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Capítulo IV: Igualdade e Rectificação

IV.2. Desigualdade e Rectificação

Assumindo o seu libertarismo de esquerda como uma “forma promissora de igualitarismo liberal” (V 11), Vallentyne defende que a igualdade inicial de oportunidades de uso e apropriação dos recursos naturais garante a efectiva liberdade dos indivíduos, não pondo em causa a total propriedade de si mesmos e igualando as oportunidades iniciais de bem-estar. Liberdade e autopropriedade são conciliadas à igualdade, permitindo acrescentar aos direitos libertários o direito a uma parte dos recursos que possibilite aos indivíduos a concretização de uma vida boa. Vallentyne introduz a necessidade da igualdade inicial afirmando que as teorias libertárias de direita podem conduzir à apropriação total dos recursos naturais por parte de alguns, impedindo que os outros possam de forma efectiva exercer a sua liberdade de acção, pois o termo de comparação exigido pelas suas restrições, no caso de existirem, são tão baixos que os mais capacitados (por visão empreendedora, inteligência…) acabariam por ser os únicos beneficiários de algo que nem sequer foi produto do seu esforço ou trabalho, não permitindo aos outros almejar uma existência significante.

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“Nozick’s discussion of these issues is very schematic and leaves a wide range of important issues unresolved.” (5.4 Justice in Prevention and Rectification)

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No artigo “Brute Luck, Option Luck, And Equality Of Initial Opportunities” (V 44), Vallentyne coloca as questões relativas ao momento inicial de avaliação das oportunidades e à forma como deverão ser analisadas. Para ambas apresenta várias propostas de resolução, mantendo-as sujeitas a reflexão.

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Cf. “Liberty Matters: John Locke on Property” (LM): Nesta discussão a questão relativa à forma como se poderia contabilizar e dividir igualitariamente os recursos naturais é colocada a Vallentyne, quer por Eric Mack quer por Jan Narveson. As respostas de Vallentyne, contudo, mantêm o problema em aberto, sendo atingidas por novas objecções que confirmam a dificuldade em estabelecer as condições iniciais de igualdade de oportunidades de bem-estar de forma efectiva.

71 Assim, considera que não sendo produzidos por ninguém, os recursos naturais deverão ser inicialmente partilhados, tendo em conta as condições iniciais de cada indivíduo e visando uma igualdade inicial de oportunidades de bem-estar. Sendo inicial, afirma Vallentyne, esta igualdade e a interferência necessária para a estabelecer escapam às críticas feitas por Nozick relativas às teorias distributivas que visam um padrão de distribuição de estado-final (V 28, 9)9. Vallentyne concorda que a redistribuição não deve ser aplicada aos resultados, uma vez que estes são o culminar de uma série de escolhas e decisões livres dos indivíduos num mercado livre. Contudo, defende que deve ser feita inicialmente para que todos possam de forma justa ter as mesmas oportunidades de bem-estar. Após a partilha inicial justa de recursos, não haverá qualquer intervenção no sentido de igualar as condições materiais dos indivíduos, pois a distribuição resulta, bem como a qualidade da vida de cada um, das decisões individuais. Assim, afastando-se das teorias redistributivas de Rawls ou Dworkin, mas também das teorias estritamente igualitárias, Vallentyne responde que estabelecer a igualdade de recursos em cada momento da vida dos indivíduos não é justo, constituindo uma violação dos direitos e decisões daqueles que acertadamente investiram ou usaram a parte de recursos iniciais que lhes coube, para contrabalançar as decisões menos favoráveis dos outros (V40, 3). Esta actividade redistributiva constante não é legítima e não tem em conta nem a responsabilidade individual pelos resultados nem a história das posses, logo, não tem em conta os direitos dos indivíduos quanto à forma como decidem conduzir as suas vidas nem os seus direitos de posse de recursos externos.

Há, no entanto, casos em que a redistribuição das posses será necessária, ao longo da vida dos indivíduos, para restabelecer a igualdade inicial de oportunidades. Vallentyne apresenta o caso do cálculo e distribuição feitos inicialmente relativos a duas crianças, sendo que ao longo da vida se descobre que uma delas tem uma predisposição genética para uma doença que não foi prevista, pelo que não foi contabilizada, partindo de uma situação desfavorecida em relação à outra. Neste caso, “a descoberta da disposição genética requer alguma compensação adicional para a pessoa em questão”10 (V 44, 33). Não é esclarecida a forma como essa compensação é feita, mas poderá supor-se que será através da utilização de recursos do fundo social, uma vez que

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3. Libertarianism and Justice

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“Hence, the discovery of the genetic disposition requires some additional compensation for the person in question.”

72 ninguém foi directamente responsável por esse desfavorecimento inicial. Assim, a redistribuição será legítima e justa quando for o meio para restabelecer a igualdade inicial de oportunidades e não um qualquer padrão de distribuição final.

Vallentyne acrescenta ainda que qualquer redistribuição apenas será legítima se consistir na transferência de posses de alguém que não tem direitos libertários àqueles recursos para outros que os tenham (V 18, 17)11. Tal significa que o desrespeito pela restrição igualitária terá que ser compensado ou rectificado por mecanismos redistributivos. Ora, tendo em conta que os recursos naturais são finitos, a redistribuição acabará por ser um mecanismo que ocorrerá aquando da apropriação ou do uso exclusivo de algum recurso, uma vez que excluem o uso e apropriação dos outros. Nos casos em que haja o uso exclusivo e a apropriação “os direitos adquiridos são condicionais ao pagamento do valor competitivo por esses direitos (i.e. o preço de equilíbrio entre a oferta e a procura desses direitos num leilão ou mercado hipotético)”12 (V 18, 18). Aqueles que apenas usarem os recursos de forma não exclusiva não terão que pagar qualquer valor, logo, não haverá qualquer mecanismo de compensação a aplicar. O pagamento do valor competitivo dos recursos cinge-se aos casos em que se deixe menos para os outros do que aquilo que se usou ou se possuiu inicialmente pondo em causa a igualdade de oportunidades de bem-estar, isto é, praticamente em todos os casos de apropriação ou uso exclusivo. Desta forma, ainda que o cálculo implique uma distribuição partilhada, esta poderá significar apenas o uso não exclusivo dos recursos, pela sua finitude e pela incapacidade de estabelecer o número de indivíduos existentes, premissas em constante alteração.