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Produtos Culturais no Setor de Telecomunicações: Ampliando o debate

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.2 O MARKETING E OS PRODUTOS CULTURAIS

2.2.3 Produtos Culturais no Setor de Telecomunicações: Ampliando o debate

O setor de telecomunicações no Brasil, assim como em outras economias emergentes, modificou-se estruturalmente com o processo de reformas iniciado em meados da década de 1990 (DOH e TEEGEN, 2003; BNDES, 2000a). As ‘novas’ empresas do setor, preocupadas com as pressões de mercado global, tiveram que readaptar suas estratégias. Conforme destacado anteriormente, naquela época, o conceito de OPM ganhou destaque para a área de marketing e foi, gradativamente, incorporado às estratégias dessas novas empresas.

Pode-se dizer que o conceito de OPM disseminado pela área de marketing é decorrente de um debate mais amplo presente em outras áreas que se preocupa com questões relacionadas à expansão do mercado. Esse debate mais amplo pode ser denominado como “idéia” de orientação para o mercado e permeia áreas como, por exemplo, estratégia, sociologia, ciência política e direito (FARIA e GANGEMI, 2006).

A partir dessa “idéia” mais ampla, é possível compreender alguns dos desafios estratégicos enfrentados pelas empresas ex-estatais do setor de telecomunicações. Mas, esses desafios não são reconhecidos pelo conceito de OPM, ou pela literatura de marketing, já que a literatura dominante nessa área marginaliza debates desenvolvidos pelas outras áreas do conhecimento que lidam com essa “idéia” (FARIA, 2004; FARIA e GANGEMI, 2006).

Entre esses desafios, cabe lembrar o fato de que logo após o processo de privatização, foi detectada uma grande disparidade entre as empresas ex-estatais de telecomunicações no que se refere aos serviços prestados e a conseqüente insatisfação dos consumidores. Não se tratava de uma mera questão de ‘marketing’. Por causa disso, foi estabelecido em 1998 o Plano Geral de Metas de Universalização16 (BRASIL, 1998). Segundo o Governo Federal e a agência de regulação do setor (ANATEL) as novas empresas de telefonia fixa deveriam cumprir metas que desafiavam a “lógica de mercado”.

Alguns autores argumentam que a qualidade nos serviços em telecomunicações melhorou a partir do estabelecimento dessas metas (BNDES, 2000a; MACULAN e LEGEY, 1996). Essa melhora teria sido causada principalmente pela diversificação dos serviços, estimulada pela entrada de novos concorrentes no setor. De fato, assim como em outros

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Entre essas metas destacam-se: (a) disponibilidade da instalação de telefones individuais em localidade com mais de 300 habitantes, (b) instalação de telefones públicos em todas as localidades com mais de 100 habitantes, e (c) metas específicas para o atendimento ao consumidor no caso de insatisfação e/ou reclamações (BRASIL, 1998).

países, o setor no Brasil se atualizou por meio da adoção de tecnologias provenientes de economias mais desenvolvidas, como, por exemplo, a implantação do sistema de rede eletrônica (internet), a convergência da transmissão de dados e voz, e serviços sem fio (DOH E TEEGEN, 2003; FRANKLIN JUNIOR, 2003; MORAES, 1998).

Entretanto, outros autores argumentam que o processo não alcançou os resultados esperados (SERVA, 2002; FISCHER e FARIA, 2001). Eles apontam os mecanismos rígidos e centralizadores advindos da época em que essas novas empresas pertenciam ao Estado como o principal obstáculo (FISCHER e FARIA, 2001; FISCHER e HERBER, 2000). Tais mecanismos não combinam com o que se esperava dessas empresas visto que, de acordo com a literatura de OPM, elas deveriam ter se transformado em organizações dinâmicas, e capazes de se adaptar às rápidas mudanças tecnológicas (FARIA, 2002; MACULAN e LEGEY, 1996). Um outro obstáculo, o qual tampouco se restringe à “lógica de mercado”, é que o sistema de regulação construído no Brasil não se mostrou tão efetivo quanto, por exemplo, em países europeus (FRANKLIN JUNIOR, 2003; FISCHER e HERBER, 2000). Esses problemas podem ser associados tanto por dificuldades na adequação das empresas aos novos tempos quanto pela preferência de ex-servidores públicos e membros do governo e da agência de regulação pelo ‘velho sistema’ (LANCASTER e BRIELEY, 2001).

Uma outra questão, que também escapa dos domínios do conceito de OPM, diz respeito ao preço cobrado pela melhora nos serviços. Esta melhoria reflete em preços que estão além da capacidade de compra dos consumidores, o que impossibilita a distribuição igualitária dos novos serviços e tecnologias (FISCHER e HERBER, 2000; BISHOP e MODY, 1995). Além disso, alguns autores apontam que, apesar de uma relativa melhora nas tecnologias adotadas por empresas nacionais, estas ainda são inferiores às adotadas por empresas estrangeiras (FRANKLIN JUNIOR, 2003; BNDES, 2000a). Órgãos do governo, tais como a Anatel e o Ministério das Comunicações, deveriam ter um papel mais ativo na redução desses problemas e na sugestão de alternativas (FISCHER e HERBER, 2000).

Além das questões apontadas e como um ponto central para essa dissertação, pode-se argumentar que a transferência da responsabilidade de investimento em produtos culturais de empresas públicas para privadas é problemática. Deixar que os produtos culturais dependam de interesses de mercado e ignorar sua importância em outras instâncias e para diferentes

stakeholders pode ter desdobramentos problemáticos. (WITKOWSKI, 2005; ARAUJO, 2000;

ORTIZ, 1994). Em países que passaram recentemente por processos de reforma e privatizações como o Brasil essa questão parece mais delicada. Afinal, o setor era líder nos

investimentos em produtos culturais sob uma perspectiva que contrariava a ‘lógica de mercado’ e, atualmente, o setor permanece como destaque nesse tipo de investimento.

Esses desafios ou questões, intimamente associados à transformação do setor de telecomunicações em um setor de mercado em curto espaço de tempo, não são reconhecidos pela literatura de OPM. Essa literatura tende a ignorar a permanência de práticas do antigo modelo na nova gestão. Isso justifica a adoção de uma abordagem mais plural na área de marketing e acerca do conceito de OPM no Brasil (WITKOWSKI, 2005; MORGAN, 1992).

A falta de diálogo entre a área de marketing com áreas que tratam da “idéia” de orientação para o mercado – ou o distanciamento entre a literatura de OPM dessas questões problemáticas – parece ajudar a explicar por que a relação entre consumidores e empresas de telecomunicações no Brasil ainda é tão conturbada – apesar de quando estatal também apresentava seus problemas. Dados referentes à satisfação dos consumidores com esse setor remetem a uma relação conflituosa, conforme mostrado no Quadro 2.3 em seção anterior. Desde a privatização, o setor ocupa lugar de destaque em termos de reclamações dos consumidores e processos judiciais em âmbito nacional (INSTITUTO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 2005; AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES, 2005).

Seguindo uma abordagem crítica, pode-se argumentar que o conceito de OPM é questionável não somente por membros da sociedade ou da vida política, mas também por constituintes das empresas ex-estatais. Diversos autores apontam o marketing e a “lógica de mercado” subjacente ao conceito de OPM como responsáveis por diversas crises em diferentes contextos, especialmente em economias menos desenvolvidas, e não como uma prática empresarial em benefício dos consumidores (WITKOWSKI, 2005; MORGAN, 1992; SHERRY, 1987).

In this view, marketing does not always serve the needs of poor people, poor countries, and indigenous cultures. (…). Advertising and other elements of the marketing mix can have more indirect but equally serious consequences by encouraging standards of consumption to rise more quickly than incomes. (WITKOWSKI, 2005, p. 7).

Isso pode ajudar a explicar por que empresas ex-estatais, com uma história marcadamente diferente de empresas do setor privado, resistem a seguirem conceitos desenvolvidos pela área de marketing (LANCASTER e BRIELEY, 2001).

O item seguinte apresenta uma abordagem que pode ajudar a promover o pluralismo na área de marketing e desafia a literatura dominante de OPM propondo a busca por abordagens mais relevantes (ARNDT, 1985; 1978; FARIA, 2004).