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A CRISE CONCEITUAL

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CAPÍTULO III- A CRISE DO JORNALISMO CONTEMPORÂNEO E A ERA DA PUBLICIDADE

1. A CRISE CONCEITUAL

A informação jornalística nasceu no bojo do processo de desenvolvimento das relações mercantis, surgindo então o jornalismo como uma forma social de percepção e apropriação da realidade.

Portanto, cada indivíduo, em alguma medida, precisa aproximar-se dessa realidade através de uma relação tanto mediata como imediata. Sabemos que o “imediato” que ele percebe pelos meios de comunicação não é, realmente, algo dado imediatamente, mas uma realidade elaborada sistematicamente em função de certas técnicas e segundo um ponto de vista ideológico. Trata-se, portanto, do resultado do processo de apreensão e elaboração feito por intermediários. Mas sabemos, do mesmo modo, que o “o imediato” que ele vê com seus próprios olhos – quer dizer, que ele percebe com diretamente pelos sentidos, - a rigor, tampouco é uma realidade sem mediações (GENRO FILHO, 1996, p.10).

Desde o surgimento dos primeiros periódicos regulares, a atividade jornalística, a despeito das suas profundas transformações técnicas e de natureza, continua a postular e a propagar o seu compromisso ou com a verdade ou com o relato correto e preciso dos acontecimentos.

A origem da associação entre o jornalismo e a veracidade encontra explicações distintas conforme as perspectivas teóricas empregadas na sua análise. O vínculo entre o jornalismo e a verdade tem resistido ao tempo, da mesma forma em que o elo entre o jornalismo e a experiência cotidiana. Assim, têm permanecido comuns às concepções de que os jornalistas são profissionais de meios de difusão coletiva, “(...) que participam da reunião, do processamento, da revisão e do comentário das noticias e/ou entretenimento” (KUNCZIK, 2001, p.16). As notícias e os entretenimentos, por sua vez, se reportam às ocorrências do cotidiano, vivenciadas em âmbito publico/coletivo ou privado/individual, desde que a divulgação destas ocorrências sejam do interesse de uma determinada audiência. Acreditamos e pretendemos demonstrar no decorrer desta pesquisa, que o jornalismo vive uma crise funcional que ameaça a permanência desses vínculos que atravessaram séculos. É uma crise que vem sendo anunciada há algum tempo, mediante as configurações

que o mercado lhe impôs ao longo do século XX, e que atingiu a culminância nos tempos atuais face à consolidação da internet e a mudança comportamental do público em tempos atuais.

Nesta perspectiva, o jornalismo teria hoje pouco a ver com sua natureza, com os valores que lhe deram origem, aterrados à ideia da difusão veraz de uma dada realidade por um determinado grupo social. As formas de comunicação da sociedade moderna tomaram o lugar da narrativa clássica, dos metarrelatos e subverteram seu papel enquanto espaço de troca de experiências cotidianas e de reflexão.

O jornalismo nasce também sob a necessidade da troca de informações precisas e concretas, relativas ao mundo dos negócios. Mas a atividade viria passar por profundas e sucessivas transformações de ordem técnica, organizacional e política, alterando as próprias noções sobre o que seriam os acontecimentos noticiáveis, bem como os limites desta precisão. É importante resgatar que entre os séculos XV e XVIII o jornalismo tinha como função básica difundir informações indispensáveis ao florescimento das atividades comerciais e econômicas. Novos conflitos foram vividos nos séculos seguintes, sob o impacto dos grandes embates ideológicos, entre eles a dicotomia ainda presente entre a função de crítica e de mobilização exercidas por um tipo de jornalismo definido como intelectual, e referenciado em um determinado projeto de sociedade, e sua função ou motivação econômica de atender a interesses imediatos do consumidor.

Hoje o que temos observado é que a atividade jornalística parece se adequar à mudança comportamental dos novos tempos. Estamos na era do tempo real, da velocidade, da fragmentação. E para acompanhar esse ritmo frenético o jornalismo vem deixando de lado alguns dos seus pressupostos clássicos como o iluminista, de não só informar, mas formar, ou seja, de oferecer elementos de reflexão ao público leitor para que ele possa ter um senso crítico diante do mundo em que vive.

O jornalismo, portanto, terá de melhor se qualificar para fazer frente às exigências e acompanhar o ritmo da história que é cada vez mais acelerado.

1.1 A rotina jornalística

Aqui reside um dos problemas centrais da crise conceitual que o jornalismo vem enfrentando: o da naturalização das rotinas de produção, enxergar o mundo tal qual é, “conformando uma determinada maneira de se fazer jornalismo que aparece como evidente e, mais que isso, como a única possível” (MORETZSOHN, 2007, p. 238).

Assim, da mesma forma que em qualquer atividade profissional, o jornalismo tem o seu cotidiano, a sua rotina, no qual é preciso internalizar determinados procedimentos, do contrário o jornal não sai. No entanto, é na própria estrutura desse cotidiano que se poderá buscar os elementos para a crítica da naturalização das rotinas, sobretudo pela promessa de esclarecimento e verdade que define a atividade jornalística. “Trata-se do processo de suspensão da cotidianidade, vital para que essa promessa se cumpra” (MORETZSOHN, 2007, p. 238). Considerando que seu objeto são os fatos imediatos do cotidiano, seria possível afirmar a particularidade do jornalismo como atividade marcada por um cotidiano exercício de suspensão, no qual o jornalista precisa empregar toda a sua força para realizar sua tarefa.

Aqui se encontra o primeiro problema, pois o jornalista teria, no postulado iluminista que o orienta, a própria origem do seu dilema: lidar com a imediaticidade dos fatos com um distanciamento capaz de conferir-lhes sentido, lidar com a vida cotidiana com a perspectiva de fornecer-lhe elementos de crítica. Será viável, considerando as condições de produção, especialmente agora, na era do tempo real? (MORETZSOHN, 2007, p. 238 e 239).

Uma retrospectiva histórica permitirá perceber que, desde que se configurou como atividade industrial, o jornalismo vive sob uma permanente tensão: de um lado, a verdade, a informação verdadeira, objetiva, confiável; do outro, a velocidade, a pressa em dar a notícia em primeira mão e chegar antes da concorrência. E na lógica do capitalismo desorganizado, da concorrência, o que acaba prevalecendo é a velocidade, a valorização da urgência na transmissão de informações, alimentando o sistema de modo que se consome sobretudo velocidade, e não notícias. O jornalismo praticado nas grandes corporações de mídia submete- se a essa lógica, refletindo nas rotinas profissionais, afetadas pela própria reconfiguração do mercado de trabalho no setor.

Nessa conjuntura, em que jornais e televisão acabam transformando-se em parques temáticos, portanto, numa espécie de disneilândia do mundo noticioso, não há diferença essencial entre assessor de imprensa – um “logotécnico” ou um jornalista a serviço de uma organização empresarial, de uma instituição pública ou de uma personalidade qualquer – e uma outra qualificação quem se defina como “essencialmente jornalística”. São como cara e coroa, faces externa e interna de uma mesma moeda (MUNIZ SODRÉ apud MORETZSOHN, 2007, p. 240).

E com toda essa pressa, essa velocidade na transmissão de informações, as redações enquanto espaço de reflexão vão desaparecendo e dando lugar apenas a ação, ao fazer. Como consequência surge uma forma de pensar automatizado, perfeitamente adequado às rotinas de

produção. As notícias são apuradas de forma rápida, tudo é simplificado para alcançar mais rapidamente um público cada vez maior, aumentando com isso a audiência e claro, os lucros.

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