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Às vezes, parece que o adolescente está sendo usado para justificar a negligência de uma sociedade que o deixou de lado. É como se os jovens fossem utilizados para desculpar uma geração que os está abandonando. A avalanche de informações negativas acerca dessa classe aglutina o medo, canaliza o temor e a raiva do público sobre essa representação social.

É importante ressaltar que a adolescência não se restringe à faixa etária, outros fatores confirmam esta fase, como, por exemplo, a construção da identidade, pois cada ser é único e vive em um ambiente particular que o influencia na constituição da personalidade. O ambiente familiar, os grupos, apresentam um papel importante na formação de crenças e valores do adolescente, ou seja, o processo de construção da identidade dá-se nas interações sociais, de forma específica nas esferas da família, escola e sociedade.

Construir uma identidade, para Erikson (1976), implica em definir quem a pessoa é, quais são seus valores e quais as direções que deseja seguir na vida. O autor entende que identidade é uma concepção de si mesmo, composta de valores, crenças e metas com os quais o indivíduo está solidamente comprometido.

A construção da identidade pessoal é considerada a tarefa mais importante da adolescência, o passo crucial da transformação do adolescente em adulto produtivo e maduro. Para Neto (2005), a identidade é construída, ativada e reconstruída, estrategicamente na interação, pelo conflito, nos processos de socialização de cada um e de construção do seu projeto de vida.

A crise parece ser uma das características principais da adolescência e é considerada como normal no curso da vida do jovem, como são todas as etapas de transformação da vida do ser humano. A crise da adolescência torna impreciso o limite entre o que é um adolescente normal e o que não é. Aberastury (1981) ensina que normalidade não existe, é apenas uma criação no quadro de possibilidades que nos foram concedidas e das aquisições que fomos conquistando. Apesar de enfatizar que “toda a adolescência leva, além do selo individual, o selo de meio cultural e histórico” (Aberastury, 1981, p. 28), acaba incorrendo no artifício de condicionar a realidade biopsicossocial a circunstâncias interiores ao afirmar uma “crise essencial da adolescência” (p.10).

A identidade pode ser definida como a consciência que a pessoa tem de si mesma como um ser no mundo. Para o adolescente, é o momento em que ele faz ou tem a representação do próprio corpo com características que o distinguem dos outros. É a oportunidade em que ele lembra do passado e faz suas projeções para o futuro.

Osório (1998, p. 28) define a crise da adolescência como uma crise normativa, isto é, “o momento evolutivo assinalado por um processo normativo, de organização ou estruturação do indivíduo”. Para o autor, o sentimento de identidade e sua crise são resultados dos fatores constantes na figura abaixo:

Figura 9 - Triângulo do sentimento de identidade e sua crise para o adolescente

Da figura acima se conclui que a solução da crise parece residir no equilíbrio dinâmico entre os fatores constantes nos vértices do triângulo, ou seja, solucionando o vínculo da integração social, as inter-relações pessoais com familiares e com aqueles que cercam o adolescente.

Baptista Neto (1998) enquadra os adolescentes em três grupos. No primeiro, estão os jovens que expressam sua insatisfação e descontentamento à superproteção familiar e social. Estando aí aqueles que reagem à forma de vestir, falar, andar etc. No segundo, encontramos aqueles que não têm adolescência em virtude das responsabilidades de sobrevivência material do jovem que não lhe oportunizam espaço para a crise do adolescente.

No terceiro grupo, situam-se os adolescentes acomodados, coniventes com a situação, que não manifestam qualquer sentimento de oposição. Estes vivem em harmonia com a sociedade e família em geral.

Nesse contexto, o grande conflito a ser resolvido na adolescência é a chamada crise de identidade e essa fase só estará terminada quando a identidade tiver encontrado uma forma que determinará, decisivamente, a vida ulterior. É importante entender que o termo crise, adotado por Erikson (1976), não é sinônimo de catástrofe ou desajustamento, mas de mudança, de um momento crucial no desenvolvimento no qual há a necessidade de se optar por uma ou outra direção, mobilizando recursos que levam ao crescimento.

É exatamente essa crise que fará com que o adolescente parta em busca de identificações, encontrando outros iguais e formando seus grupos. A necessidade de dividir suas angústias e padronizar suas atitudes e idéias, faz do grupo um lugar privilegiado, pois nele há uma uniformidade de comportamentos, pensamentos e hábitos. Com o tempo, algumas atitudes são internalizadas, outras não; algumas são construídas, e o adolescente, paulatinamente, percebe-se portador de uma identidade que, sem dúvida, foi social e pessoalmente construída.

Em casa é muito chato, a mãe só quer brigar, o pai não deixa eu sair, então saio escondido. Vou para a rua, encontro os amigos e vamos curtir é legal. Meus amigos me entendem, às vezes me ajudam, me sinto bem, é legal. (Sócio-educando - 15 anos).

No entanto, quando da ausência desta identidade a crise acresce, o adolescente sem azimute, busca de todas as formas se envolver no contexto social, mas a sociedade os pretere, tornando-os vulneráveis às ações delitivas, e o resultado não difere do que somos acostumados a ver diariamente por meio da mídia, jovens nas manchetes como principais protagonistas da violência.

Apesar de estudos que têm questionado a universalidade dos conflitos adolescentes, a psicologia convencional insiste em negligenciar a inserção histórica do jovem e suas condições objetivas de vida. Ao supor uma igualdade de oportunidades entre todos os adolescentes, a psicologia que se encontra presente nos manuais de Psicologia do Desenvolvimento, dissimula, oculta e legitima as desigualdades presentes nas relações sociais, situa a responsabilidade de suas ações no próprio jovem: se ideologiza (BOCK, 1997; CLIMACO, 1991).

Estudiosos na Espanha levantaram a questão da insistência em considerar a adolescência como um momento de crise. Herrán (1997) considera que haja alguma concordância entre autores e linhas teóricas sobre o fato de a adolescência ser um período de transição marcado por mudanças físicas e cognitivas.

O mesmo ocorre no que diz respeito à construção de uma identidade nova (o que acontece durante toda a vida, pois a identidade está em constante transformação). O mesmo se dá quando se referem à adolescência como um prolongamento do período de aprendizagem que permitirá sua inserção no mundo adulto.

Observa, entretanto, que esse período tem sido marcado por estereótipos que caracterizariam uma suposta síndrome normal da adolescência, na qual se enfatizam: a rebeldia, a instabilidade afetiva, a tendência grupal, as crises religiosas, as contradições, as crises de identidade.

Ozella (1999), afirma que tem buscado uma saída teórica que supere a visão naturalizante e patologizante da adolescência presente na Psicologia. Para ele, a adolescência não é um período natural do desenvolvimento. É um momento significado e interpretado pelo homem. Há marcas que a sociedade destaca e significa. As marcas do corpo e as possibilidades na relação com os adultos vão sendo pinçadas para a construção das significações, para a qual é básica a contradição, que se configura nesta vivência entre as necessidades dos jovens, as condições pessoais e as possibilidades sociais de satisfação delas. É dessa relação e de sua vivência, enquanto contradição, que se retirará grande parte das significações que compõem a adolescência: a rebeldia, a moratória, a instabilidade, a busca da identidade e os conflitos.

Essas características, tão bem anotadas pela Psicologia, ao contrário da naturalidade que se lhes atribui, são históricas, isto é, foram geradas como características dessa adolescência que aí está. Entende-se, assim, a adolescência como constituída socialmente a partir de necessidades sociais e econômicas e de características que vão se constituindo no processo.