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2 MOVIMENTOS FEMINISTAS

2.2 A CRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA

A violência contra as mulheres é um dos fenômenos sociais que mais ganhou visibilidade nos últimos anos. Milhares de Marias, Anas e Joanas fazem parte das estatísticas cada vez mais alarmantes em nosso País. A agressão era concebida como normal e natural em nossa sociedade, uma vez que se dizia “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. E assim, os envolvidos deveriam resolver suas demandas sem quaisquer interferências.

Entretanto, para enfrentar o tema com mais rigor, foi criada a Lei 11.340 de 2006 - Lei Maria da Penha. A partir de então, a sociedade e o Judiciário passaram a enfrentar o problema da violência contra a mulher com mais ênfase.

Para que possamos entender a criação da Lei Maria da Penha faremos um breve relato sobre a vida da farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu violência doméstica durante 20 anos e lutou incessantemente para ver condenado o homem marido que a agredia.

No ano de 1983, ela ficou paraplégica em consequência de um tiro que Marco Antônio Heredia Viveros proferiu de espingarda em suas costas. Em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Unidos (OEA), em seu Informe nº 54, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. Depois de ter seu sofrimento divulgado em todo o mundo, Maria da Penha viu o Brasil reconhecer a necessidade de criar uma lei que coibisse a violência doméstica contra as mulheres.

A Lei Maria da Penha surge como resultado da luta coletiva histórica alicerçada pelos movimentos de mulheres e com a participação dos poderes públicos no enfrentamento a violência doméstica e familiar devido ao alto índice de morte de mulheres no País.

Segundo a Lei, as mulheres têm o direito à segurança dentro do âmbito doméstico, para isso foi determinado que o Poder Público desenvolvesse políticas que garantam os direitos das mulheres nas relações domésticas e familiares para coibir todas as formas de violência, submissão e opressão. (Brasil, 2006)

Esta Lei tem como objetivo criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a Mulher, nos termos do § 8º do art. 226 Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

De acordo com o Art. 2º toda mulher, independente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

A definição de violência doméstica e familiar contra a mulher encontra-se no Art. 5º desta Lei; se configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial.

A violência doméstica pode ser compreendida no âmbito da unidade doméstica, isto é, compreendida como o espaço de convívio da família ou em qualquer relação íntima de afeto, isto é, deve haver vínculo familiar. A partir desta premissa, existem várias formas de violência, como: moral, física, sexual, psicológica e patrimonial.

No capítulo II desta Lei, encontramos as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

A violência física – caracteriza-se como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou cause danos ao corpo físico das mulheres ou das meninas.

A violência psicológica ou emocional – entendida como qualquer ação que lhe cause prejuízo emocional que atinja a sua autoestima, ou que lhe prejudique e perturbe o pleno

desenvolvimento ou ainda que vise degradar ou controlar suas ações e comportamentos mediante ameaças, além de causar algum tipo de constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir, ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo a saúde psicológica e a sua autonomia. Porém é uma forma de violência que é mais subjetiva e difícil de ser denunciadas pela vítima devido ao fato de não deixarem marcas no corpo da mulher, mas pode deixar marcas emocionais profundas na essência feminina que irão prejudicar por toda sua vida.

A grande maioria das mulheres não tem consciência que esse tipo de agressão é considerado uma forma de violência, que em seu ápice, a mulher pode ser proibida de sair de casa mesmo que seja para estudar e/ou trabalhar, tolhendo sua autonomia.

A violência sexual – acontece quando a mulher ou menina é obrigada a praticar ou presenciar atos sexuais que não deseja mediante intimidação, ameaça, coação, com uso da força física. A mulher não pode ser privada do exercício pleno de seus direitos sexuais e reprodutivos, como não deve ser proibida de utilizar qualquer método de anticoncepcional, pois também é uma forma de violência ao corpo da mulher. A mulher deve ser livre para que possa decidir sobre o que deseja em relação ao seu corpo. O estupro, a tentativa de estupro e o ato obsceno são exemplos de violência sexual.

A violência patrimonial – configura-se como qualquer conduta de retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Também é considerada uma forma de violência quando a mulher é impedida de ter acesso aos seus próprios bens materiais como dinheiro, salário, pensão alimentícia, Bolsa Família ou outros recursos importantes para a sobrevivência e bem-estar da mulher e de sua família.

A violência moral – fere a conduta da mulher, onde a mesma torna-se vítima de calúnia, difamação ou injúria. A calúnia ocorre quando uma pessoa acusa a outra falsamente de ter praticado algo que seja crime, como por exemplo, chamar a mulher de ladra, sem ter provas. Enquanto, a difamação acontece quando alguém ofende a reputação de outra pessoa perante as demais e/ou quando cria fofoca. A injúria ocorre quando a mulher recebe uma ofensa à dignidade com intuito de ofendê-la com objetivo de atingir sua autoestima por meio de palavras faladas ou escritas. Esses crimes só podem ser investigados com a autorização (queixa) da vítima. No caso de menores ou de pessoas incapazes, é preciso que a queixa seja realizada pelos responsáveis legais.

Com o avanço da Lei Maria da Penha, o juiz passou a ter poderes para conceder as chamadas “medidas protetivas”, essas medidas servem para proteger a mulher que está sofrendo violência e são aplicadas quando o juiz entende que existe a necessidade de resguardar a integridade física da mulher. Essa medida pode ser executada no prazo de 48 horas. O pedido é solicitado pela vítima no momento do seu boletim de ocorrência.

Em resumo, a Lei prevê medidas protetivas, tais como:  Afastamento do agressor do lar ou sua prisão preventiva;

 Suspensão da posse ou restrição de posse de arma pela pessoa que agrediu;  Proíbe que o agressor se aproxime da mulher e de seus familiares;

 Proíbe que o agressor frequente determinados lugares;

 Restrição ou suspensão de visitas do agressor aos seus dependentes.

Existem outras formas de violência que não se enquadram na Lei Maria da Penha, mas, também são formas de violência contra a mulher e são amparadas pela Legislação Penal, por exemplo, o assédio sexual, é quando alguém se beneficia de uma posição superior na hierarquia com objetivo de fazer perseguições ou ameaças de demissão ou de redução salarial com o objetivo de conseguir favores sexuais. Esse tipo de violência geralmente acontece no local de trabalho, porém está suscetível acontecer em escolas.

É importante ter ciência de que a mulher também sofre assédio em locais públicos, sendo porventura constrangidas com atos abusivos oriundos dos homens, que se prevalecem do poder que eles exercem em nossa sociedade.Os assédios sexuais podem ser cometidos por homens e mulheres.

Outra forma de preconceito, a lesbofobia, consiste na discriminação, o ódio, a aversão, a opressão e a prática de violência física, sexual e psicológica contra as mulheres que se relacionam afetiva e/ou sexualmente com outras mulheres, esse fato se deve por serem lésbicas e/ou bissexuais. Esse tipo de violência é praticado através de espancamentos, humilhações, estupros corretivos. A lesbofobia (homofobia) ainda não foi definida como crime. Mas, a pessoa que o praticou pode e deve responder pelos crimes de lesão corporal, estupro, constrangimento ilegal, ameaça, entre outros.

Um dos avanços a se observar na Lei Maria da Penha é que “as relações de pessoas enunciadas independem de orientação sexual” (artigo 5º, parágrafo único), ou seja, não faz diferença se a mulher agredida mantém relações com homem ou com mulher, os seus direitos estão assegurados de qualquer modo.

Outro fato importante que devemos nos atentar é o de que as mulheres que sofrem violência também podem sofrer violência institucional, ou seja, é um tipo de violência praticada pelas instituições privadas e públicas (delegacias, hospitais, entre outros) seja por ação ou omissão, na oferta dos serviços de atendimento. A mulher ao realizar a denúncia de sua agressão, caso a mesma seja recebida com grosserias e desrespeito, sendo discriminada e/ou mal atendida devido sua raça, cor, religião, classe social ou orientação sexual.

Também consideramos exploração sexual quando o indivíduo se beneficia ou tem lucro financeiro com a prostituição de outra pessoa, seja em troca de favores sexuais, incentivo a prostituição, turismo sexual ou rufianismo, mas popularmente conhecido com cafetino(a), que são pessoas que vivem à custa de outras que se prostituem. Neste caso, podem ser incluídas mulheres, jovens, crianças, idosas e adolescentes. Quando a prostituição acontece por desejo da mesma não é considerada uma forma de exploração sexual.

Por fim, a aplicabilidade da Lei amplia o acesso da mulher à justiça e reduz a impunidade. Além de propiciar a proteção das mulheres que são agredidas e permite que o seu agressor seja preso em flagrante. Para garantir a sua efetivação é importante fomentar a legislação, ampliando o seu conhecimento entre toda a sociedade, realizando campanhas que enfoquem a mudança de paradigma cultural para o combate da violência doméstica. A erradicação da violência deve ser um compromisso de toda a sociedade que deve recusar-se a conviver com essa situação degradante da mulher.

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