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29 Entrevista com Daiane Carina, concedida à autora em 2017. Ver anexo.

30 Atualmente o processo seletivo para o ingresso no Programa passa por análise de declaração de

renda, alguns dias de vivências com os formadores, além do acompanhamento de uma assistente social durante todo o processo.

Em 2005, os Doutores da Alegria deram continuidade ao curso de formação que passou a se chamar “Transformando com Arte”. Os critérios para o ingresso às aulas continuavam pautados na vulnerabilidade social dos jovens. Inicialmente, pensado dentro de um cronograma com um ano de duração e aulas diárias, o projeto realizou suas primeiras atividades na Galeria Olido, no centro de São Paulo, mais especificamente numa das salas onde hoje funciona o Centro de Memória do Circo. Logo em seguida, passou para uma sala no térreo, conhecida pelo nome de “Aquário”, por ser cercada apenas com vidros, migrando depois para a sede da Companhia. do Feijão31, na República.

Nesta nova proposta, Soraya Saide e Thaís Ferrara, ambas integrantes dos Doutores da Alegria, desde a formação do grupo, no início dos anos noventa, se aproximaram para integrar a equipe de formação. A convite desta equipe, a Prof.a Dra.

Vilma Campos conduziu e assessorou o processo de construção da primeira formatação de uma proposta pedagógica para o curso, criando as primeiras ementas e uma grade horária, hoje denominada janela horária:

Começamos a pensar o que achávamos que o palhaço deveria saber, mas tanto eu quanto a Thaís e a Soraya, nós somos palhaços mais oriundos do teatro: a Soraya, que é jornalista e se formou na EAD, a Thaís que é psicóloga e se formou na EAD e eu que era mecânico de caminhão e me formei na Escola Livre de Teatro. (...) O que o palhaço precisa? Bom o palhaço precisa ter escuta, precisa ter visão periférica, precisa ter um olhar desenvolvido, precisa aprender a lidar com as diferenças das linguagens, então em cima desses princípios a gente começou a desenvolver as ementas para podermos trabalhar. (informação verbal)32

Dentre os primeiros nomes convidados para compor a equipe de educadores, estavam Elisabete Dorgam, Dagoberto Feliz, Sheila Arêas, Denise Guilherme, Cida Almeida, Thaís Ferrara, Soraya Saide e Lu Lopes. Durante o processo, Heraldo percebeu que, para desenvolver o trabalho que a equipe estava pensando, seria necessária uma estrutura de curso com uma carga horária maior e a proposta de extensão com a turma que já estava em processo de formação foi aceita pela instituição financiadora, tornando possível a inclusão de mais um ano. Durante todo o

31 A Companhia do Feijão é um coletivo teatral paulistano, dirigido por Pedro Pires (um dos primeiros

integrantes do grupo Doutores da Alegria), que foi fundado em 1998 e passou a ocupar o espaço situado à Rua Teodoro Baima, 68 na região central de São Paulo em 2004.

ano seguinte, as aulas foram realizadas no espaço da instituição Ação Educativa, na Vila Buarque.

Coincidentemente, em 2006, os Doutores da Alegria e a ONG Arrastão foram contemplados com o primeiro edital nacional de Pontos de Cultura, do Ministério da Cultura, e a segunda turma do projeto “Transformando com Arte” passou a frequentar o espaço Arrastão, no bairro do Campo Limpo. Esse foi o único ano em que havia duas turmas trabalhando concomitantemente: pela manhã, os encontros do segundo ano, da Turma 1, do “Transformando” aconteciam na Vila Buarque e, durante a tarde, o primeiro ano, da Turma 2, frequentava as aulas na zona sul de São Paulo.

Um dos motivos da intenção em atuar no Hospital Municipal do Campo Limpo consistia na intenção dos Doutores da Alegria de dialogar artisticamente, através das aulas de formação na linguagem do palhaço, com jovens residentes nas comunidades do entorno do hospital, proposta feita por Wellington Nogueira. E, de acordo com Daiane Carina, assim foi aberta uma seleção só para jovens do Campo Limpo:

Na época a gente estava abrindo o hospital do Campo Limpo. Coisas que vão acontecendo paralelamente: os Doutores trabalhavam no Albert Einstein, que é um hospital privado e trabalhava no Nossa Senhora de Lourdes, que é um hospital privado, que aliás foi onde começou o projeto dos doutores. E aí o Doutores entendeu que entre as crianças do Einstein e as crianças de um hospital público tem um

gap gigantesco. Então, onde a gente podia ser mais efetivo? Nos

hospitais públicos. E o Doutores adotou a política de trabalhar só em hospitais públicos. (Entrevista com Heraldo Firmino, 2017)

A ONG Arrastão é uma instituição do terceiro setor, que iniciou suas atividades no final dos anos 60, no bairro do Campo Limpo, com mulheres voluntárias (Clube de Mães33) que se dispunham a ensinar trabalhos manuais a outras mulheres dos bairros

vizinhos, trabalhos que poderiam se transformar em fonte de renda. Como as mulheres levavam seus filhos para as aulas, o trabalho com crianças começou a ser desenvolvido para os filhos delas. A organização foi crescendo e passou a se engajar ativamente em prol de demandas do bairro, como as enchentes do Rio Pirajussara, dentre outras questões voltadas para o desenvolvimento da região.

33 Em 1968, na região do Campo Limpo, um grupo de mulheres voluntárias organizou um Clube das

Mães, para ensinar trabalhos manuais como geração de renda às mulheres da região do Campo Limpo. A partir da necessidade de um espaço que pudesse acolher as crianças enquanto suas mães trabalhavam, o Clube se transformou na organização Arrastão e começou a desenvolver atividades com estas crianças.

As palavras de Elisabete Dorgam narram o caminho percorrido por ela até o bairro, localizado na periferia da zona sul da cidade, e configuram imagens do cotidiano das aulas que aconteciam no espaço Arrastão:

PALHAÇOS DO CAMPO NO CAMPO LIMPO DO CAMPO PALHAÇOS LIMPOS NO CAMPO

Tomo a Rebouças, sigo em frente, subo a Francisco Morato, viro à esquerda, cuidado para não ir para Taboão, passo em frente ao Extra, viro à esquerda, sigo infinitamente em frente, passo pelo condomínio “Morumby Valley”, pelas ruínas greco-romanas da Uniban, viro à direita, no largo do Campo Limpo, faço a conversão proibida, vejo a cachorrinha vesga que chora pelos filhotinhos perdidos na rua e que se aconchega junto ao vira-lata gigante que a protege. Entro com o carro no prédio do Arrastão, cumprimento o vigia mal-encarado e pronto, chegamos. Leslye, a fiel escudeira, fada madrinha que tudo resolve, e eu.

(...)

Aos poucos, chegam os palhaços, despencando de ônibus gordos de gente, de léguas de caminhada, de empregos sonolentos, de casas perdidas pelos bairros perdidos dessa cidade perdida. Todos muito jovens, os olhos ainda brilhantes e inquietos, gulosos.

(...)

Os jogos são propostos e aceitos sem hesitação. Não há resistência nem questões intelectuais. Às vezes, uma leve preguiça faz sua ronda sorrateira, mas ela também é bem-humorada e logo dá licença à imaginação sem crítica de todos.

Os palhaços vão se fazendo aos poucos, na sua própria inadequação, no seu território virgem e generoso. A técnica e as habilidades apreendidas são utilizadas através de seu filtro ingênuo e feliz. (Arquivo Doutores da Alegria – Relatório Bete Dorgam – Julho, 2007)

De acordo com o Relatório de Atividades dos Doutores da Alegria, de 2006, o projeto, nesta época, consistia em quatro horas de aulas, quatro vezes por semana, com uma carga horária de 64 horas mensais. As disciplinas ministradas eram: História do Teatro e Circo no Brasil, Expressão Corporal, Improvisação, Jogo Teatral, Commedia Dell’Arte, Palhaço e Elaboração de Projetos. O segundo ano do curso seria

destinado à criação de um Núcleo de Pesquisa que pudesse realizar trocas e vivências com a comunidade.34

Para Daiane Carina, a experiência no Campo Limpo e a aproximação com a realidade periférica faz o grupo perceber a importância do conceito da arte e da cultura como “direito” e isso transforma o pensamento do Programa e do próprio grupo.

No ano de 2008, o projeto “Transformando com Arte” ganha um novo nome e começa a se chamar “Programa de Formação de Palhaço para Jovens dos Doutores da Alegria” (PFPJ) e a escola recebe a terceira turma de formação na linguagem do Palhaço. Num primeiro momento, as aulas acontecem no Teatro da Memória, no Instituto Cultural Capobianco, no Anhangabaú e, posteriormente, num local que abrigava uma espécie de estúdio e academia, localizado perto do TBC. Na quarta turma os alunos começam a frequentar, diariamente, a sede dos Doutores da Alegria, em Pinheiros, onde a formação permanece, até os dias atuais.

É, também, a partir de 2008 que o PFPJ passa a integrar o Plano Anual dos Doutores da Alegria e a receber recursos via incentivo fiscal, através da Lei Rouanet35

com o projeto sendo selecionado, neste mesmo ano, nos editais do Instituto HSBC Solidariedade36 e Instituto Votorantim37. A quarta turma se iniciou em 2010, com

recursos oriundos do edital do Instituto Walmart38. Em 2012, com a entrada da quinta

turma, o Programa foi contemplado pelo Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do município de São Paulo e a sexta e sétima turma, de 2014 e 2016, respectivamente, foram financiadas pelo instituto francês Societè Generale39.

34 Informações encontradas nos registros da organização. Arquivo dos Doutores da Alegria.

35 Lei Rouanet corresponde à Lei Federal de Incentivo à Cultura, sancionada em 23 de dezembro de

1991 pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello. É chamada por esse nome por ter sido criada por Sérgio Paulo Rouanet, Secretário da Cultura na época.

36 HSBC Solidariedade é um instituto criado em 2006 pelo banco global britânico HSBC, direcionando

os investimentos sociais da instituição para as áreas de Educação, Meio Ambiente e Geração de Renda para as Comunidades.

37 Instituto Votorantim foi criado em 2002 para direcionar o investimento em responsabilidade social

das empresas do Grupo Votorantim. Trabalha com apoio a projetos que estejam alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano 2000. Tais objetivos encontram-se na Declaração do Milênio da ONU, que representou um acordo global entre representantes de diversos países para reduzir a pobreza extrema. Atualmente conta com 17 objetivos, dentre eles estão a erradicação da pobreza, a fome zero e agricultura sustentável, saúde e bem estar, educação de qualidade e redução das desigualdades.

38 Instituto Walmart foi criado em 2005 com o objetivo de gerir e criar estratégias voltadas aos recursos

de investimento social da rede de supermercados Walmart Brasil.

39 Societè Generale é um dos maiores bancos da Europa, criado em 1864. É um dos três grandes

bancos franceses (juntamente com o BNP Paribas o e Crédit Lyonnais, atualmente conhecido como LCL) e faz parte do índice CAC 40 (Cotation Assistée en Continu), que reúne as 40 maiores

1.5. O Programa de Formação de Palhaço para jovens no contexto do