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4. O estilo de pensamento atual 1 O legado do EP vivisseccionista

4.3. O conceito dos 3Rs

4.3.1. O impacto dos 3Rs no Brasil

No Brasil, a discussão sobre os 3Rs começou a tomar corpo somente na década de 90 - e ainda se passariam quase 20 anos até que o país começasse a adotar estes princípios (ZOLNERKEVIC, 2009). Foi nesta década, inclusive, que surgiram os primeiros Comitês de Ética no Uso de Animais (CEUAs), segundo Petroianu (1996). Atualmente o conceito dos 3 Rs vem orientando não apenas as práticas de ensino e pesquisa em universidades (DINIZ e colaboradores, 2006), como também as ações das CEUAs (SCHATZMAYR e MÜLLER, 2008). ―Todos os biólogos e biomédicos precisam se informar sobre os 3Rs‖, afirmou o pesquisador Roberto Sogayar, fundador da primeira Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) do país, na UNESP de Botucatu (SP), em 1996 (ZOLNERKEVIC, 2009, p. 30). A presença destes princípios é comumente observada nos documentos normativos que balizam os objetivos e funcionamento de alguns CEUAs vinculados a universidades, como nos exemplos abaixo:

CEUA/UFSC: ―(...) buscando sempre o refinamento de técnicas e a substituição de modelos, que permitam a redução no uso de animais.‖ (CEUA-UFSC, 2011).

CEUA/PUCRS: ―(...) o CEUA aceita os princípios éticos que emergem da teoria dos 3 Erres proposta por Russell e Burch‖ (CEUA-PUCRS, 2010, p.417)

CEUA/UFPR: ―incentivar a adoção dos princípios de refinamento, redução e substituição no uso de animais em ensino e pesquisa científica‖ (CEUA- UFPR, 2011)

No site do Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (CONCEA), que regulamenta todos os CEUAs nacionais, o único documento disponibilizado para download é o ―Código Australiano de práticas para o cuidado no uso de animais para fins científicos‖37

. Este código tem como princípios gerais os 3Rs. No Brasil, a referência ao conceito dos 3Rs pode ser encontrada com freqüência também em algumas entidades científicas. Um dos colegiados mais importantes no tema da experimentação animal, o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA), abandonou este nome em 2008 para adotar o nome de Sociedade Brasileira de Ciência de Animais de Laboratório (SBCAL) – a logomarca também sofre modificação, como mostra a figura 8. Sua missão passou a ser, entre outras, a de ―promover o uso ético do animal de laboratório‖ (redução e refinamento), ―proteger os animais de laboratório do uso inadequado‖ (refinamento) e ―incentivar o desenvolvimento e uso de alternativas‖ (substituição).

Figura 8. À extrema esquerda, logomarca do antigo COBEA, que em 2008 passou a se chamar SBCAL, com a logomarca à direita38.

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Disponível em http://www.mct.gov.br/upd_blob/0213/213969.pdf

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Fontes das imagens:

http://vsites.unb.br/ib/ceua/COBEA_arquivos/cobea_logosmall.gif (COBEA) e www.cobea.org.br (SBCAL)

Segundo Rivera (2010, p.75), ―a ciência de animais de laboratório39 é uma área relativamente nova‖, e ―foi uma das primeiras a se preocupar em utilizar animais sem causar-lhes sofrimento ou dor desnecessários‖. Em seguida cita, em seu artigo, Charles Hume, idealizador do projeto dos 3Rs (mencionado anteriormente): ―os animais mais adequados para uma pesquisa científica são aqueles que, além de saudáveis, são dóceis e que se encontram confortáveis e contentes‖.

Os cuidados especiais que passaram a orientar a criação dos animais em biotérios, e a sua manipulação (ligados ao princípio do refinamento), são encontrados com freqüência em manuais nacionais de animais de laboratório. Na apresentação à edição em português do ―Manual sobre cuidados e usos de animais de laboratório‖, um membro da faculdade de medicina da USP escreveu: ―temos um dever fundamental nesta relação [entre homens e animais]: temperar com humanidade nosso trato com os objetos de nossa investigação‖ (NCR, 2003, p.XIV. grifo meu).

Recentemente, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) assinou um termo de cooperação com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), com o objetivo de desenvolver e validar métodos alternativos nos testes de segurança e pré-clínicos. Segundo uma das pesquisadoras da Fiocruz, a ideia deste acordo é ampliar os casos em que o uso dos animais não seja mais necessário, e, onde a substituição for improvável (como nos testes de potencial de câncer ou teratogênese – segundo a pesquisadora), pensar ―na redução e no refinamento, buscando diminuir dor e sofrimento [dos animais]‖ (NUBLAT e RIGHETTI, 2011).

Este acordo pretende ser o embrião do Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos (Bracvam), idéia apresentada por Presgrave e colaboradores (2010) no 7º Congresso Mundial sobre Alternativas ao Uso de Animais nas Ciências da Vida, ocorrido em Roma em 2009, onde, segundo Zolnerkevik (2009), pelo menos 20

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Segundo Hau (2008), a ciência de animais de laboratório ocupa-se do estudo do uso científico, ético e legal de animais na pesquisa biomédica.

pesquisadores brasileiros apresentaram trabalhos. De acordo com Presgrave e colaboradores (2010),

A necessidade de validar e estabelecer métodos alternativos de acordo com os 3Rs tem impulsionado um grande número de laboratórios a desenvolver estudos nesta área. Atualmente cerca de 15 a 20 grupos estão trabalhando com métodos alternativos. Estes grupos fazem parte de laboratórios federais, universidades, indústria e laboratórios privados (p.47).

Segundo estes autores, a participação do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS40) em congressos internacionais sobre alternativas é freqüente, sendo formado por cerca de 20 profissionais e estudantes

trabalhando em métodos alternativos, principalmente na substituição de animais em testes de irritação dérmica, ocular e mucosa, e em testes de pirogênio e sensibilização, assim como em controle de vacina (p.49).

Atividades como apresentações de pôsters, palestras, mesas- redondas, organização de eventos, publicações de artigos e estudos de pós-graduação são parte do trabalho do grupo (PRESGRAVE e colaboradores, 2010). Quanto à organização de eventos, este grupo do INCQS organizou dois encontros nacionais sobre métodos alternativos, conhecidos como EMALT (Encontro sobre Métodos Alternativos ao Uso de Animais para Fins Regulatórios). A primeira versão deste evento ocorreu em 2005, e a segunda em 2010. A referência ao conceito dos 3Rs é enunciada logo no início da apresentação do segundo encontro.

Dentro das atividades propostas para o Bracvam por Presgrave e colaboradores (2010), destaca-se: (a) participação em cooperações internacionais; (b) promoção de eventos, congressos, seminários, ―e quaisquer outras rotas de disseminação de informação científica para organizações regulatórias, indústrias, academia e outras instituições relacionadas à alternativas‖; e (c) publicação de artigos.

Ao que tudo indica, parece haver uma crescente orientação para o emprego do uso destes princípios nas práticas de pesquisa. A importância da educação científica, neste aspecto, parece ser

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fundamental para a disseminação destas ideias, que será avaliada na presente pesquisa.

Para Rivera (2001), um dos deveres específicos dos cientistas é ―sempre‖ utilizar o conceito dos 3Rs em suas práticas. Sogayar reforça: ―todos os biólogos e biomédicos precisam se informar sobre os 3Rs‖ (ZOLNERKEVIC, 2009). Para isso, a criação de uma disciplina específica sobre os 3Rs vem sendo inclusive ventilada (idem).

Esta aparente tendência, e visível reconhecimento dos 3Rs, é possível de ser observada, como será visto a seguir, numa análise da lei Arouca (11.794/08), que regulamenta a prática da experimentação animal no Brasil.