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5. A complicação do EP vivisseccionista

5.2. A complicação do valor preditivo

5.2.5. Estudos de correlação e predição

5.2.5.2. Críticas ao estudo

Ainda que Olson e colaboradores tenham inicialmente estabelecido como objetivo principal ―examinar os pontos fortes e fracos dos estudos preditivos em animais para toxicidade humana‖ (p.56), estes autores reconhecem adiante que os dados que oferecem ―não respondem completamente a questão de quão bem estudos em animais predizem as respostas em humanos‖ (p.58), uma vez que o recorte da pesquisa não incluiu a incidência de falsos positivos e verdadeiros negativos. De fato, o valor preditivo não foi calculado nesta pesquisa, mas sim a sensibilidade - denominada pelos autores de ―taxa de concordância

verdadeiro-positiva‖, uma nova terminologia estatística cunhada pelos próprios autores63.

Como visto anteriormente, segundo Ennever e Lave (2003), a sensibilidade dos testes pode ser elevada, caso se considere qualquer positivo como positivo. Isso pode explicar a sensibilidade encontrada na pesquisa de Olson e colaboradores: se quatro linhagens foram testadas com uma substância, e apenas uma delas mimetizou a resposta em humanos, o resultado é considerado como positivo para aquela espécie. Segundo os autores do estudo, não se avaliou a predição de dados experimentais pré-clínicos, o que deixou de considerar o índice de falso- positivos. Segundo Senderowicz (2010), este recorte limita bastante os achados, pois existe uma volumosa quantidade de drogas que foram abandonadas no processo de desenvolvimento, devido a níveis inaceitáveis de toxicidade pré-clínica. Esta mesma crítica é feita por Shanks e Greek (2009). Para Coleman (2011a e 2011b), dentro do recorte proposto, o estudo mostrou também que, para alguns sistemas, o valor preditivo de estudos de toxicidade humana a partir de estudos em animais é somente um pouco melhor do que um cara-ou-coroa. A consideração dos falso-positivos tem um impacto muito grande sobre a taxa de correlação, como vimos anteriormente na revisão sobre o ensaio com roedores nos estudos toxicológicos.

Como é possível se observar no quadro 11, todos os trabalhos citados, de uma forma ou de outra, se apropriam do conceito de predição, e parecem utilizar os achados da pesquisa de Olson e colaboradores sem um maior cuidado sobre seu recorte e terminologia. Este aparente descuido poderia, então, explicar os motivos pelos quais a pesquisa desses autores é empregada de forma ambígua: ora se endossa, ora se questiona e ora se nega o poder preditivo dos testes de toxicidade em animais. Ainda que nas referências 5, 6, 7 e 10 (quadro 11) a predição seja mencionada como baixa (em sua maioria são pesquisas de toxicidade hepática), o conceito de predição é também empregado. 5.2.6. Aumentando a predição: animais transgênicos

O maior emprego dos modelos baseados em animais geneticamente modificados vem sendo no campo dos estudos de mutagenicidade e carcinogenicidade (BARLOW e colaboradores, 2002).

63

Shanks e Greek (2009), em uma busca no Google, encontraram 12 resultados para o termo ―true positive concordance rate‖ (em julho de 2008), e todos resultados desta busca se referiam ao estudo de Olson e colaboradores.

Segundo Johnson (2001), a premissa básica do uso de animais transgênicos é que eles exibem uma sensibilidade maior aos agentes carcinogênicos, reduzindo a complexidade na identificação destes agentes. Estes modelos também se tornaram ―uma das maiores esperanças para curas de doenças como Alzheimer, esclerose múltipla, diabetes, hipersensibilidade, dentre outras‖ (SILVA e ESPÍRITO- SANTO, 2009).

No entanto, a tentativa de modificar geneticamente os animais, a fim de aumentar a predição dos modelos, também não escapa às mesmas considerações anteriormente mencionadas. Horrobin (2003) destaca alguns motivos para seu ceticismo em relação a estes modelos:

(a) A maioria das doenças humanas aparenta não ser causada por apenas um gene anormal. Quando isto acontece, a modificação de um gene pode ter efeitos catastróficos no organismo, e ajudar a entender as consequências desta anomalia. ―Mas tais doenças são em sua maioria raras e tendem, de todas as formas, a serem razoavelmente entendidas a partir de estudos humanos‖ (p.152). Para Horrobin, a maioria das doenças humanas é, muito provavelmente, resultado da interação de diversos genes. De acordo com Horrobin:

Se um gene é tão difícil de compreender no contexto do camundongo, e se o genoma de uma linhagem isogênica de camundongo tem tanto impacto nas conseqüências na expressão daquele único gene, qual a probabilidade de camundongos geneticamente modificados oferecerem insights sobre a complexa interação gênica sobre a heterogênica espécie humana? (p.153)

(b) A resposta fenotípica é inconsistente: a alteração de um gene pode ser letal para uma linhagem de camundongo, mas pode também não resultar em um efeito fenotípico identificável, se o mesmo gene for alterado numa linhagem distinta. Esta dificuldade é reconhecida por Hau (2008): a caracterização e aplicação destes modelos são dificultadas devido a problemas de fenotipagem destes animais.

Houdebine (2007) parece apontar questões similares em relação ao papel dos modelos transgênicos. Segundo a autora, existem ainda muitos desafios para a obtenção de modelos relevantes de pesquisa. A ativação ou inativação de genes nestes modelos não permite conclusões claras ―devido à intrínseca complexidade dos organismos vivos e a redundância de algumas rotas metabólicas‖ (p.163). Isso se deve principalmente à permutação entre cromossomos homólogos, e à

expressão gênica, que pode ser afetada devido a diversos mecanismos (como a interferência de RNA). Segundo Horrobin (2003), as predições resultantes destes modelos, em termos de benefícios para o ser humano, não são apenas exageradas, como também fraudulentas.

Nos estudos de carcinogênese, Johnson (2001) alega que a resposta carcinogênica parece estar determinada pela atuação de múltiplos genes. Segundo o autor, ―é difícil imaginar um mecanismo no qual seja possível que uma ou duas linhagens mutantes mimetizem fielmente a diversidade da ação carcinogênica‖ (p.90). Segundo Rhomberg e colaboradores (2007), muitos dos mecanismos de resposta observados em modelos transgênicos ainda são desconhecidos.

Além da atuação múltipla de genes em processos de resposta carcinogênica, existem evidências de que os transgenes são geneticamente instáveis. ―O lócus e a natureza do evento de integração de um transgene é crítico‖, afirmam Muto e colaboradores (2006, p.846). Estudando a expressão de um oncogene em específico, os autores observam que a sequência dos aminoácidos que este gene codifica (a proteína RAS) é idêntica em duas linhagens de camundongos transgênicos, em relação aos humanos, mas a sequência de bases nitrogenadas, nos respectivos genes, é diferente entre estas espécies.

Segundo Bailey (2005), pequenas diferenças nos genes estruturais podem mudar completamente a função de um gene. No entanto, a maioria das diferenças se faz presente nas regiões regulatórias do DNA, onde

genes específicos e seções do DNA que estão envolvidas em ativar ou desativar outros genes e modificar como seus produtos agem e interagem uns com os outros, em resposta a uma variedade de sinais e estímulos. Estes [genes] podem atuar promiscuamente, e exercer uma avalanche de efeitos sobre centenas de outros genes. Uma pequena diferença, então, pode ter efeitos extremos e grandiosos (p.250)