-fé ... 60

4 CASOS PRÁTICOS QUE EXTRAPOLAM OS LIMITES DO PROTECIONISMO JUSLABORAL ... 70

4.1 A colheita da prova oral no processo do trabalho ... 70

4.1.1 Considerações sobre o acolhimento da contradita, a aplicação da súmula nº 357 do TST e a “força probante” atribuída ao depoimento das testemunhas. ... 78

4.2 O abuso do direito e a má fé processual ... 90

4.2.1 A petição inicial com pedidos desprovidos de qualquer razoabilidade e a alteração da realidade fática ... 93

4.2.2 O abuso do direito de ação e a reparação dos danos causados à parte adversa ... 95

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 100

(9)

INTRODUÇÃO

O Consenso de Washington, no final da década de 1980, marcou a crise do Welfare State e a ascensão de uma nova ideologia, a qual busca ser implementada pelas instituições financeiras internacionais (FMI, BIRD), o neoliberalismo1, que prega um “Estado mínimo”,

privatizando as atividades produtivas e diminuindo as intervenções estatais na economia e em

políticas sociais.

No plano das relações de trabalho, busca-se uma especialização do trabalhador, o qual

deve ser capaz de incorporar maiores responsabilidades, de forma que, em decorrência dessa

lógica toyotista das relações empregatícias, exige-se o máximo do trabalhador, o qual está sob

constante pressão.

É ainda uma época em que as informações viajam em grande velocidade, as diversas

partes do mundo se conectam de forma mais intensa e rápida, as tecnologias se multiplicam e

se difundem. Há uma forte tendência a uma padronização cultural, a uma alienação no

hedonismo proporcionado pelas tecnologias, ao individualismo. Muda-se a forma de ver que

as pessoas enxergam a si mesmas e a sociedade.

Em suma, vivencia-se uma era de profundas transformações sociais e no capital, e

essas alterações possuem implicações severas no plano das relações de trabalho. Com efeito,

verifica-se que o principal e primeiro direito trabalhista, o direito ao emprego, é o alvo das

grandes instabilidades decorrentes dessas transformações.

Em uma época em que se automatizam funções anteriormente exercidas por pessoas, e

fundem-se as responsabilidades de vários cargos, atribuindo-as a um único funcionário, é

possível observar a estreita consonância dessas alterações com a lógica mercadológica, bem

assim como que sua maior consequência é um desemprego estrutural, que lança mais

trabalhadores na informalidade, alheios a qualquer proteção juslaboralista.

1 “O Brasil e demais países da América Latina aderiram ao Neoliberalismo em 1989, quando, endividados,

(10)

O individualismo e o consumismo que marcam nossa sociedade espalham-se, também,

pelos operadores do Direito, os quais, por vezes, parecem impedidos de realizar uma análise

contextualizada da situação da classe trabalhadora, buscando, como que numa justificação

para sua própria consciência, promover uma justiça casuísta, que acaba sendo um fator de

ponderação no fechamento de novos postos de trabalho.

O Direito do Trabalho surge como uma conquista da classe trabalhadora, fruto das

lutas contra a opressão por eles sofrida, pelas condições de trabalho indignas surgidas com a

Revolução Industrial. Ocorre que como ramo jurídico, o Direito do Trabalho obriga-se a

acompanhar as relações sociais, dentre elas as próprias relações de emprego, uma vez que não

se podem agregar novos valores a uma relação que se atualiza com as transformações do

capital.

O juslaboralismo surge duma análise histórica por meio da qual se concluiu que a

acumulação e a concentração de capital (e, consequentemente, dos meios de produção),

seguidas de uma atuação mínima do Estado nas políticas públicas conduziu a uma completa

desproteção da figura do trabalhador, o qual em certa fase da evolução histórica se viu

desprovido até mesmo de condições mínimas de existência, verificando-se, destarte, a fome, a

miséria, a doença, e tantas outras mazelas que se abatiam sobre essa classe. Nesta senda, a

inércia estatal precisaria ser rompida não apenas por bondade, mas sim em virtude de restar

ameaçada a própria paz social, iniciando-se, nessa fase, uma atuação sindical mais incisiva e

pressões constantes de diversos grupos sociais que culminaram com a produção legislativa de

textos garantidores das condições mínimas de existência ao trabalhador. Reconhece-se,

portanto, o trabalhador como a parte mais fraca da relação empregatícia, objeto, portanto, de

proteção estatal, como forma de se promover a igualdade material dos polos do contrato de

trabalho.

No contexto atual as condições mínimas de trabalho, mormente com o apogeu dos

direitos sociais enquanto direitos fundamentais, já foram garantidas por normas legais, de

forma que a grande crise enfrentada é no sentido de que o desemprego retira o objeto de

(11)

garantir a multiplicação dos postos de trabalho e o acesso ao emprego. É como expõe Elaine

Nassif 2:

Se o Direito do Trabalho veio no bojo da concepção do Estado social, protetor, equalizador, compensador de desigualdades, atribuindo no plano formal mais direitos, garantias ou prerrogativas aos mais fracos para compensar a desigualdade real, sendo este o fundamento deste ramo jurídico, é forçoso reconhecer que o desemprego na nova economia está fazendo com que esta proteção se desloque do empregado para o emprego.

Não se nega, nesse trabalho, a existência de maus empregadores, tampouco de

condições indignas de trabalho, contudo, uma atuação judicial que parta da premissa de que

esta é a regra nas relações trabalhistas causa uma série de prejuízos a outros valores também

defendidos pela ordem constitucional, bem assim como fomenta condutas abusivas do próprio

trabalhador.

Sem embargo, no Judiciário trabalhista brasileiro verifica-se que as decisões dos

magistrados encontram-se fossilizadas por uma mentalidade protecionista quase que

automática, fazendo com que esta seja aplicada em detrimento à própria análise detida do caso

concreto. Tal atuação destoa dos próprios alicerces de fundamentação histórica e jurídica que

amparam o surgimento do direito do trabalho, desconsiderando, totalmente, que o

ordenamento jurídico também incorporou como princípio fundamental os valores sociais da

livre iniciativa (artigo 1º, IV e art. 170, da CF/88), em relação complementar (e não

excludente) aos valores sociais do trabalho.

Nesse contexto, garantidas as condições mínimas de trabalho, cabe ao judiciário prezar

pelo respeito a essas condições, bem assim como pelo desenvolvimento sadio da criação de

postos de emprego, mesmo porque o protecionismo trabalhista é uma interferência estatal que

restringe a autonomia da vontade do trabalhador, de forma que não comporta aplicação

irrestrita.

Esse protecionismo automático que impregna o pensamento juslaboralista dominante é

preocupante especialmente num contexto em que: é grande o protagonismo judicial; há um

sentimentalismo formado em torno da classe trabalhadora que se consubstancia quase num

pensamento que o obreiro, por sua hipossuficiência, seria dotado de certas virtudes; inexiste

2 NASSIF, Elaine Noronha. Fundamentos da flexibilização: uma análise de paradigmas e paradoxos do

(12)

um léxico probatório preciso que permita o controle do magistrado por meio da exigência de

uma fundamentação racional de sua decisão e da estipulação de standards probatórios; e o pensamento dominante, nem sempre embasado no ordenamento jurídico, se soma à moral

individual e impregna a doutrina, a qual, por sua vez, é utilizada na fundamentação de

decisões, como que numa tautologia trabalhista.

Deve-se, contudo, sopesar que uma norma jurídica pode ser válida e eficaz sem ser

justa, e que justiça é um conceito indeterminado que expressa uma forte carga subjetiva, na

medida em que varia na concepção de cada pessoa. Uma análise dessa atuação judicial sob a

ótica do constitucionalismo garantista, mereceria reproche, na medida em que desconsidera

valores incorporados pelo sistema jurídico para priorizar uma moral individual do magistrado,

que o leva a equívocos na atuação processual – os quais vão desde prejuízos na conciliação

trabalhista por meio do fortalecimento de um dos polos pela aproximação do julgador, o

rompimento da imparcialidade do magistrado, aplicação do protecionismo na valoração das

provas, desconsideração da proteção constitucional aos valores da livre iniciativa, agravo do

desemprego estrutural, patrulhamento ideológico dos magistrados trabalhistas e o fomento ao

abuso da proteção dispensada por parte do próprio trabalhador, subvertendo a finalidade do

processo, que passa a ser encarado mais como uma fonte de lucros do que como objeto de

pacificação social que visa a promoção da justiça pela aplicação das normas postas de direito

material.

Realizada essa análise, se pode trazer a lume a lição de Marcelo Lima Guerra que

corrobora inteiramente com a tese aqui desenvolvida que a atuação da Justiça do Trabalho

hoje, quase que integralmente, se pauta por convicções pessoais, e não pelo ordenamento

jurídico vigente, o que esvazia o plano de eficácia e validade da norma jurídica:

Por isso, convém fazer a distinção entre o direito que deve ser o direito vigente, ou seja, o direito que os juízes devem, racionalmente, dizer que é o direito vigente e o direito de fato (não necessariamente corretamente) vigente, e o direito que os juízes de fato (sem comprovação de que o que eles dizem seja certo ou não e, portanto, passível de críticas) dizem que é o direito vigente.

Observa-se, pois, um contexto maniqueísta no Judiciário Trabalhista que polariza as

relações empregado-patrão, de forma que os juízes comumente são contagiados por certa

animosidade em face dos empregadores logo no início da relação processual instaurada, em

(13)

Outro ponto a ser abordado é que essa atuação do Estado-Juiz abre caminho para

advogados descompromissados com a ética, os quais incentivam seus clientes a incorrer em

aventuras jurídicas, desconsiderando a boa-fé como regra geral de conduta e descumprindo os

deveres éticos impostos pelo ordenamento jurídico, sendo, contudo, acobertados pelo manto

da proteção dispensada em face do trabalhador.

Nessa ordem de ideias, é necessário repensar os limites do protecionismo deferido

judicialmente em face do trabalhador, de forma que o acesso a uma ordem jurídica justa seja

uma garantia de toda a classe, e não de um ou outro trabalhador por meio de casuísmos.

Tendo em vista que esse esforço extrapolaria os estreitos limites desse trabalho, procurar-se-á

expor conceituações gerais sobre as situações expostas, e soluções pontuais para alguns dos

casos apresentados.

Quanto ao aspecto metodológico, a pesquisa será bibliográfica, nas linhas

doutrinária, jurisprudencial e legislativa, e comparativa, buscando investigar as similitudes e

as diferenças entre as informações colhidas, realizando uma leitura crítica de literatura

publicada em forma de obras doutrinárias, diplomas legais, decisões judiciais, artigos em

periódicos e outras publicações pertinentes que versem sobre o tratamento dispensado a

determinados casos trazidos à Justiça Trabalhista. Outrossim, será realizado um estudo de

casos concretos obtidos mediante pesquisa de campo, que corroboram com as teses aqui

defendidas.

(14)

2. SURGIMENTO HISTÓRICO E FORMAÇÃO IDEOLÓGICA DO JUSLABORALISMO.

Desde os tempos mais antigos o trabalho era visto como uma punição, algo

degradante, fato comprovado até mesmo pelos antigos registros da Bíblia (Deus condenara o

homem a ganhar o pão de cada dia com o suor de seu rosto, como punição à desobediência de

Adão e Eva3). O próprio termo “trabalho” deriva do latim “tripalium”, instrumento romano de

tortura, donde se denota ser algo fatigante e doloroso. Tal pensamento, inclusive, contribuiu

em grande parte para o menosprezo histórico dispensado à grande maioria da classe

trabalhadora, uma vez que os ideais de beleza residiam no ócio e na contemplação, valores

buscados pelo clero e pela nobreza.

Para a correta compreensão e justificação do Direito do Trabalho, da ideologia que

enfoca sua interpretação e da própria necessidade do princípio protetivo (bem assim como da

fixação de seus limites), é imperioso que se faça uma análise histórica do surgimento do

próprio trabalho, na forma em que o conhecemos, ou seja: a contratação assalariada de pessoa

física, a qual, apesar de subordinada ao seu empregador, não era sua propriedade, tampouco

vinculada a esta. Essa análise é centrada, pois, sobre um trabalhador que, em que pesem todas

as explorações, é livre em seu escasso tempo ocioso, razão pela qual não se analisará os

sistemas escravagistas ou feudais.

Na Baixa Idade Média o crescimento populacional e as cruzadas estimularam o

crescimento do insípido comércio, dando origem às feiras, à classe burguesa, e,

posteriormente, às cidades, bem assim como arejando a cultura e influenciando o pensamento,

havendo um deslocamento da mentalidade teocêntrica para a antropocêntrica. O progresso das

cidades e a monetarização da economia permitiram que as pessoas vivessem de seus ofícios,

abandonando a agricultura. Com isso surgem as Corporações de Ofício, as quais operaram a

especialização artesanal e o monopólio das atividades, bem assim como regulavam a oferta de

mercadorias e os preços.

Apesar de o trabalho assalariado remontar a essa época, a noção

empregado-empregador que conhecemos hoje teve início em fase bem avançada das Corporações. É que

3 BÍBLIA, gênesis. Bíblia Sagrada: edição pastoral-catequética. Tradução pelo Frei João José Pedreira de

(15)

nestas as relações eram travadas entre mestres e aprendizes, sendo que estes, após certo tempo

de treinamento, também se tornavam mestres. Imperava, portanto, a igualdade entre os

senhores e a facilidade com que os trabalhadores passavam à condição de mestre, havendo

ainda a prática do preço justo.

Com a expansão do comércio, o qual deixou de ser praticado apenas no âmbito das

pequenas cidades, a política do preço justo passou a levar em consideração as variantes da

oferta e da procura, surgindo assim o valor de mercado. Com esse aporte financeiro dentro das

Corporações, cresceram as aspirações dos mestres, os quais passaram a almejar o controle

administrativo das cidades. Derruba-se, então, a igualdade entre mestres e aprendizes, ao

passo que cada vez mais se torna difícil a ascensão do aprendiz a tal condição, segregando as

duas classes e dando início à relação empregador-empregado assalariado.

Remonta também a essa época o surgimento dos sindicatos, os quais tiveram sua

gênese em associações de jornaleiros (nome dado aos aprendizes que, após o treinamento, não

ascenderam a mestre, mantendo, contudo, o trabalho no ofício) que buscavam defender seus

interesses perante as associações dos mestres.

O crescimento das cidades trouxe uma maior necessidade de alimentos. No campo,

visualizou-se a necessidade de explorar terras virgens, bem assim como de melhorar a

qualidade da produção agrícola mediante seu incremento com técnicas mais aprimoradas. Eis

que o trabalho servil é substituído, paulatinamente pelo sistema de arrendamento (em vez de

se pagar pelo uso de uma parte da terra com o trabalho para o senhor feudal, o trabalhador

derruba a floresta e paga ao senhor uma quantia anual pela utilização dessa terra).

Mudando-se o sistema de paga em Mudando-serviços para paga em dinheiro o Mudando-senhor feudal Mudando-se viu obrigado a

contratar trabalhadores livres para os serviços de suas terras, e percebeu que isso era

vantajoso, conforme registra a historiografia:

Além disso, havia muito que o senhor percebera ser o trabalho livre mais produtivo do que o trabalho escravo. Sabia que o trabalhador que deixava sua terra para cultivar a terra do senhor o fazia de má vontade, sem produzir o máximo. Era melhor deixar de lado o trabalho tradicional e alugar o que lhe fosse necessário, mediante o pagamento de salários. 4

4 HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Tradução de Waltencir Dutra. 21º Ed. Rio de Janeiro:

(16)

É importante visualizar que as transformações nas condições de trabalho dependeram

da expansão comercial promovida com a globalização (fenômeno de integração mundial que

sempre fora presente – apesar dessa terminologia ser recente – em maior ou menor escala).

Esta permitiu que o sistema das Corporações de Ofício, que antes eram onipotentes em sua

produção, passasse a depender de um empreendedor para a obtenção de matérias-primas. Tais

transformações trouxeram grandes aportes financeiros à classe burguesa.

Contudo, essa classe não poderia dispor de seu dinheiro de forma livre, tendo em vista

os monopólios e as concessões feitas às Corporações de Ofício, tampouco poderia acumular o

capital que desejava, uma vez que a ingerência de um Estado Absolutista (o que se verifica, por exemplo, por meio das “Companhias” que gerenciavam o lucro do comércio com as colônias) a impedia. Estão lançadas as premissas para o surgimento da Revolução Industrial, a

mais profunda transformação das relações de trabalho havidas até hoje.

Para a compreensão da Revolução Industrial é necessária uma análise do pensamento e

das transformações culturais havidas naquela época, bem assim como das transformações

fáticas que se operaram.

No plano ideológico, o século XVIII foi de profundas transformações: 1) A burguesia

buscava romper com as amarras absolutistas; 2) a Revolução Puritana resgatou a dignificação

do trabalho humano, amoldando-se ao pensamento burguês (logo, o lucro, antes condenado

pelo catolicismo, passou a ser a expressão de uma dádiva divina, resultado do trabalho do

homem); 3) a Revolução Gloriosa, havida ainda no século XVII, rompeu moderadamente com

o absolutismo na Inglaterra, instaurando os ideais burgueses, o que teria influenciado muitos

anos depois a própria, no século XVIII, o rompimento profundo da Revolução Francesa; 4) o

Iluminismo elevou o pensamento racional a um patamar superior e permitiu um crescimento

intelectual e 5) a independência dos Estados Unidos positivou os ideais de liberdade e

igualdade jurídica, e, na Europa, deu novo impulso aos ideais revolucionários lançados pela

Revolução Gloriosa.

Quanto aos acontecimentos que permitiram a primeira Revolução Industrial e, por via

de consequência, a consolidação do modelo capitalista, verifica-se, primeiramente, o

(17)

O desenvolvimento industrial era difícil, contudo. A agricultura era atrasada, o que

dificultava o aporte de matérias primas, a economia era mal organizada, e leis protegiam as

Corporações de Ofício da inovação tecnológica.

No século XVIII houve a expansão do mercado têxtil, aquecido pelos tecidos de

algodão. Como não havia leis que protegessem esse mercado da mecanização, os industriais

burgueses investiram aí seu capital, ou seja, a indústria têxtil foi o motor da expansão

industrial até o século XIX, quando fora substituída pela indústria ferroviária5.

Enquanto o sistema de produção industrial se baseava na manufatura, o trabalhador era dono dos meios de produção, posteriormente, com a “maquinofatura”, a necessidade de investimentos na aquisição de aparelhagem alienou o trabalhador, reduzindo seu poder de

barganha na relação empregatícia.

Por uma série de fatores, os primeiros a experimentar essas transformações foram os

ingleses. A Inglaterra acumulou capital no apogeu do pacto colonial, por meio de acordos

financeiros firmados com Portugal e Espanha, rompeu prematuramente com o absolutismo,

reorganizou sua agricultura e promoveu novas cercanias que expulsaram camponeses para a

cidade. O crescimento demográfico, o aporte de camponeses e as leis que proibiam a

vadiagem contribuíram para a formação de uma mão de obra abundante6.

Inspirados na liberdade e igualdade pregada pela Revolução Francesa (entenda-se,

aqui, a liberdade de mercado – forma de romper com monopólios – e a igualdade jurídica –

rompimento com privilégios pessoais), surgem as doutrinas econômicas liberais, que pregam

o não intervencionismo estatal. O liberalismo econômico defendia a propriedade privada e a

livre concorrência. Segundo essa teoria, a economia tinha leis naturais que equilibravam a

oferta e a procura dos produtos, regulando o mercado e promovendo o desenvolvimento

econômico7.

5 CÁCERES, Florival. História Geral. 4º Ed. São Paulo: Moderna, 1996. Pág. 269. 6

CÁCERES, Florival. História Geral. 4º Ed. São Paulo: Moderna, 1996. Pág. 269-274.

7

(18)

Consolidam-se, nessa época, os direitos fundamentais de primeira dimensão,

compreendendo os direitos civis, de liberdade e políticos, marcando o rompimento com um

Estado Absolutista e a implantação de um Estado de Direito. São, pois, direitos de resistência,

que estabelecem prestações negativas para o Estado, que garantam as liberdades individuais,

ou seja, o “paradigma de titular desses direitos é o homem individualmente considerado. Por

isso, a liberdade sindical e o direito de greve – considerados, então, fatores desarticuladores

do livre encontro de indivíduos autônomos – não eram tolerados no Estado de Direito Liberal” 8

.

Entrementes, conforme preceitua Ripert 9: “a experiência demonstra que a liberdade não basta para assegurar a igualdade, pois os mais fortes depressa se tornam opressores”. Com efeito, as políticas liberais, a ascensão da burguesia industrial e a Revolução Industrial, com sua “maquinofatura” trouxeram consequências nefastas no âmbito social. A liberdade jurídica transmutava em justo todo o contratado, autorizando uma total exploração do trabalhador.

A mão de obra também se regeu pela lei da oferta de da procura, ou seja, com um

aporte monstruoso de trabalhadores nas cidades, o preço dos salários foi reduzido ao extremo

(Lei de bronze de Lassale10). Trabalhava-se de 16 a 18 horas por dia, em fábricas insalubres,

muitas das quais não permitiam nem mesmo que o trabalhador ficasse completamente de pé.

Contratavam-se crianças e mulheres, as quais também trabalhavam nas mesmas condições

escorchantes. Os distritos residenciais que abrigavam esses trabalhadores eram assolados pela

falta de higiene e pela cólera.

Os ricos industriais ingleses eram convictos da justiça dessas condições de trabalho, as

quais eram incentivadas também por setores do clero. Com o apogeu da Revolução Francesa, estes se amedrontaram que os ideais que inspiraram o “terceiro setor” a derrubar a nobreza contaminassem a classe operária. A classe operária inglesa, contudo, convence-se de que o

caminho seria o da luta gradativa pela melhoria das condições de trabalho, contando, para

tanto, com o apoio de grandes agricultores (tories), os quais buscavam vingança pela pressão dos industriais para a não liberação da exportação do trigo.

8 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocência Mártires; e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito

Constitucional. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Pág. 233. 9

RIPERT, Geoges, apud SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; e TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 22º ed. São Paulo: Ltr, 2005. Vol. 1, pág. 35.

(19)

O caráter individual dos direitos fundamentais de primeira dimensão culminou na

proibição da associação sindical (coalizão), mediante a Lei de Chapelier (1791)11, impedindo

que trabalhadores adotassem medidas para a defesa de interesses comuns. Surgiam na

Inglaterra movimentos de resistência que lutavam contra as máquinas (Ludismo) e que

buscavam reformas políticas e sociais (Cartismo). As greves e manifestações eram duramente

reprimidas.

Ascendem as doutrinas socialistas12, as quais começam, em todas as suas vertentes, a

influenciar o pensamento desses grupos e dos sindicalistas que atuavam na clandestinidade. O

empresário Robert Owen, sensibilizado com as condições de trabalho, implantou em suas

fábricas alterações profundas como: a redução da jornada de trabalho, especialmente de

mulheres e crianças, construiu creches para os filhos dos operários e adotou medidas de

higiene, sendo considerado, por alguns, o pai do Direito do Trabalho.

Na Inglaterra, apesar de comum a negociação entre empresários e grupos de

trabalhadores, o crime de coalizão somente veio a ser extinto em 182413. Ainda antes dessa

extinção, os trabalhadores organizavam-se nas trade unions, buscando a defesa de seus interesses, preferindo a negociação ao emprego da força, o que fez com que algumas correntes

socialistas da época os tomassem por uma burguesia operária. Negociavam com os patrões,

firmando acordos os quais, apesar de não haver disposições imperativas que obrigassem sua

observância, eram cumpridos em virtude da tradição do gentlemen’s agreement.

Na França, desde 180614 funcionavam os Conseils de prud’homme, de formação não

paritária (composto em sua grande maioria por empregadores), mas, ainda assim, com

atribuições de conciliar e decidir questões oriundas do trabalho.

11 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Pg.14.

12 O socialismo, de uma forma geral, é uma reação contra as doutrinas liberais. Partindo da premissa de que a

propriedade privada é o instituto jurídico do liberalismo, as doutrinas socialistas se insurgem diretamente contra ela. Essas doutrinas possuíam como traço comum: a busca pela igualdade fática entre os indivíduos; o combate á liberdade, pregando sua substituição por uma organização racional dos elementos econômicos; e a existência de um determinismo materialista. HUGON, Paul. História das doutrinas econômicas. 14º ed. São Paulo: Atlas, 1980. Pág. 155 à 164.

(20)

O movimento sindicalista se espalhou pelos países industrializados, onde recebeu

influência ideológica de diversas correntes de pensamento, especialmente das de cunho

socialista, desde suas vertentes mais moderadas até o anarquismo (a mais radical).

Esse contexto desperta (ainda que forçadamente) uma preocupação social. As

principais conquistas sociais dessa fase são assim sintetizadas15:

a) na França (...) foi proibido o trabalho de crianças em minas de subsolo (1813) e o trabalho em domingos e feriados (1814); b) na Inglaterra, em 1833, foi proibido o trabalho do menor de 9 anos, limitada a 9 horas a jornada de trabalho do menor de 13 anos e a 12 a do menor de 18 anos, com a instituição de inspetores de fábricas; c) na Alemanha, em 1839, foi vetado o trabalho do menor de 9 anos e fixada em 10 horas a jornada de trabalho do menor de 16 anos; d) ainda na França, em 1814, foi proibido o trabalho do menor de 8 anos, limitada a 8 horas a jornada de trabalho dos menores de 8 a 12 anos e fixada em 12 horas a dos menores de 12 a 16 anos; e) a Inglaterra volta a legislar, em 1844, para limitar a prestação do trabalho feminino a 10 horas diárias.

A mais importante dessas conquistas, contudo, por seu caráter geral e pela atuação

protetiva Estatal, ocorreu em 184716, na Inglaterra, por meio de lei que limitava a jornada

normal de trabalho a 10 horas, e foi fruto de intensa pressão sindical pela fixação em 8 horas

da jornada.

Em 1848 a formação ideológica do juslaboralismo sofre sua mais profunda alteração

com a publicação do manifesto comunista, de Marx e Engels. O que importa saber em relação

a essa obra e sua relação com o Direito do Trabalho até os dias de hoje é que ela, por meio de

uma série de análises reais e deturpadas da teoria marxista, centrou o enfoque de análise, no

campo das ciências humanas, numa concepção econômica e no antagonismo de classes. Sobre

o tema escreve Fábio Ulhôa Coelho17:

Essa equação reducionista, esse economicismo, é uma deturpação simplificadora do marxismo marxista O modo de produção existente em uma sociedade é a sua base real no sentido de que condiciona as demais relações sociais. Não as determina, por certo; apenas a condiciona. As manifestações do espírito humano possuem o que se costuma chamar de relativa autonomia, de uma lógica interna que não se consegue entender apenas com o reporte às condições materiais da vida social.

15

SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Pg.18.

(21)

Na História, por exemplo, verifica-se18 que praticamente todos os eventos passaram a

ser explicados, ou pelo menos a contar em seus bastidores, com os interesses econômicos de

alguma nação que manipulava outra. Os fenômenos históricos passaram a ser explicados pelos

interesses, pelo capital, e pelas divergências entre grupos, e essa mudança de entendimento,

no juslaboralismo, polarizou empregadores e trabalhadores.

O marxismo foi, portanto, um marco histórico crucial para a organização e para as

conquistas dos trabalhadores. Na Primeira Internacional (1864)19, organiza-se a Associação

Internacional dos Trabalhadores, a qual busca a fixação da jornada de trabalho em 8 horas

diárias, benesse que até o final do século XIX somente atingia aos servidores públicos.

Na Alemanha o chanceler Bismarck implanta um sistema de seguros sociais, fato que

eleva o custo da mão de obra e faz os empresários pressionarem por uma internacionalização

das normas de proteção ao trabalhador, como forma de tornar os custos de produção

equivalentes. Tais ideias já haviam sido defendidas anteriormente por Robert Owen e por

Marx e Engels. Ocorre então a Conferência de Berlin, que resulta na assinatura de um

protocolo que fixa em 12 anos a idade mínima para o trabalho nas indústrias, e apresenta

disposições sobre arbitragem de conflitos, concessão de licença maternidade, e trabalho nas

minas20.

Em 1891, a Igreja Católica edita a Encíclica Rerum Novarum, que propunha a valorização do trabalho e a defesa de direitos sociais. Tal documentos influenciou intelectuais

e movimentos sindicais em todo o mundo, sendo uma época de intensa legislação garantidora

de direitos aos trabalhadores.

Com o término da 1º Guerra Mundial (1914-1918), é firmado o tratado de Versailles

(1919), e, com isso, ocorre a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como

fruto da consciência da necessidade de proteção ao trabalho humano e da fiscalização dessas

condições.

18

Os historiadores vêm, recentemente, promovendo pesquisas que buscam desmistificar as “verdades”

construídas por historiadores “marxistas” ao longo de Século passado. Exemplificando com casos brasileiros, busca-se descontruir a imagem monstruosa construída em torno de bandeirantes, a impossibilidade de ascensão social de negros ou índios, ou mesmo a atuação inglesa nos bastidores da Guerra do Paraguai. (Cf. NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil).

(22)

Importante transformação opera-se, também, com a constitucionalização dos direitos

sociais, havida com a Constituição de Weimar (1919), na Alemanha, que influenciou as

demais legislações europeias, e que aprimorou importantes direitos sociais já trazidos,

anteriormente, no conteúdo da Constituição Mexicana de 1917.

Está marcada a transição do Estado Liberal de Direito para um Estado Social de

Direito. Surge a consciência de que sem a busca por uma igualdade material (fornecimento de

condições reais aos indivíduos) estes não poderiam gozar livremente de suas liberdades

individuais. O Estado, então, rompe sua inércia e passa a atuar positivamente no sentido de

garantir condições dignas para que os indivíduos exerçam seus direitos de primeira dimensão,

o que se faz por meio dos chamados direitos sociais (referentes: à educação, à saúde, ao lazer

e ao trabalho).

Paulo Bonavides21 analisa que os direitos sociais dominaram as constituições do

segundo pós-guerra, para, em seguida, passarem por um período de baixa normatividade,

marcado pelo condicionamento de sua aplicabilidade ao chamado princípio da reserva do

possível, e, atualmente, ter sua eficácia resgatada:

De juridicidade questionada nessa fase, foram eles remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos de liberdade. Atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.

No Brasil, considerando-se o desenvolvimento industrial incipiente e tardio (fruto, em

parte, das políticas do Marquês de Pombal que proibiram manufaturas na colônia, a qual

funcionaria como mero mercado consumidor da metrópole), bem assim como a presença

firme e prolongada da escravidão, impediu, por muito tempo, o desenvolvimento industrial,

bem assim como de uma classe operária. Existiam algumas associações que agregavam certa

classe (tipógrafos, armadores de navios) e que lutavam por alguns interesses e realizavam

paralisações, o que alguns autores22 identificam como o berço do sindicalismo nacional.

(23)

Com a vinda da família real para o Brasil em 1808, e a necessidade de satisfação das

demandas da Corte, a colônia rompe com o protocolo tradicional de exploração colonial,

havendo um estímulo à industrialização, inclusive com a abertura econômica dos portos

brasileiros em 1810.

O Código Comercial, de 1850, já trazia algumas importantes previsões de cunho

trabalhista, como a manutenção dos salários em caso de acidentes imprevistos ou sem culpa

(artigo 79), o aviso prévio (artigo 241) além de indenização pela rescisão injustificada do

contrato de trabalho a prazo indeterminado (artigo 532 e 554).

A libertação dos escravos em 1888, apesar do franco declínio desse mercado já há

algum tempo, gerou uma mão de obra abundante. A primeira Constituição republicana de

1891 trazia a liberdade de associação, donde se derivou o direito à sindicalização. Com a

abolição da escravatura e uma economia tipicamente agrícola, o Brasil se tornou um atrativo

de correntes imigratórias, as quais trouxeram consigo os ideais socialistas que impregnavam a

Europa, especialmente as de índole anarquista.

Contudo, a industrialização não se desenvolveu até a 1º Guerra Mundial. E ainda esse

desenvolvimento fora reduzido, pois até mesmo na Era Vargas a principal atividade

econômica brasileira era a cafeicultura. Essa incipiente atividade industrial se desenvolveu,

porém, em virtude do declínio da oferta de produtos durante a 1º Guerra, tendo em vista que

as fábricas estrangeiras centravam esforços na produção de armamentos.

Em termos de legislação, há, nessa época: disposição sobre férias anuais remuneradas

dos trabalhadores da estrada de ferro Central do Brasil (1890); regulamentação do trabalho do

menor, proibindo-se sua admissão em idade inferior a 12 anos nas fábricas, salvo na condição

de aprendiz, a partir dos 8 anos, por 3 ou 4 horas diárias e fixando sua jornada em 7 horas,

para mulheres de 12 a 15 anos e homens de 12 a 14 anos (1891); sindicalização dos

agricultores (1903); instituição do seguro por acidente de trabalho (1919); e criação de Caixas

de Aposentadoria e Pensões, bem assim como da estabilidade decenal (1923) 23.

(24)

Há ainda, na medida do possível, intensa atuação sindical, a formação de Uniões

Operárias e a organização de greves e eventos tais como: o I Congresso Operário (Rio de

Janeiro, 1906) e o Congresso da Confederação Brasileira do Trabalho (Rio de Janeiro,

1912)24.

O marco fundamental do juslaboralismo brasileiro foi a Revolução de 1930, a qual

culminou na chamada Era Vargas. O presidente Vargas, nitidamente populista, promoveu

políticas paternalistas que garantiram inúmeros direitos aos trabalhadores, com o intuito de,

primeiramente, aloca-los a favor do governo e, em segundo lugar, enfraquecer o poder dos

sindicatos (isso num momento posterior do governo). Assim, é instaurada a Justiça do

Trabalho (1941), bem assim como se consolidam as legislações trabalhistas (CLT, de 1942)25.

Nos anos seguintes há gradativa evolução do Direito do Trabalho brasileiro, inclusive

no que concerne a algumas revisões promovidas na CLT, a legitimação dos sindicatos para a

cobrança de contribuições, as disposições sobre trabalhos insalubres e perigosos, et cetera.

Conforme mencionado anteriormente, tal evolução desaguou na Constituição Federal

de 1988, a qual alçou os direitos sociais à categoria de direitos fundamentais, bem assim como

abriu espaço para a progressividade destes ao dispor que os direitos ali elencados não

prejudicam outros que melhorem as condições dos trabalhadores (artigo 7º, caput), emanando, daí, a flexibilização da hierarquia das normas no ramo juslaboralista.

Verifica-se que, no Brasil e no mundo, consolida-se o Direito do Trabalho como ramo

autônomo, fortemente marcado pela historiografia, e pelas interações sociológicas travadas

entre empregadores e trabalhadores, bem assim como de uma consciência da necessidade da

promoção de uma Justiça Social, a qual demanda uma tutela estatal por meio de ações

positivas no sentido de equilibrar as desigualdades havidas entre as partes do contrato de

trabalho, de forma que haja vantagens mútuas equivalentes.

(25)

2.1 O princípio da proteção ao trabalhador na perspectiva do garantismo constitucional.

Considerando que o Direito do Trabalho, em sua natureza jurídica, é um misto de

normas de direito público, com maior carga impositiva e menor possibilidade de disposição

das partes, e privado, bem como em virtude da desigualdade fática nos polos do contrato de

trabalho, a proteção ao trabalhador, de forma a garantir a efetiva promoção de uma justiça

social, é uma necessidade.

A Constituição Federal de 1988 trouxe a referência aos princípios da isonomia, da

valorização do trabalho, da dignidade da pessoa humana e da promoção da justiça social, sem

prejuízo da progressividade dos direitos sociais. Importante pontuar que uma interpretação

sistemática do texto constitucional, buscando atribuir-lhe maior efetividade, nos permite

concluir que a intenção vai muito além da preocupação que todos sejam iguais perante a lei

(isonomia formal), objetivando o fornecimento de condições reais de usufruto dessa igualdade

(isonomia material).

Sem analisar detidamente cada um desses princípios, mesmo porque é fácil se ter uma

noção genérica destes, fato é que a busca da superação de diferenças fáticas que possam vir a

prejudicar o efetivo gozo de direitos sociais, e, por via oblíqua, tolher o ser humano de sua

dignidade, sujeitando-o a condições de trabalho aviltantes (em suma, uma conjugação dos

princípios anteriormente mencionados), é o alicerce do princípio protetivo.

Muito se fala nos princípios constitucionais como um duplo norte interpretativo, seja

ao legislador, na hora da formulação de leis, seja para o intérprete/ aplicador da norma

jurídica emanada da interpretação das leis, suprindo, assim, eventuais lacunas existentes.

Arnaldo Süssekind26, por exemplo, afirma que “princípios são enunciados genéricos que

devem iluminar tanto a elaboração de leis, a criação de normas jurídicas autônomas e a estipulação de cláusulas contratuais, como a interpretação e aplicação do direito”.

Paulo Bonavides27, citando Ricardo Guastini, elenca uma série de usos jurídicos do termo “princípio”, o que se faz oportuno trazer a lume:

26 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Pg. 107.

(26)

Em primeiro lugar o vocábulo “princípio”, diz textualmente aquele jurista, se refere a normas (ou a disposições legislativas que exprimem normas) providas de um alto grau de generalidade.

Em segundo lugar, prossegue Guastini, os juristas usam o vocábulo “princípio” para

referir-se a normas (ou a disposições que exprimem normas) providas de um alto grau de indeterminação e que por isso requerem concretização por via interpretativa, sem a qual não seriam suscetíveis de aplicação a casos concretos.

Em terceiro lugar, afirma ainda o mesmo autor, os juristas empregam a palavra

“princípio” para referir-se a normas (ou disposições normativas) de caráter

“programático”.

Em quarto lugar, continua aquele pensador, o uso que os juristas às vezes fazem do

termo “princípio” é para referir-se a normas (ou a dispositivos que exprimem normas) cuja posição na hierarquia das fontes de Direito é muito elevada.

Em quinto lugar – novamente Guastini –“os juristas usam o vocábulo princípio para designar normas (ou disposições normativas) que desempenham uma função

‘importante’ e ‘fundamental’ no sistema jurídico ou político unitariamente

considerado, ou num noutro subsistema do sistema jurídico conjunto (o Direito

Civil, o Direito do Trabalho, o Direito das Obrigações)”.

O princípio da proteção ao trabalhador, nesta ótica, não seria uma construção

autônoma do Direito do Trabalho, mas sim um reflexo neste do fato que a Constituição

outorgou uma série de garantias aos trabalhadores, bem assim como erigiu os primados do

trabalho e sua condizente valorização à categoria de direitos fundamentais (aqui se

considerando o caráter de direitos fundamentais dos direitos sociais).

Com essa base formada, verifica-se, ainda, que o princípio em tela emana de toda a

legislação trabalhista e sua tônica é uma autorização de supressão da vontade individual do

trabalhador no contrato de trabalho, de forma que esse, por necessidade, não se sujeite a

prestações por demais onerosas, rompendo, assim, o equilíbrio contratual. Verifica-se,

portanto, que o princípio do protecionismo trabalhista é uma intervenção na autonomia da

vontade privada de forma a promover a justiça social, por meio da manutenção de condições

mínimas de trabalho, evitando, assim, que certas disposições possam vir a ser negociadas pelo

trabalhador (irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas). Conforme pontua Arnaldo

Süssekind28:

O princípio da proteção do trabalhador resulta das normas imperativas, e, portanto, de ordem pública, que caracterizam a intervenção básica do Estado nas relações de trabalho, visando a opor obstáculos à autonomia da vontade.

Sob a ótica do constitucionalismo garantista, a proteção ao trabalhador seria uma regra

do sistema jurídico (superando, portanto, a corrente distinção entre regras e princípio e

28 SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; e TEIXEIRA, Lima. Instituições de

(27)

reforçando a normatividade das disposições constitucionais). Isso porque a Constituição positivou normas de “dever ser” na forma de princípios, ou como encaram alguns29

, seria uma

contribuição da teoria da institucionalização da moral, de Habermas, de forma que estes

definem os parâmetros da atividade legislativa e tem sua aplicação no âmbito judicial

realizada por meio de regras impositivas.

Como modelo de direito o constitucionalismo garantista se caracteriza, em relação ao modelo paleo-juspositivista, pela positivação também dos princípios que devem subjazer toda a produção normativa. Por isso, configura-se como um sistema de limites e de vínculos impostos pelas Constituições rígidas a todos os poderes e que devem ser garantidos pelo controle jurisdicional de constitucionalidade sobre o seu exercício: de limites impostos para a garantia do princípio da igualdade e dos direitos de liberdade, cujas violações por comissão dão lugar a antinomias, isto é, a leis inválidas que devem ser anuladas através da jurisdição constitucional; de vínculos impostos, essencialmente, para a garantia dos direitos sociais, cujos descumprimentos por omissão resultam em lacunas, que exigem o preenchimento mediante a intervenção legislativa. 30

Considerando ainda distinção formulada por Ferrajoli31 entre princípios diretivos e

princípios reguladores, tem-se que a proteção ao trabalhador se enquadra nessa segunda

categoria, na medida em que a interpretação sistemática da constituição não permite concluir

de uma mera previsão genérica de resultados, mas sim a previsões específicas que impõem

garantias consistentes nas proibições de lesão ou obrigações de prestação.

Verifica-se, portanto, que a Constituição alberga valores constantes no seio da

sociedade e de suma importância, sendo a esses valores atribuídos à condição de princípios,

emanando da interpretação das regras previstas no texto constitucional. O princípio da

proteção ao trabalhador denota sua face constitucional, quando, por exemplo: os valores

sociais do trabalho são expostos como fundamento da República Federativa Brasileira (artigo

1º, IV); o trabalho é elencado como direito social, abrindo-se ainda a possibilidade de

progressão do rol de direitos trabalhistas desde que melhores as condições do trabalhador

(artigos 6° e 7°, caput); é conferida à União competência para instituir a fiscalização do trabalho (artigo 21, XXIV); é organizada a Justiça do Trabalho (artigos 111 e seguintes);

estipula-se que a ordem econômica se funda sobre a valorização do trabalho humano com o

29

STRECK, Lênio Luiz, in FERRAJOLI, Luigi, et al (organizadores). Garantismo, Hermenêutica e

(Neo)Constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. Pg.

76.

30 FERRAJOLI, Luigi, et al (organizadores). Garantismo, Hermenêutica e (Neo)Constitucionalismo: um

debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. Pg. 24.

31 FERRAJOLI, Luigi, et al (organizadores). Garantismo, Hermenêutica e (Neo)Constitucionalismo: um

(28)

fito de promoção da justiça social, observando-se ainda o princípio da busca do pleno

emprego (artigo 170, caput e inciso VII); define-se a base da ordem social como o trabalho e a justiça social (artigo 193); define que incumbe ao Sistema Único de Saúde a proteção ao

meio ambiente, inclusive do trabalho (artigo 200, inciso VIII); sendo todas essas normas

interpretadas em conformidade com a isonomia (artigo 5º, caput) e a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III).

A proteção ao trabalhador, portanto, se dá em duas esferas de atuação, sendo a

primeira, por assim dizer, “macro” por meio da constitucionalização de parâmetros protetivos a serem observados, e uma segunda “micro”, decorrente das disposições celetistas (e de outras legislações trabalhistas) que promovam essa proteção (em conformidade com as diretrizes

interpretativas traçadas pela Constituição Federal). Numa visão realista da atuação no

Judiciário Trabalhista (frisando aqui que essa discricionariedade judicial inflada, fortalecida

no Brasil pelas interpretações parciais das teorias dos princípios que conduzem a um modelo

de constituição aberta, é uma antítese a um constitucionalismo que se pretenda eficaz),

poder-se-ia ainda dizer que se soma nessa análise “micro” a “proteção” promovida pelo Judiciário

Trabalhista quando este interpreta as leis, extraindo normas que serão aplicadas ao caso

concreto.

Trazendo, pois, a proteção constitucional dispensada ao trabalhador para o plano das

legislações trabalhistas, verifica-se mais evidente tratar-se essa proteção de uma interferência

na autonomia das partes no contrato, de forma a garantir as condições mínimas de trabalho,

conforme já suscitado anteriormente. Nesse giro, observa-se no plano infraconstitucional uma

série de disposições tutelares, bem assim como de suas respectivas exceções (casos previstos

em que as condições de trabalho não obrigam uma proteção ostensiva em face do

trabalhador).

A doutrina trabalhista é praticamente uníssona ao citar a doutrina de Américo Plá

Rodriguez32, para quem o princípio protetivo se manifesta em três dimensões distintas, quais

sejam: o princípio do in dubio pro operario, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica.

(29)

Maurício Godinho Delgado33 aponta que apesar desse desdobramento o princípio

protetivo se estende para a grande maioria dos princípios especiais do Direito Individual do

Trabalho.

Na verdade, a noção de tutela obreira e de retificação jurídica da reconhecida desigualdade socioeconômica e de poder entre os sujeitos da relação de emprego (ideia inerente ao princípio protetor) não se desdobra apenas nas três citadas dimensões. Ela abrange, essencialmente, quase todos (senão todos) os princípios especiais do Direito Individual do Trabalho. Como excluir essa noção do princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas? Ou do princípio da inalterabilidade contratual lesiva? Ou da proposição relativa à continuidade da relação de emprego? Ou da noção genérica de despersonalização da figura do empregador (e suas inúmeras consequências protetivas ao obreiro)? Ou do princípio da irretroação das nulidades? E assim sucessivamente. Todos esses outros princípios especiais também criam, no âmbito de sua abrangência, uma proteção especial aos interesses contratuais obreiros, buscando retificar, juridicamente, uma diferença prática de poder e de influência econômica e social, apreendida entre os sujeitos da relação empregatícia.

Concorda-se com a lição do autor, mas com os temperos impostos pelos comentários

de Lênio Luiz Streck ao panprincipialismo34. Com efeito, o constitucionalismo principialista

instituiu em nosso ordenamento jurídico a tradição dos princípios como normas gerais dotadas

de alto grau de indeterminação, ficando ao crivo dos magistrados a interpretação das normas

consoante esses princípios e sua aplicação de forma a suprir eventuais lacunas, ou na solução

de casos difíceis35.

Ocorre que essa possibilidade de ponderação principiológica num sistema jurídico dito

como aberto, somada ao protagonismo judicial, tem sido a fonte de um processo de criação de

princípios jurídicos, muitos dos quais sem qualquer fundamento legal. Nesta senda, o que se

verifica pela lição anteriormente mencionada de Ferrajoli, é que os princípios funcionam na

maioria das vezes, ainda que no momento de sua aplicação, como regras e que inexiste uma

diferença estrutural entre essas duas figuras que coloque os princípios em posição de

superioridade.

Feitas essas considerações é fácil perceber que a tônica do Direito do Trabalho é

ditada pelo princípio da proteção ao trabalhador hipossuficiente, o qual se desdobra numa

33 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTr, 2011. Pg. 193.

34 FERRAJOLI, Luigi, et al (organizadores). Garantismo, Hermenêutica e (Neo)Constitucionalismo: um

debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

35 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nélson Boeira. São Paulo: editora WMF

(30)

série de regras ou teorias, elencadas como princípios autônomos por Godinho Delgado.

Decerto não o são. A proteção ao trabalhador impõe a intangibilidade salarial, a nulidade de

cláusulas contratuais que prejudiquem os direitos trabalhistas e a irrenunciabilidade destes

direitos, e é por meio destas regras, elencadas em sua grande maioria na CLT, que se extrai,

também, o princípio do protecionismo, ou seja, a existência de regras autônomas de proteção

permite, em sua interpretação, a extração de uma norma que será aplicada ao caso concreto, e

dessa norma se extrai o princípio protecionista, sem que possa, ela mesma, ser considerada

um princípio autônomo.

Voltando, então aos três principais desdobramentos desse princípio, temos,

primeiramente, o (sub)princípio do in dubio pro operario (ou pro misero), o qual é uma adaptação do juslaboralismo da máxima de direito penal do in dubio pro reo. Esse desdobramento é de quase nenhuma relevância, tendo em vista que seu objeto já é

devidamente albergado pelo subprincípio da norma mais favorável.

Contudo, numa fase inicial do Direito do Trabalho, se pretendeu que este estendesse

sua aplicação ao processo trabalhista, destinando-se à interpretação de fatos e provas (herança

que ainda parece permear o judiciário trabalhista brasileiro). Esse paradigma interpretativo

que impõe a aproximação do magistrado de uma das partes e assim prejudica a ampla defesa e

o devido processo legal, enquanto basilares princípios constitucionais do processo, não pode

ser aceito no âmbito de uma doutrina jurídica que se considere científica, razão pela qual restou “superado” pela aplicação da teoria da distribuição do ônus da prova associada a um extenso rol de presunções.

Segue-se a este o subprincípio da norma mais favorável, o qual funciona de vetor

hermenêutico em três fases distintas, quais sejam: 1) no instante da elaboração da norma; 2)

no confronto entre regras concorrentes; e 3) na interpretação das regras jurídicas.

Sem embargo, esse efeito da proteção não institui uma ditadura de benefícios ao

trabalhador. Deve-se sempre manter o rigor técnico-científico da análise de forma a não se

comprometer a própria seriedade dos institutos. Nesta senda, destinando-se ao legislador,

impõe a observância das condições mais benéficas aos trabalhadores globalmente

considerados; dirigindo-se ao operador jurídico não autoriza a escolha arbitrária das condições

(31)

mais favoráveis em seu conjunto (teoria do conglobamento mitigado); e, por fim,

destinando-se ao intérprete da norma, conforme preceitua Godinho Delgado, “não poderá o operador

jurídico suplantar os critérios científicos impostos pela Hermenêutica Jurídica à dinâmica de revelação do sentido das normas examinadas, em favor de uma simplista opção mais benéfica

para o obreiro”.

Por fim, o subprincípio da condição mais benéfica, nos dizeres de Arnaldo

Sussekind36, “determina a prevalência das condições mais vantajosas para o trabalhador,

ajustadas no contrato de trabalho ou resultantes do regulamento de empresa, ainda que vigore ou sobrevenha norma jurídica imperativa prescrevendo menor nível de proteção e que

com esta não sejam elas incompatíveis”. O princípio da condição mais benéfica se traduz, portanto, no próprio “princípio” da inalterabilidade contratual lesiva.

Feitos esses esclarecimentos de caráter geral impõe-se questionar quais os limites de

aplicação do protecionismo trabalhista, sendo que essa pergunta passa, necessariamente, pela

análise de quem seja o destinatário dessa proteção.

Promovendo-se a análise axiológica (ou deontológica) do princípio protecionista, em

sua evidenciada base constitucional, verifica-se que tanto as premissas garantistas quanto as

neoconstitucionalistas concordam no sentido da inexistência de princípios absolutos, sendo

que a solução ofertada pela segunda corrente é no sentido de uma ponderação entre princípios

que afaste momentaneamente a aplicação de um deles, ao passo que a primeira corrente

propõe que essa ponderação se dá em relação às circunstâncias fáticas, e que, na verdade,

como os princípios (diretivos) se comportam como regras, deve-se haver uma decisão da

regra aplicável àquelas circunstâncias (posicionamento de Ferrajoli).

Nesta toada, também o princípio protecionista não pode ter uma aplicabilidade

irrestrita. Por uma série de fatores que serão oportunamente analisados, a tradição do

judiciário trabalhista no Brasil é a imposição de um protecionismo irrestrito, o qual parte de

concepções pré-formuladas logo na instauração da lide (ocasião em que se polarizam o mau

empregador e o bom empregador), para, no decorrer da relação processual, somada a um

protagonismo judicial exagerado, dar ensejo à aplicação ampla dos preceitos morais do

36 SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; e TEIXEIRA, Lima. Instituições de

(32)

julgador, os quais, comumente, são impregnados por uma carga ideológica sentimentalista e

por uma cultura que transforma em boa uma classe pelo simples fato desta ser hipossuficiente (seria uma releitura do mito do “bom selvagem” de Rousseau, mas dessa vez com a classe trabalhadora).

Exemplo de óbice a uma aplicação irrestrita ao protecionismo trabalhista seria sua

conformação com o primado constitucional da livre iniciativa. Com efeito, o artigo 1° da

Constituição Federal de 1988 estabelece, no mesmo inciso IV, como fundamentos de seu

Estado Democrático de Direito, tanto os valores sociais do trabalho quanto a iniciativa.

Enquanto o primeiro socorre a classe obreira, o segundo valor incorporado na ordem

constitucional pátria, não raramente, virá ao socorro de seus empregadores.

Não se trata aqui do malsinado (no âmbito juslaboralista) discurso neoliberalista, que

tudo tentaria reduzir à lógica do capital. Com efeito, tão importante quanto o trabalho a sua

dignificação é a existência de postos de trabalho e o fortalecimento da economia, o que se faz

por meio do desenvolvimento da livre iniciativa, a qual seria, portanto, o motor econômico do

país, desde que em conformidade com os ditames da justiça social (nos termos do artigo 170

da CF/88).

Não cabe neste trabalho entrar no mérito do que seja justiça social, certo é, contudo,

que utilizar-se do pálio do protecionismo para conferir “direitos” (interpretados à luz de uma

moral paternalista) a quem não os são devidos, não promove a justiça social, na medida em

que dá incentivos negativos à contratação e ainda prejudica toda uma classe de trabalhadores

em prol de uma decisão casuísta, bem assim como que não se amolda com o respeito devido à

livre iniciativa, mesmo com os limites a ela impostos. Outros limites impostos ao

protecionismo decorrem da própria lógica da proteção.

Conforme dito anteriormente, uma fixação dos limites desse protecionismo dispensado

em face do trabalhador perpassa, necessariamente, pela indagação de a quem essa proteção

juslaboralista se destina.

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