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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.2 O MARKETING E OS PRODUTOS CULTURAIS

2.2.4 Críticas em Marketing

2.2.4.1 Críticas sobre o conceito de OPM

O conceito de OPM elevou a importância da área de marketing a partir do final da década de 1980, marcadamente com o fim da Gurra Fria e do regime socialista da ex União Soviética

(FARIA e WENSLEY, 2005; FARIA, 2004). Alguns acadêmicos, no entanto, chamam atenção para questões mais abrangentes que fogem do escopo do conceito de OPM (WITKOWSKI, 2005; MORGAN, 1992; SHERRY, 1987). Seguindo uma perspectiva de globalização, o marketing pode aprofundar questões já problemáticas. Entre essas questões podem ser apontados a desigualdade social, a supressão de culturas locais, e o estímulo a um consumo não-sustentável (WITKOWSKI, 2005). Por outro lado, segundo esse mesmo autor, o marketing também tem a capacidade de minimizar tais problemas. Por meio de uma abordagem mais plural e a partir de um olhar crítico sobre as conseqüências do marketing, tais questões deveriam ser resolvidas pela área, em vez de desprezadas (WITKOWSKI, 2005; SHERRY, 1987).

Argumenta-se que o conceito de OPM é problemático porque supervaloriza o poder de ameaça do mercado externo às grandes empresas. Em outras palavras, o conceito é parcial ao representar a grande empresa como um organismo indefeso por meio do argumento de que há um grande inimigo “lá fora”, ignorando questões internas da organização (FARIA e WENSLEY, 2005; FARIA, 2004). Isso ajuda a explicar por que alguns pesquisadores de OPM argumentaram mais recentemente que a hipercompetitividade exige que grandes empresas transformem o mercado em vez de meramente se adaptarem a ele (KUMAR et al, 2000).

Nesse contexto, marketing adquire importância estratégica (FARIA, 2004). Kotler (1986) afirmou que a noção de marketing deveria englobar questões de poder político. Por meio do que denominou Megamarketing, as grandes empresas, especialmente as norte americanas, deveriam coordenar estrategicamente habilidades econômicas, psicológicas, políticas e de relações públicas para operarem satisfatoriamente em determinado mercado. No trecho destacado a seguir, começa a ficar claro que o marketing, e conseqüentemente o marketing cultural, também pode estar envolvido com questões corporativas de uma empresa.

Megamarketing involves the normal tools of marketing (the four Ps) plus two others: power and public relations... Thus the megamarketing needs political skills and a political strategy. The company must identify the people with power to open the gate. It must determine the right mix of incentives to offer. Under what circumstances will the gatekeepers acquiesce? Is legislator X primarily seeking fame, fortune, or power? How can the company induce the legislator to cooperate? In some countries, the answer may be with a cash payoff (a hidden P). Elsewhere a payoff in entertainment, travel or campaign contributions may work. Essentially, the megamarketer must have sophisticated lobbying and negotiating skills in order to achieve the desired response from the other party without giving away the house... Whereas power is a push strategy, public relations is a pull strategy. Public opinion takes longer to cultivate, but when energized, it can help pull the company into the market... Before entering a

market, companies must understand the community's beliefs, attitudes, and values. After entering, they need to play the role of good citizen by contributing to public causes, sponsoring civic and cultural events, and working effectively with the media (Kotler, 1986, p. 117-118; 120).

Acrescenta-se que a ascensão da globalização coincide com o lançamento do conceito de OPM na literatura de marketing produzida nos EUA. E ainda, ambos coincidem com o fim da Guerra Fria e com a emergência de debates sérios acerca das conseqüências da globalização, da formação de uma cultura global, e da difusão da “idéia” de orientação para o mercado em outras áreas do conhecimento (FARIA e GANGEMI, 2006; FARIA, 2004; HUSTED, 2003; FEATHERSTONE, 1990).

Para os propósitos deste estudo, cabe destacar que esse contexto histórico é marcado pela supressão do poder do Estado em diversos setores e países. Isso ajuda a explicar o crescente poder político das grandes corporações (FARIA e WENSLEY, 2005; FARIA e SAUERBRONN, 2006), e os crescentes investimentos de empresas privadas em produtos culturais (BENDASSOLLI, 2004; BECKER, 2003; RIBENBOIM, 1998), em especial de empresas ex-estatais. O enfraquecimento do Estado em diversos países levou essas grandes corporações a investirem significativamente em produtos culturais. Por causa de seu passado como estatal, essas empresas representam importante papel nesse novo cenário de investimentos, mas isso não se reflete na literatura correspondente produzida.

Países e culturas foram transformados em “mercados” ou “mercadorias”, co-irmãs foram transformadas em concorrentes, funcionários públicos transformados em gerentes ou executivos e cidadãos transformados em consumidores e descritos como indivíduos que deteriam os privilégios de viver a nova realidade: a do “mercado sem fronteiras” (MORAES, 1998; ORTIZ, 1994; FEATHERSTONE, 1990). Os discursos de que as grandes corporações estavam sob grande risco por terem que competir em ambientes desconhecidos e com empresas de outras origens nacionais facilitaram a construção de representações extremas de competição dentro e fora das empresas.

O conceito de OPM ajudou a formar esse grande discurso ao privilegiar a grande empresa. Seus defensores prescrevem que na empresa orientada para o mercado, todos seriam responsáveis por marketing e a alta hierarquia garantiria a necessária coesão interna e a implementação dos princípios correspondentes (JAWORSKI e KOHLI, 1993; WEBSTER, 1992; NARVER e SLATER, 1990). Dentre outras implicações, essa abordagem dissolveu as disputas de poder entre o departamento de marketing e a alta hierarquia, as quais haviam sido

enfatizadas até o final dos anos 80 por pesquisadores do âmbito de estratégia de marketing (FARIA, 2004; DRIVER e FOXALL, 1986; BOXER e WENSLEY, 1986).

A partir dessa abordagem, casos específicos, como os representados pelas ex-estatais, não receberam atenção diferenciada. A questão era que o conceito de OPM deveria representar interesses universais. Num mundo global em que o “mercado” derrotara o “Estado”, pesquisadores defendiam que OPM deveria ser seguida por subsidiárias, parceiras e fornecedoras localizadas em qualquer país (FARIA, 2004). Em outras palavras, o conceito de OPM ajudou a promover a “universalidade” do conceito de “mercado livre” defendido pelas principais lideranças dos EUA (HELD e McGREW, 2001).

O não reconhecimento – pela área de marketing – dos debates produzidos por outras áreas do conhecimento acerca da “idéia” mais ampla de orientação para o mercado ajuda a explicar porque a aproximação entre empresas, especificamente ex-estatais do setor de telecomunicações, e produtos culturais não vem sendo problematizada pela área de marketing de forma adequada no Brasil. Em outras palavras, a falta de pluralidade no âmbito de OPM ajuda a explicar a dominância de um conceito incompleto / parcial de marketing cultural (FARIA e GANGEMI, 2006).

2.2.4.2 Críticas sobre aproximação entre empresas e produtos culturais

Diferentes abordagens podem tratar da crescente importância da “idéia” de orientação para o mercado para organizações e para a sociedade (FARIA e GANGEMI, 2006; FARIA, 2004). Diferentes abordagens também analisam a crescente aproximação entre empresas e produtos culturais. Marketing cultural, seguindo os pressupostos do conceito de OPM, é apenas uma das possíveis abordagens. Em defesa do pluralismo, o autor entende que pesquisadores deveriam reconhecer a literatura crítica. Podem ser destacados trabalhos de autores que conectam a Teoria Crítica, por exemplo, ao conhecimento acadêmico de marketing (e.g. BURTON, 2001; MORGAN, 1992). A partir desses autores, é possível associar a relação entre empresas e produtos culturais ao conceito de desencantamento de Max Weber, bastante desenvolvido por essa corrente.

Quanto aos desdobramentos da Teoria Crítica para o marketing, pode-se afirmar que os autores que defendem essa associação buscam uma abordagem mais ampla para a disciplina. Segundo esses autores, a partir de fundamentos da Teoria Crítica é possível entender algumas

questões problemáticas em marketing e preencher lacunas deixadas ao longo de sua formação. Essas questões e lacunas estão relacionadas, por exemplo, ao fato de predominarem trabalhos de orientação positivista e quantitativa, de caráter normativo, de alcance micro, e trabalhos que reduzem a importância de questões de mercado associadas ao marketing (BURTON, 2001; BROWNLIE et. al, 1999; BROWNLIE e SAREN, 1997; MORGAN, 1992).

A partir de contribuições mais críticas, como, por exemplo, a da perspectiva teórico crítica, espera-se ampliar a relevância do conteúdo de marketing e promover interdisciplinaridade e pluralismo na área (WITKOWSKI, 2005; FARIA e GUEDES, 2005; BURTON, 2001; KNIGHTS e WILLMOT, 1997; SHERRY, 1987). É possível ter uma compreensão mais adequada, ou menos parcial da realidade, como no caso da aproximação entre o mundo das empresas e o de produtos culturais. Todavia, essas possibilidades de acréscimo à disciplina de marketing pela Teoria Crítica são encaradas como ameaça pela corrente dominante e por seus defensores (MORGAN, 1992).

Nesta pesquisa, não se toma um posicionamento claro quanto à validade das críticas frankfurtianas. Da mesma maneira em que não se aprofundam questões relacionadas à cultura de uma maneira mais ampla, também não se faz juízo de valor acerca da validade do posicionamento teórico crítico. Mas, entende-se que essa perspectiva auxilia na busca de pluralidade para a área de marketing e evidencia que a aproximação entre empresas ex- estatais e produtos culturais é um fenômeno mais abrangente do que da maneira como vem sendo tratado por OPM.

Por meio de alguns fundamentos da Teoria Crítica, é possível argumentar que a aproximação entre empresas e produtos culturais é explicada por interesses mais amplos que as motivações do nível de produtos e serviços. Para a perspectiva teórico crítica, arte e cultura têm sua importância relacionada às características de autenticidade e originalidade. Segundo essa perspectiva e de maneira resumida, produtos culturais, como um “bem público”, têm a capacidade de “livrar” os seres humanos da racionalidade instrumental desempenhando um papel oposto ao mainstream e aos interesses de mercado (MARCUSE, 2000; ADORNO e HORKHEIMER, 1985).

De maneira mais ampla, a Teoria Crítica pode ser entendida como contrária à aproximação entre empresas, independentemente de sua natureza, e produtos culturais17. No

17

Segundo essa visão, a administração e a empresa são vistas como entidades que impessoalizam e burocratizam a arte e a cultura ao incorporá-las aos mecanismos do mercado (MARCUSE, 2000). Arte e cultura ficam fatalmente subordinadas ao mainstream e a mecanismos industriais de produção (ADORNO e HORKHEIMER,

entanto, para os propósitos dessa dissertação, conforme destacado anteriormente, não se aceita inteiramente o posicionamento teórico crítico. Recorre-se a essa perspectiva para embasar o argumento de que produtos culturais podem ser vistos sob uma dimensão mais ampla e com aspectos político-simbólicos, mesmo estando relacionados ao mundo das empresas.

Além disso, defende-se que existem diferenças relacionadas à natureza das empresas que se associam aos produtos culturais. Essas diferenças variam entre empresas públicas, privadas, de capital misto, ou ex-estatais. Estas últimas, são o foco da pesquisa.

Após o processo de privatização do Brasil, as empresas privatizadas que tinham destaque no investimento em produtos culturais, como as do setor de telecomunicações, modificaram seus interesses nesse tipo de investimento. As dimensões alcançadas por essas ações podem ser consideradas as mesmas, mas os interesses em si, não. Na busca incessante por novos clientes e mercados, cria-se, um ambiente em que se confundem clientes, stakeholders e funcionários (ver, por exemplo, WITKOWSKI, 2005; WILLMOTT, 1999). Empresas ex- estatais, expoentes no investimento em produtos culturais, passam uma imagem que ressalta aspectos sociais ou mais “puros”, relacionados a esses investimentos. Mas, não se sabe ao certo até que ponto permanecem interesses da época em que eram públicas18. Interesses e responsabilidades dos âmbitos público e privado se misturam.

Essas questões têm um escopo mais amplo do que aquele relacionado a teorias em marketing. Questões mais abrangentes que às relacionadas ao nível de produtos e serviços devem ser desdobradas, como, por exemplo, questões relacionadas ao nível corporativo e aos aspectos político-simbólicos. Argumenta-se que a literatura em marketing, mesmo reconhecendo uma abordagem crítica, é limitada para promover o debate de maneira mais completa. Destarte, na seção seguinte, busca-se o complemento da literatura em marketing, discutida nessa seção a partir de uma abordagem em estratégia que permite o entendimento de questões mais amplas de nível corporativo.

1985). Para ser mais facilmente reproduzido e comercializado, o ‘produto cultural’ ou ‘artístico’ tem seu valor de uso substituído pelo valor de troca imposto pelas forças do mercado (COELHO, 1999).

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Pode-se, ainda, defender que empresas ex-estatais, inevitavelmente, permanecem com uma intenção de Estado. Ou seja, apesar de privatizadas, ainda atuam para suprir necessidades dos clientes e da sociedade como um todo antes de se preocuparem em atender as demandas do mercado. Esse tipo de questionamento está relacionado à criação das agências reguladoras, que servem como limitadores das ações de empresas ex-estatais. No entanto, e conforme previsto pelas limitações dessa dissertação, não se espera que questionamentos desse tipo sejam completamente elucidados.