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O CRIME DO INCISO IX DO ARTIGO 7º DA LEI N 8.137/1990

A Lei n. 8.137/1990 traz no artigo 7º outros crimes que têm como objeto jurídico as relações de consumo. Importante anotar que essa lei também sofreu severas críticas por parte de estudiosos ante o argumento de que os crimes nela definidos são, na verdade, uma extensão do rol de crimes previstos no CDC e que, nesta parte, seria de todo desnecessária, devendo ambos os diplomas legais ser um só. Alegam ainda que, seguindo a lógica, o legislador – no ano de 1990 (ano da entrada em vigor tanto dessa lei como do CDC – deveria ter criado um único diploma regulando a mesma matéria, pois da maneira com que busca “proteger” o consumidor de práticas criminosas consegue o efeito inverso ao pretendido, pois a diversidade e a confusão de diplomas legais regulando o mesmo tema apenas dificulta – muitas vezes até impede – a efetiva proteção do consumidor (diga-se, comando de índole constitucional).152

Nas pesquisas relativas ao tratamento que vem sendo dado pela jurisprudência aos crimes contra as relações de consumo, fora do CDC, o crime previsto no dispositivo em tela é o que surge quase que com exclusividade nos registros de decisões das duas Cortes Superiores do país, razão pela qual será o único, desta lei, contemplado neste trabalho.

Pois bem. Nos termos do inciso IX do artigo 7º da lei mencionada nesta seção, incide em crime aquele que vender, ter em depósito para vender ou expor à

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“Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo: [...] IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo; [...].” BRASIL. Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8137.htm>. Acesso em: 4 jan. 2015.

152 TORON, Alberto Zacharias. Aspectos penais da proteção ao consumidor. In: FRANCO, Alberto

venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria em condições impróprias ao consumo. A punição para este tipo de delito é a detenção de dois a cinco anos ou multa.

O dispositivo revogou expressamente (art. 23 da Lei 8.137/1990) o artigo 279 do Código Penal (crimes contra a saúde pública) que tratava do crime de “substância avariada”, não obstante o fato de terem objetos jurídicos distintos, ou seja, a saúde pública, no revogado artigo 279 do diploma penal, e as relações de consumo (Lei n. 8.137/1990 art., inc. IX).

O crime, norma penal em branco, deve ser complementado com o artigo 18, parágrafo 6º, do CDC, que assim dispõe:

Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

[...]

§ 6° São impróprios ao uso e consumo:

I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

Para caracterizar a conduta “vender”, é necessário que o consumidor efetivamente compre a matéria-prima ou mercadoria imprópria para o consumo. A conduta “ter em depósito para vender” não exige lugar específico que sirva de depósito, podendo a residência do fornecedor/comerciante servir de depósito, mas desde que seja efetivamente para a venda, o que deverá estar provado no inquérito policial.

Defesa muito comum em acusações desse crime alude ao fato de que as mercadorias impróprias para o consumo não estavam em depósito para venda, mas sim para serem destruídas ou devolvidas ao fabricante. Quando tal acontece, é

muito importante que o inquérito seja conduzido com cuidado e eficiência pela autoridade policial, a fim de que sejam colhidas provas da intenção de venda. Neste caso, por se tratar de crime que deixa vestígio, é imprescindível realizar a perícia para efeito de prova da materialidade do delito (artigo 158153 do CPP).

Trata-se de crime próprio, pois o sujeito ativo somente pode ser o empresário ou comerciante detentor da matéria-prima ou mercadoria. O sujeito passivo é o consumidor (e a coletividade de consumidores).

O objeto jurídico (bem juridicamente protegido) é a relação de consumo e o objeto material a mercadoria ou matéria-prima imprópria para o consumo. O elemento subjetivo é o dolo e a culpa (expressamente prevista no parágrafo único).

A conduta delitiva é, pois, caracterizada como: crime de forma livre, instantâneo nas modalidades “vender e entregar” e permanente na modalidade “ter em depósito e expor à venda”. É crime comissivo e formal porque independe do efetivo prejuízo ao consumidor com a aquisição e o consumo da mercadoria ou matéria-prima imprópria, não obstante a jurisprudência venha exigindo prova (pericial) de que a mercadoria ou matéria-prima utilizada ou consumida pelo consumidor faria mal à saúde dele ou causaria outra espécie de prejuízo. Ademais, é crime de perigo abstrato e admite tentativa, embora de difícil configuração. É norma penal em branco porque precisa ser complementada por outras que especifiquem quais são as condições impróprias para o consumo.

Diferentemente do que ocorre nos crimes previstos no CDC, a pena prevista para este crime (Lei n. 8.137/1990, inciso IX, artigo 7º) é de detenção de dois a cinco anos ou multa, o que impede a aplicação dos benefícios previstos na Lei n. 9.099/1995.

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“Art. 158. Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.” BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:

O artigo 70154 cuida do uso de peças usadas nos reparos dos produtos.

Esta conduta delitiva será punida com as penas de detenção de três meses a um ano e multa e se imputarão a quem empregar na reparação de produtos, componentes ou peças de reposição usados, sem autorização do consumidor (disciplina esta atrelada ao disposto no artigo 21155), ambos do CDC.

O artigo 71156 do diploma consumerista pune a conduta daquele que lançar mão de “ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer” na cobrança de dívidas. As penas previstas são a detenção de três meses a um ano e multa.

O artigo 72157, por sua vez, trata do direito de acesso às informações. Neste dispositivo o legislador determina que aquele que impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros será punido com pena de detenção de seis meses a um ano ou multa.

A obrigatoriedade na correção de dados e informações está regulada pelo artigo 73158, que pune a conduta daquele que deixa de corrigir imediatamente

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“Art. 70. Empregar na reparação de produtos, peça ou componentes de reposição usados, sem autorização do consumidor: Pena Detenção de três meses a um ano e multa.” BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 20 dez. 2015.

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“Art. 21. No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor.” BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 20 dez. 2015.

156 BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 20 dez. 2015.

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“Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros: Pena Detenção de seis meses a um ano ou multa.” BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 20 dez. 2015.

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“Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata: Pena Detenção de um a seis meses ou multa.” BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do

Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 20

informação sobre o consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata. A pena cominada a este tipo de delito é a detenção de um a seis meses ou multa.

O artigo 74159 trata da obrigatoriedade da entrega do termo de garantia corretamente preenchido. Desta feita, será punido com pena de detenção de um a seis meses ou multa aquele que deixa de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo.

Por fim, quadra anotar que esses doze delitos previstos no CDC são considerados infrações de menor potencial ofensivo porque a nenhum deles é cominada pena que ultrapasse a dois anos de detenção, cabendo, em todos eles, os benefícios da transação penal e da suspensão condicional do processo (Lei n. 9.099/1995).