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CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA

No documento CS - DIREITO PROCESSUAL MILITAR 2019.1.pdf (páginas 58-63)

A competência para os crimes dolosos contra a vida, após a Lei 13.491/2017 precisa ser analisada da seguinte forma:

Antes da Lei nº 13.491/2017:

• REGRA: os crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil eram julgados pela Justiça comum (Tribunal do Júri). Isso com base na antiga redação do parágrafo único do art. 9º do CPM.

• EXCEÇÃO: se o militar, no exercício de sua função, praticasse tentativa de homicídio ou homicídio contra vítima civil ao abater aeronave hostil (“Lei do Abate”), a competência seria da Justiça Militar. Tratava-se de exceção à regra do parágrafo único do art. 9º do CPM.

Veja a antiga redação do art. 9º, parágrafo único:

 Art. 9º (...)

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de  Aeronáutica. (Atenção! Redação que não mais está em vigor.)

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• REGRA: em regra, os crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil continuam sendo julgados pela Justiça comum (Tribunal do Júri). Isso com base no novo § 1º do art. 9º do CPM:

 Art. 9º (...)

§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.

• EXCEÇÕES:

Os crimes dolosos contra a vida praticados por militar das Forças Armadas contra civil serão de competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:

I  –  do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;

II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou

III –  de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem (GLO) ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da CF/88 e na forma dos seguintes diplomas legais:

a) Código Brasileiro de Aeronáutica; b) LC 97/99;

c) Código de Processo Penal Militar; e d) Código Eleitoral.

Isso está previsto no novo § 2º do art. 9º do CPM.

Obs.: as exceções são tão grandes que, na prática, tirando os casos em que o militar não estava no exercício de suas funções, quase todas as demais irão ser julgadas pela Justiça Militar por se enquadrarem em alguma das exceções.

 ANÁLISE DO INCISO I DO NOVO § 2º DO ART. 9º O inciso I do § 2º do art. 9º do CPM prevê o seguinte:

§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:

I  –  do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo

Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;

No Rio de Janeiro, o governo do Estado, há alguns anos, instituiu uma política pública chamada de “pacificação das favelas”, por meio da qual os órgãos de segurança pública ocupam as favelas, prendendo ou expulsando criminosos e estabelecendo um regime de presença ostensiva do Poder Público nessas áreas.

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Como o efetivo da Polícia Militar e da Polícia Civil é insuficiente para tais operações, a Secretaria de Segurança do Rio tem se valido da colaboração da Polícia Federal e das Forças Armadas.

Nesse contexto, se um militar do Exército, no exercício do policiamento nestas favelas, pratica homicídio (consumado ou tentado) esta conduta será julgada pela Justiça Militar com fulcro neste dispositivo.

Neste inciso I poderíamos também imaginar a atuação das Forças Armadas em atividades de defesa civil e de construção civil. Explico.

As Forças Armadas têm sido constantemente utilizadas para atividades de defesa civil. É o caso, por exemplo, de distribuição de alimentos e remédios em regiões que passaram por alguma calamidade pública ou mesmo em situações de socorro e resgate de pessoas feridas.

O Decreto nº 895/93 prevê isso expressamente:

 Art. 10. Aos órgãos setoriais, por intermédio de suas secretarias, entidades e órgãos vinculados, e em articulação com o órgão central do Sindec, entre outras atividades, compete:

(...)

II - ao Ministério da Marinha coordenar as ações de redução de danos relacionados com sinistros marítimos e fluviais, e o sa lvamento de náufragos; apoiar as ações de defesa civil com pessoal, material e meios de transporte; III - ao Ministério do Exército cooperar no planejamento de defesa civil e em ações de busca e salvamento; participar de atividades de prevenção e de reconstrução; apoiar as ações de defesa civil com pessoal, material e meios de transporte;

(...)

X - ao Ministério da Aeronáutica coordenar ações de busca e salvamento, evacuação aeromédicas e missões de misericórdia; apoiar as ações de defesa civil com pessoal, material e meios de transporte;

Outra utilização atípica, mas frequente, das Forças Armadas está relacionada com obras de construção civil. O Exército possui um Departamento de Engenharia e Construção, que foi idealizado originalmente para construir e reformar as instalações militares (quarteis etc.). No entanto, apesar disso, devido aos bons trabalhos que realiza, este Departamento de Engenharia é constantemente convocado para executar obras públicas. Foi o caso, por exemplo, da transposição do rio São Francisco e da duplicação da BR-101.

Podemos, portanto, aventar que se um militar das Forças Armadas, no exercício de uma dessas atribuições conferidas pelo Presidente da República (ou pelo Ministro da Defesa), comete crime doloso contra a vida de um civil, ele terá praticado crime militar e será julgado pela Justiça Militar.

 ANÁLISE DO INCISO II DO NOVO § 2º DO ART. 9º O inciso II do § 2º do art. 9º do CPM estabelece:

§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:

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(...)

II –  de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão

militar, mesmo que não beligerante; ou

É o caso do soldado do Exército que está fazendo a guarda do quartel e atira contra um ladrão que tentou invadir o imóvel. Mesmo que se alegue que houve animus necandi por parte do soldado, esse julgamento será de competência da Justiça Militar.

Antes da alteração, o STJ possuía precedentes no sentido de que, havendo dúvida se o militar agiu ou não com a intenção de matar, o processo deveria tramitar na Justiça Comum (e não na Justiça Militar). Nesse sentido: STJ. 3ª Seção. CC 129.497/MG, Rel. Min. Ericson Maranho (Des. Conv. do TJ/SP), julgado em 08/10/2014. Agora isso mudou!

 ANÁLISE DO INCISO III DO NOVO § 2º DO ART. 9º Por fim, o inciso III do § 2º do art. 9º do CPM preconiza:

§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:

(...)

III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e

da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:

a) Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de  Aeronáutica;

b) Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999;

c) Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e

d) Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral.

Enquadram-se neste inciso a grande maioria das hipóteses. Vejamos cada uma das suas alíneas.

12.3.1. Lei nº 7.565/86 (Códig o Brasileiro de Aeronáut ica):

O CBA prevê algumas situações em que as autoridades poderão determinar que a aeronave que está voando de forma irregular pouse imediatamente no aeródromo que lhe for indicado (art. 303, § 1º). É o caso, por exemplo, de uma aeronave em que se suspeita que está transportando drogas. Se a aeronave não cumprir a determinação, a Força Aérea Brasileira poderá disparar tiros contra o avião considerado hostil a fim de forçá-lo a pousar. Confira:

 Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos:

I - se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim;

II - se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional;

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IV - para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21);

V - para averiguação de ilícito.

§ 1º A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado.

§ 2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada.

§ 3º A autoridade mencionada no § 1º responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório.

Esses tiros podem acabar gerando a efetiva derrubada (abate) do avião e a morte dos seus tripulantes. A apuração deste fato  – se é caso de arquivamento ou de processo por crime doloso contra a vida – compete ao Ministério Público Militar e à Justiça Militar, não sendo competência da Justiça Comum.

12.3.2. Lei Complementar nº 97/99:

Conforme já vimos acima, a LC 97/99 regulamenta o art. 142, § 1º, da CF/88 e estabelece normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.

O art. 15, § 7º da Lei prevê diversas hipóteses de atuação das Forças Armadas em atribuições subsidiárias que são também consideradas atividades militares:

 Art. 15 (...)

§ 7º A atuação do militar nos casos previstos nos arts. 13, 14, 15, 16-A, nos incisos IV e V do art. 17, no inciso III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do art. 18, nas atividades de defesa civil a que se refere o art. 16 desta Lei Complementar e no inciso XIV do art. 23 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), é considerada atividade militar para os fins do art. 124 da Constituição Federal.

A hipótese mais conhecida e frequente é a do art. 16-A da LC 97/99:

 Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de:

I - patrulhamento;

II - revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e

III - prisões em flagrante delito.

Imagine que, ao realizar um patrulhamento no mar, a Marinha do Brasil aborde uma embarcação suspeita e seja recebida a tiros. Ao revidar os disparos, os fuzileiros navais acabam matando os agressores. A apuração deste fato competirá ao Ministério Público Militar e à Justiça Militar.

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12.3.3. Decreto-Lei nº 1.002/69 - Códig o de Process o Penal Mili tar:

O art. 8º do CPPM traz as atribuições da Polícia judiciária militar. Dentre elas, destaco: a) apurar os crimes militares;

b) realizar diligência requisitadas pelos órgãos e juízes da Justiça Militar e pelos membros do Ministério Público;

c) cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar.

O art. 7º traz o rol das autoridades militares que exercem a polícia judiciária militar.

Imagine que, ao cumprir um mandado de prisão expedido pela Justiça Militar, o civil que iria ser preso reage e os soldados acabam matando-o. O julgamento deste fato será de competência da Justiça Militar, mesmo a vítima do suposto crime doloso contra a vida sendo um civil.

12.3.4. Lei nº 4.737/65 - Código Eleitoral:

As Forças Armadas, em especial o Exército, desempenham relevantes funções durante o período eleitoral. As tropas fazem a segurança das urnas, dos locais de votação e dos eleitores, coibindo possíveis crimes eleitorais.

As Forças Armadas atuam apenas em alguns Municípios e locais de votação, mediante decisão do Tribunal Superior Eleitoral, sendo isso previsto no art. 23, XIV, do Código Eleitoral:

 Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior:

XIV - requisitar a força federal necessária ao cumprimento da lei, de suas próprias decisões ou das decisões dos Tribunais Regi onais que o solicitarem, e para garantir a votação e a apuração;

Suponha que um soldado acabe ceifando a vida de um civil durante o exercício dessa função de vigilância do local de votação. A competência para julgar este eventual crime doloso contra a vida é da Justiça Militar.

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