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Capítulo II: Rectificação e redistribuição: a crítica às teorias distributivas

II.5. Críticas à redistribuição: a posição original

Sendo a desigualdade e a tentativa da sua anulação o motivo da redistribuição, os princípios que estabelecem a acção dos indivíduos não poderiam ser os da titularidade, uma vez que estes se baseiam na liberdade e na autopropriedade, não tendo qualquer padrão distributivo como objectivo. A distribuição regulada pelos princípios do justo-título resultará das acções voluntárias de cada indivíduo, ao adquirir e transferir legitimamente as suas posses, não havendo a necessidade de qualquer interferência externa. O processo será justo se respeitar os princípios de aquisição e transferência e a rectificação acontecerá apenas quando se verifique alguma falha no processo. Estes princípios históricos bastariam para garantir a justiça da distribuição e o respeito pelos indivíduos à maneira kantiana.

Contudo, critica Nozick, na posição original Rawls impede a escolha dos princípios de titularidade por meio do véu de ignorância que garante o desconhecimento

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Cf. Vallespín Oña (1985: 191)

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“ (…) for some persons with special natural assets will be offered larger shares as an incentive to use these assets in certain ways.”

42 de qualquer particularidade, pelo que aqueles princípios ficariam, desde logo, postos de parte, não entrando em qualquer cálculo ou consideração. O véu de ignorância impede os indivíduos de se beneficiarem, mas também que qualquer princípio histórico possa ser seleccionado (ASU, 200-1). A coberto do véu de ignorância, a igualdade seria o critério da escolha, uma vez que se o produto a ser distribuído pudesse ser contabilizado, então os indivíduos optariam pelo princípio de igualdade; se o produto a ser distribuído não pudesse ser contabilizado, então o princípio escolhido seria o maximin (ASU, 200). A igualdade seria, assim, o ponto de partida e o objectivo a sua aproximação. Ora, presume-se desejável uma igualdade que, segundo Nozick, não encontra paralelo com a realidade em que apenas existem indivíduos com as suas vidas, propósitos e direitos individuais.

Ao analisar a posição original “Nozick, pela sua parte, opõe-se expressamente a tais compreensões “grupais” da realidade social, subscrevendo um individualismo atomista radical”28

. Os sujeitos representativos na posição original de Rawls são os adultos racionalmente capazes, excluindo-se todos os que não possam ser categorizados desta forma. Excluem-se também os talentos naturais, bem como todo o conhecimento da circunstância individual de cada uma das partes, pelo que apenas possuem as capacidades de que decorrem factos moralmente relevantes: a racionalidade e a capacidade de tomar decisões. Os motivos pelos quais estas características não são moralmente arbitrárias não são suficientemente esclarecidas, segundo Nozick, nem clarificadas as razões pelas quais são as moralmente significativas para a escolha de princípios de justiça. No entanto, com aquelas capacidades, os indivíduos apenas poderiam analisar e escolher princípios de estado-final, uma vez que não poderiam ter em conta os diferentes interesses, circunstâncias ou história das posses existentes. Os indivíduos na posição original não sabem que talentos possuem, mas também desconhecem em que é que esses atributos poderiam ser vantajosos na realidade, pois não conheceriam as relações entre produção e distribuição. Não saberiam que os seus talentos e dotes os poderiam colocar em vantagem na aquisição, transformação, produção e transferência de determinadas posses.

Sabendo apenas que há talentos e bens para possuir ou usufruir, as partes são constrangidas a escolher princípios que definam distribuições finais e não processos de aquisição e transferência das posses. Ignorando os mecanismos de produção, tenderão a

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“Nozick, por su parte, se opone expresamente a tales comprensiones “grupales” de la realidad social adscribiéndose a un individualismo atomista radical.” Vallespín Oña (1985: 191)

43 tratar as posses como manás caídos do céu, pelo que apenas cuidarão de as dividir, não estabelecendo quaisquer direitos dos produtores pelos bens. A este propósito Nozick questiona a legitimidade das partes na posição original para dividirem o que quer que seja: “Será que as pessoas na posição original alguma vez se perguntaram se tinham o direito de decidir como todas as coisas deveriam ser divididas?”29

(ASU, 199*). O cálculo consistirá então apenas na comparação entre “distribuições de resultado-final alternativas”, excluindo-se a possibilidade de albergar a conjectura de uma concepção histórica das posses.

Rawls estabelece um processo que permite aos indivíduos a escolha de princípios que definam a distribuição final dos bens que lhes caberão para a realização dos seus projectos de vida, num sistema de cooperação social. Os mecanismos de produção, os direitos que daí decorrem e a sua relação com a distribuição são relegados para um segundo plano, centrando-se a sua teoria da justiça naquilo que cada um recebe. Rectificar significa, então, estabelecer uma igualdade inicial de oportunidades, por meio da cobrança de impostos que garanta os bens essenciais primários e garantir que a desigualdade existente beneficie os mais desfavorecidos, sejam eles os que detêm menos posses materiais ou os menos talentosos. As medidas para gerir a igualdade e a desigualdade por parte das teorias distributivas, apelando constantemente a um intervencionismo estatal conduzem, segundo Nozick, à limitação dos direitos dos indivíduos, propriedade e liberdade, e ao desrespeito pela sua individualidade.

Já o autor de Anarchy, State and Utopia estabelece princípios processuais que permitam aos indivíduos possuir legitimamente aquilo que necessitam ou pretendam para a concretização dos seus projectos de vida. Esta, aliás, é uma ideia que atravessará toda a sua obra – a da importância crucial da propriedade privada na concretização da individualidade. Isto não significa que os indivíduos tenham qualquer direito a bens ou posses que permitam a realização dos seus projectos de vida, mas que os seus direitos não podem ser violados, as suas capacidades e talentos não podem ser usados como meios e os seus direitos de propriedade deverão ser regulados pelos princípios de justiça da titularidade. Rectificar significará apenas compensar os indivíduos que ao longo do processo vejam os seus direitos de propriedade serem violados, não se respeitando ou o princípio de aquisição ou o de transferência das posses. Não há, assim, necessidade de existência de um estado mais extenso que o estado mínimo.

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“Do the people in the original position ever wonder whether they have the right to decide how everything is to be divided up?”

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Capítulo III: Libertarismo de esquerda e a rectificação: a