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Notícias superficiais (descontextualizadas)

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CAPÍTULO V – METRO: O JORNAL DA NOVA ERA

1.2 Categorias de Análise

1.2.1 Notícias superficiais (descontextualizadas)

Ciro Marcondes Filho (2000), no livro “Comunicação e jornalismo: a saga dos cães perdidos”, compara o jornalista com um cão, que na modernidade era selvagem, voraz, corria para obter o furo e investigava com seu faro apurado. O repórter era atento as pistas que o levassem a uma descoberta nova. E desta maneira, viviam de uma forma mais independente por meio do seu instinto apurado de cão farejador. Os jornalistas viviam soltos, buscavam a notícia e aprofundavam o conteúdo; toda notícia tinha começo, meio e fim e possuía um histórico. Ou seja, nada era apresentado de forma solta, desconectada como se não existisse um antes, um passado e como se não tivesse nenhuma relação com os demais acontecimentos do mundo.

Para o autor, a nova era domesticou os jornalistas, que agora são cães domesticados, que tem donos e são treinados a obedecer e atender aos interesses dos donos das empresas de comunicação e da lógica comercial. Como consequência o faro jornalístico foi perdido e a identidade entrou em crise. Não se pode mais definir quem são os repórteres que atuam nesse quadro em que perdura o paradigma emergente. As identidades estão fragilizadas. Marcondes Filho mistura jornalismo e ficção para relatar

a procura dos cães perdidos, esse importante grupo humano que nos últimos duzentos anos provocou verdadeiras revoluções na maneira de ver, sentir e vivenciar o mundo, mas que, diante do desafio de forças extraordinárias (...), acabou por desintegrar-se de forma misteriosa, pois se trata de uma desintegração in praesentia, quer dizer, desintegra-se permanecendo. Os cães perdidos são, enfim, os jornalistas pós-modernos." (MARCONDES FILHO, 2000, pp.7-8)

O autor procura alertar para a submissão atual dos jornalistas aos processos técnicos, por meio da informatização, bem como a outras características sintomáticas da pós- modernidade, como a alta velocidade do fluxo das informações e a dependência ao discurso das fontes - em detrimento da prática investigativa e do tratamento mais cuidadoso (e ético, principalmente) à notícia que seriam próprios do jornalismo anterior ao advento dos computadores e da internet no cotidiano das redações. Para ele, o que existe hoje é uma presentificação das notícias e uma superficialidade. As informações são apresentadas de maneira solta, superficial e sem a preocupação de contextualizar o leitor com os demais acontecimentos, para que ele possa então conhecer e/ou entender o fato, e, consequentemente, tirar suas próprias conclusões e trabalhar o seu senso crítico.

Concordo com o autor quando ele diz que os jornais da nova era primam pelas notícias presentificadas, ou seja, pelas notícias do hoje, como se não tivessem nenhuma relação com o ontem e que também não fossem influenciar no amanhã. Essa é uma característica marcante dos tempos atuais. Observa-se que as informações são apresentadas como se existissem apenas em si e para si; como se não tivessem nenhuma relação com o passado. Tudo é colocado de forma solta, desenraizada. Percebe-se uma superficialidade, um não aprofundamento. É como se você bebesse um copo de água e ainda continuasse com sede; no caso do jornal, você termina de ler e ainda continua com sede de informação.

O processo de transformação dos paradigmas na era pós-moderna provoca, consequentemente, uma transformação também do conceito de informação, que deixa de significar a representação simbólica dos acontecimentos para se apresentar como um produto que associa publicidade, entretenimento, persuasão e consumo. Dentro desse contexto a informação vira um meio de transporte para várias e subjetivas intenções, deixando muitas vezes de cumprir sua missão precípua de informar.

E se a informação vira uma mercadoria, ela perde o seu valor primeiro de função social, de informar os cidadãos. Passa então a se sujeitar às leis do mercado, da oferta e da demanda, em vez de estar sujeita a outras regras, cívicas e éticas, de modo especial que deveriam, estas sim, ser as suas. (RAMONET, 1999, p.60).

Observamos muitas vezes que a notícia presente nos noticiários de TV, rádio, jornal ou internet, apresenta-se muito superficial, ou seja, a informação não possui as causas e os porquês. Pois, na medida em que, a informação vira mercadoria ela não tem o objetivo de despertar o cidadão, mobilizá-lo e não distribui os elementos necessários para a cristalização de uma opinião crítica e contestadora.

Dentro dessa linha de pensamento a informação hoje passa por um processo de mutação. Pressionado pelo mercado, pela produção industrial de notícias, pela competição, pela sobrevivência no emprego, o jornalista acaba sendo tentado muitas vezes a manipular dados e informações. Além disso, as notícias são encurtadas para ocuparem o menor espaço possível e dar lugar à publicidade, que nos jornais gratuitos, é quem custeia toda a publicação.

Ciro Marcondes afirma que, diante das transformações da sociedade,

o jornalismo, para sobreviver, apela para a indústria imaginária de notícias. Criam-se fatos, forjam-se notícias, estimulam-se polêmicas fictícias, constrói-se o conflito em laboratório. O estúdio de TV, a cabine de rádio, a redação do jornal, deixam de ser meios de transmissão de fatos e tornam-se eles mesmos os produtores de mundos.(MARCONDES FILHO, 1993, p. 63)

Os meios de comunicação, mediante seus critérios de noticiabilidade ou políticos, medeiam e filtram os acontecimentos de acordo com as suas intenções, ideologias ou seus interesses. Os fatos do cotidiano são escolhidos em uma seleção subjetiva e trabalhados a favor do sentido preferencial dado pelo meio. Ao final, os dados acabam passando por uma codificação sempre dirigida, o que conduz o consumidor a uma interpretação paralela. O discurso da objetividade, da imparcialidade e da neutralidade informativa está hoje muitas vezes relegado apenas ao discurso mercadológico das empresas.

Em artigo publicado no site da revista espanhola La Factoria, Ignácio Ramonet constata que a informação não prioriza mais seus valores cívicos ou éticos e que é “antes de tudo uma mercadoria e como tal, está submetida somente às leis de mercado, da oferta e da procura e não a outras leis como, por exemplo, aos critérios cívicos ou éticos”.15

Nosso objetivo ao criar a categoria notícias superficiais e aplicá-la ao Metro é justamente identificar se esse jornal trabalha com esse tipo de notícias – muito curtas e esvaziadas de conteúdo – ou se há nesse veículo uma preocupação em fornecer ao cidadão-

15 Disponível em http://www.lafactoriaweb.com/articulos/ramonet.htm#%22. Acessado em 17 de novembro de

leitor-consumidor informações mais aprofundadas possibilitando ao mesmo uma visão mais crítica do mundo em que vive.

Na segunda-feira, 09 de novembro, primeiro dia de análise, ao aplicarmos nossa primeira categoria, que é sobre a presença de notícias superficiais – muitas vezes incompletas - importantes características dos veículos da atualidade, encontramos logo na página 04, na editoria Em foco a notícia intitulada: “Avião da TAM retorna a NY depois de falha

mecânica”. Segue na íntegra:

Avião da TAM retorna a NY depois de falha mecânica A aeronave levava 196 passageiros para São Paulo e retornou

ao aeroporto JFK 20 minutos após a decolagem.

Esse tipo de informação também pode ser chamada de notícia-índice: você ler e procura outros meios para inteirar-se sobre o assunto. O jornalista Ricardo Anderáos16, primeiro editor do Metro Brasil, declarou que “o Metro funciona como um índice e faz diariamente um resumo das principais notícias do dia; quem quiser notícias mais aprofundadas, terá de buscar em outros meios, como a internet”.

Diante desse quadro, fica difícil o leitor inteirar-se completamente do assunto. Ficou faltando informações do tipo: qual o número do vôo, será que foi mesmo falha mecânica, quem garantiu isso, quem foi ouvido, a versão da TAM, que aeroporto é esse denominado de JKF.

Esse tipo de notícia não permite ao leitor formar sua opinião a respeito do assunto, por não possuir informação suficiente. A notícia está incompleta. Muitas perguntas ficam soltas, o lead jornalístico não está presente na notícia (aprendemos logo no início da faculdade que o texto jornalístico tem de informar de forma clara, começando pelo lead com as cinco perguntinhas básicas: quem, diz o quê, para quem, em que canal, com que efeito).

Além de estar incompleta, a notícia com o suposto problema no avião da TAM está desconectada, solta, não possui um histórico. Quem escreveu não teve o cuidado de checar a informação, de fazer um breve histórico sobre os acidentes que já envolveram a companhia aérea, de saber quais possíveis falhas possam ter ocorrido, enfim, não procurou situar o possível acidente e nem citou as consequências futuras. Já o leitor recebeu uma informação incompleta, que pouco explicou, podendo gerar até dúvida.

16 Declaração feita pelo jornalista Ricardo Anderáos durante palestra no Café Intercom, na livraria Saraiva,em

Terça-feira, 10 de novembro de 2009, também na página 04, editoria Em foco uma notícia chamou atenção. Segue na íntegra:

“Alunos terão de indenizar professora ofendida no Orkut”

A Justiça condenou três alunos a pagar R$ 10 mil para a professora que dava aula em uma escola da zona leste.

Quem escreveu essa notícia parte do princípio de que o leitor tem por obrigação saber do assunto, ou seja, o leitor já tem que ter conhecimento do que está sendo divulgado. Afinal, não dá para saber quem é a professora que dava aula em uma escola da zona leste.

Seguindo as premissas do jornalismo, o leitor tem de ser esclarecido sobre o assunto. Que tipo de ofensa, quando ocorreu o fato, podem recorrer, são menores ou não, que tipo de Justiça condenou os acusados.

Sem dúvida é uma notícia muito superficial, plana. Ao ler essa informação percebe-se a pressa com que a mesma foi redigida. Não há um cuidado em oferecer ao leitor um conteúdo mais aprofundado que permita ao mesmo tirar suas próprias conclusões.

Para o leitor enquanto cidadão a informação citada acima em nada acrescenta em termos de conhecimento, esclarecimento. Ela não cumpriu o seu papel social, já que uma nota publicada desta maneira não é de interesse público.

O Metro ao publicar notas como a do crime do Orkut não está contribuindo, por exemplo, para que outras professoras agredidas por alunos no Orkut corram atrás dos seus direitos; ou que alunos que têm o hábito de agredir seus professores na rede mundial de computadores pense duas vezes antes de fazê-lo, pois podem ser condenados pela justiça, e assim por diante.

Não estamos dizendo que uma notícia mais aprofundada vai salvar o mundo; até porque não é esse o seu propósito. Ou ainda, que o jornal tem essa função de colocar atrás das grades jovens estudantes que agridem professores no Orkut. Longe disso. Mas entendemos que o Metro enquanto jornal está descumprindo a função social do jornalismo enquanto bem público. Oferecer informações mais completas e menos vazias de conteúdo é o mínimo que um jornal pode oferecer ao leitor crédulo nas informações diárias de cada dia.

Encontramos na quarta-feira, 11 de novembro de 2009, terceiro dia de análise, uma notícia que chamou muito atenção. Foi a seguinte:

“Santa Casa inaugura 2ª unidade de hospital particular”

Em janeiro de 2010, com novo prédio, o hospital Santa Isabel irá duplicar o número o número de leitos para 240.

Como discutimos a cima, o Jornalismo tem uma função social de informar o cidadão, fornecendo dados que ele possa guiar sua vida, viver em sociedade, se posicionar no mundo em que vive. Uma notícia como a apresentada no parágrafo anterior, deixa muito a desejar; essa devia ser uma notícia muito mais completa e esclarecedora, afinal, está falando da inauguração de um hospital que, com certeza, é de interesse do cidadão.

Na notícia tinha que vir explicitado se é a Santa Casa da cidade de São Paulo, afinal, existem outras Santas Casas espalhadas não só pelo Estado de São Paulo, como no resto do Brasil.

Devia esclarecer ainda onde ficará instalado esse novo hospital, se atende algum tipo de convênio, de quem é a iniciativa, qual a especialidade, como chegar lá. Estamos falando de saúde, um assunto de grande interesse de todo e qualquer cidadão de qualquer lugar do mundo, especialmente do Brasil, com tanta gente que ainda sofre nas filas dos hospitais. A referida notícia não informou e, consequentemente o Metro, enquanto veículo jornalístico, não cumpriu sua missão.

Quinta-feira, 12 de novembro de 2009 a nota “Marcola é julgado por morte de juiz” não contribui para a formação da consciência crítica do leitor, por apresentar-se bastante superficial. Segue na íntegra:

Julgamento de Marcola, apontado como um dos líderes do PCC, começou na tarde de ontem. Ele não foi ao tribunal.

O leitor, ao se deparar com essa notícia pode indagar-se sobre quem é Marcola, qual juiz ele matou ou mandar matar; em que ano esse episódio aconteceu; o que é PCC e ainda porque ele não foi ao tribunal. São informações que deveriam vir contempladas na notícia, por serem importantes na compreensão e embasamento da mesma. Trata-se então de uma nota incompleta e que, da forma como foi veiculada, deixou o leitor carente de informação.

Essa falta de esclarecimentos acaba comprometendo o produto final, no caso a notícia. Se o leitor se informar diariamente apenas pelo Metro, não estará bem informado, pelo menos, sobre o assunto acima citado. Ele terá de buscar outros meios que o aprofundem sobre o assunto.

Notícias com esse perfil – desconexas, soltas, incompletas – foram observadas no

Metro durante toda a semana estudada, e acabam revelando o processo de mutação que o

jornalismo vem experimentando hoje, esquecendo muitas vezes dos seus postulados clássicos para supervalorizar o tempo, o veloz, o instantâneo e superficial.

O que também preocupa – ainda sobre a nota em questão - é o fato dela aparecer solta, sem raiz. Deveria existir um histórico sobre o episódio envolvendo o Marcola, qual crime cometeu, qual acusação, quando ocorreu, onde o processo corre, porque não foi ao tribunal.

Ao publicar notas superficiais como a do Marcola o Metro não contribui para o conhecimento mais aprofundado e mais crítico dos seus leitores.

Na sexta-feira, 13 de novembro, encontramos a seguinte nota publicada aqui na íntegra:

“Marido traìdo não será indenizado, decide STJ

Os ministros decidiram que o amante não tem responsabilidade sobre a traição da mulher”

Na era da pressa, onde o que vale é o tempo (muito precioso e ninguém pode desperdiçá-lo), o veloz, o instantâneo, as notícias também seguem esse ritmo e acabam por não cumprirem sua função primeira de esclarecer o cidadão. A nota explicitada acima não está clara; ela é apresentada de forma confusa, solta e não contribui ao esclarecimento do leitor, que continuará sem saber do assunto. Não está claro, por exemplo, se será o marido, a mulher ou o amante que será indenizado; quem são os culpados, o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e quando essa ação foi julgada.

Então essa nota vem a calhar com a categoria que criamos que trata justamente da presença de notícias soltas, superficiais e pouco esclarecedoras que se fazem presentes no

Metro, um veículos dos tempos atuais.

Observamos que notícias rasas, planas compõem praticamente todo o Metro, não apenas nas editorias Em foco e Mundo que tratam de assuntos como cidade, política e economia. Na editoria Diversão, que recebe mais atenção por parte do jornal (devido o público-alvo ser jovem), existem sempre muitas notas soltas, ou seja, notas que deixam a desejar no quesito informação completa.

Na edição do dia 09 de novembro de 2009 foi publicada na página 10, a seguinte nota:

O governo espanhol concedeu na última sexta-feira a “Ordem das Artes e das Letras de Espanha” ao aqruiteto [o erro de digitação foi do jornal] brasileiro, que tem 101 anos.

A nota poderia ser mais completa explicando, por exemplo, porque o arquiteto brasileiro foi condecorado na Espanha, que obras fez por lá, etc. Poderia ainda ter mencionado quem recebe esse tipo de Ordem do governo espanhol. E, apesar do Oscar Niemeyer ser um dos maiores nomes da arquitetura brasileira, foi quem projetou Brasília, isso poderia ter sido mencionado.

Com mais um parágrafo a nota ficaria bem mais completa e esclarecedora. Mas a pressa, a velocidade da nova era não permitem. Talvez para quem redige, a nota a cima deva estar completa. Mas para quem lê, dificilmente estará.

Infelizmente notas vagas e superficiais como as apresentadas aqui têm sido bastante comuns na atualidade. É o jornalismo em mutação, transgênico que vem abandonando a sua premissa iluminista que o originou, que dizia que o jornalismo tem a função de não só informar, mas de formar, ou seja, tem de fornecer elementos que contribuam para a formação do senso crítico dos cidadãos.

Só assim, exercendo sua função social enquanto bem público é que o jornalismo irá contribuir para uma sociedade mais justa, composta por indivíduos com senso crítico e cientes dos seus direitos e deveres.

No documento Download/Open (páginas 86-93)