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CRISTO E AS PRINCIPAIS RELIGIÕES NATURAIS ORIENTAIS

No documento Para além dos rostos de Cristo (páginas 39-41)

2. AS FACES DE JESUS CRISTO

2.4. CRISTO FACE A ALGUNS DOS DIVERSOS GRUPOS RELIGIOSOS DA

2.4.2. CRISTO E AS PRINCIPAIS RELIGIÕES NATURAIS ORIENTAIS

No mundo do extremo oriente verifica-se um fenómeno curioso: quando uma religião metacósmica penetra numa cósmica é improvável que uma outra venha a substituir a primeira que se instalou nesse universo sócio-cultural. Daí Cristo não encontrar nestes locais espaços para si. As principais religiões naturais orientais com a mensagem de Cristo se enfrenta são: o confucionismo, o budismo e o hinduismo.

Para a sociedade chinesa confucionista é particularmente difícil enquadrar a figura do Cristo ocidental na mundividência cosmogónica e social típicas desta cultura. Se para os ocidentais a ideia de ser é eterna e transcendente, os chineses imaginam o Universo como uma grande cosmogonia dinâmica e evolutiva, sem entidade extrínseca a este processo. Daí que a ideia de Cristo como encarnação histórica de Deus seja liminarmente recusada.

Muitos confucionistas, sobretudo os mais radicais, partindo do modus vivendi típico da cultura oriental, criticam negativamente a pessoa de Jesus, realçando a sua inferior condição social, a sua filiação ilegítima, o seu desrespeito para com os familiares e a pouca prudência na escolha de determinadas companhias.

Dado o facto da ideia de Redenção colidir estruturalmente com o optimismo radical dos chineses referente às capacidades efectivas da condição humana, muitos reafirmam a morte ignominiosa de Jesus e a invenção da sua ressurreição por parte dos discípulos. A morte de Cristo não tem nenhum carácter redentor e expiatório visto este não ser necessário à natureza humana, mas contrário à mesma.

Já a ideia de Jesus como Mestre é passível de aceitação. Também aqui, porém, se põem em causa a validade universal dos seus ensinamentos. Podem ter interesse para a sociedade ocidental, mas são inadequados para a estrutura mental de outros povos.

A esta atitude, porém, não é estranha a existência de elementos alheios à própria essência doutrinal do cristianismo. Cristo é visto como um estrangeiro, um invasor. Urge defender os valores tradicionais chineses do assédio cultural dos ocidentais, dos quais Cristo é tido como baluarte (219).

O Budismo, por seu turno, encontra-se praticamente radicado no Japão. Ainda que o número de cristãos nesta sociedade seja extremamente diminuto, há pontos de encontro muito fortes entre estas duas religiões. Entre Cristo e Buda não se verifica apenas um curioso paralelismo biográfico, mas fundamentalmente uma grande convergência ética.

Tanto um como o outro proíbem tudo o quanto possa romper com a harmonia pessoal, social e cósmica. "Ambos proíbem matar, roubar, mentir e ter relações sexuais ilícitas. Ambos mandam respeitar os mais velhos. Ambos louvam a paz interior. Ambos querem pagar o mal com o bem, e recomendam amar os inimigos, não acumular riquezas supérfluas, e optar pela misericórdia em vez do sacrifício. Existem muitos paralelos que coincidem, quase literalmente (...).

O conhecimento que Buda tinha de si mesmo e da sua missão está muito próximo do de Cristo" (220).

A imagem do Cristo ético é a mais apropriada à cultura deste povo. Contrariamente ao povo ocidental, individualista e independente, os japoneses vivem num sistema de interdependência. Aos proclamados direitos individuais e igualdade perante a lei respondem os japoneses com a noção de responsabilidade face ao grupo. Além disso, em todos os sectores da existência humana, são mais propensos à adopção de práticas humanistas. Outra das características desta sociedade é o elevado sentido de solidariedade e diálogo entre os diversos membros do tecido social.

Ainda que haja a registar a existência de movimentos na década de 70 que, entre o mundo budista, realçaram o aspecto sócio-político da figura de Jesus, a imagem de Cristo mais cultivada

(219) Cf. TEOTÓNIO R. DE SOUZA, op. cit., 325-246 passim.

e passível de ser aceite por esta cultura é a do Cristo ético. Aliás, este povo possui, pese os problemas económicos e as catástrofes naturais com que ultimamente se viram confrontados, uma das economias mais florescentes dos países industrializados. Por isso, para além da imagem do Cristo ético estar mais de harmonia com a cultura deste povo, as condições sócio-económicas da sociedade japonesa não exigem, contrariamente ao que sucede por exemplo nas Filipinas, a presença de um Cristo sensível às desigualdades sociais.

A situação face ao hinduismo já não é tanto linear. O Hinduismo confronta-se com diversas concepções a respeito de Cristo. Foi no período áureo da reflexão teológica do sec. XIX que muitas destas imagens surgiram. Basicamente podemos agrupá-las em grupos distintos e até contraditórios.

Para alguns Cristo não é mais que um invasor. Esta imagem foi defendida por todos os que viam nesta personagem a expressão de uma cultura que pretendiam combater. Outros, contrariamente, reafirmavam a figura do Cristo ético. Trata-se, porém, de uma imagem diferente da do dogma metafísico e do misticismo etéreo. O maior defensor desta concepção foi Rammohan Roy. Sendo a religião entendida por este autor como uma existência ética, Cristo é apresentado como um preceptor moral. Embora aceite Cristo como Filho, Servo de Deus e soberano do Universo, Jesus recebe o seu ser de Deus e, por conseguinte, está dependente e subordinado ao Pai. A união entre os dois é, segundo este autor, uma união de vontade e de projecto. Para além disso, a morte de Cristo não teve nenhum valor redentor, dada a excelência do primado da misericórdia e da justiça sobre o do sacrifício.

Há ainda quem defenda a ideia de um Cristo asiático. Esta imagem teve como grande mentor o indiano Keshub Chunder Sen. Segundo este autor Cristo é asiático pela sua raça e hindu pela sua fé. Keshub reconciliou e sintetizou a tradição hindu e a tradição cristã. reconheceu Cristo como a 2ª Pessoa da Santíssima Trindade, o Logos universal e absoluto e, bem assim, reafirma a sua divindade e a sua humanidade divina. Esta humanidade divina não nos leva a afirmar que Cristo seja o homem Deus, mas sim o Deus homem. A divindade está plena de humanidade, mas permanece íntegra. Por isso, no momento da sua ressurreição Cristo regressou ao seio do Pai na sua humanidade plena. Ele é filiação feita carne. Contrariamente a Rammohan Roy, Keshub Chunder Sen aceita o carácter Redentor da Cruz.

Dentro do hinduismo há ainda quem veja em Cristo a encarnação de Deus. Outros aceitam-no como Salvador, Filho de Deus e Deus-Homem, muito embora entendam estes títulos de forma diversa do cristianismo ortodoxo tradicional. Muitos entendem-no como Palavra de Deus feita carne, o qual veio ao mundo para redimir o género humano. Dentro desta diversidade há ainda quem veja em Cristo o Libertador de toda a opressão social e religiosa (221).

A imagem sócio-política de Cristo é particularmente sentida pelos "dalit", casta inferior do povo indiano. A iconografia adoptada para expressar esta imagem é a de " Cristo roto", identificado com a opressão desta casta. Opõem-se, consequentemente, ao Cristo hindu dos

Ashram cristãos e ao euroeclesiástico da Igreja oficial (222). Este "Cristo roto" veste e vive do mesmo modo dos "dalit". Como Filho de Deus e, por conseguinte, revestido de suprema majestade, os seus andrajos denunciam todas as injustiças sociais que tendem a dividir a humanidade.

Há ainda quem, dentro do mundo hindu, identifique Cristo com Krishna, o oitavo avatar de Vixnu. São muitas as semelhanças encontradas para justificar esta identificação. As narrativas neotestamentárias do nascimento, infância e vida de Jesus têm idênticos detalhes às narradas acerca de Krishna.

Ambos utilizaram o milagre como forma de levar a mensagem ao incrédulo e ao materialista, não o utilizando como meio para a obtenção de dividendos económicos(223). "A história do nascimento, da infância e da vida de Krishna contém passagens e até detalhes idênticos às narrativas do Novo Testamento (...). Krishna e Crsito foram os que mais se

(221) Cf. TEOTÓNIO R. DE SOUZA, op. cit., 220-222. (222) Cf. TEOTÓNIO R. DE SOUZA, op. cit., 254-256. (223) Cf. HOLGER KERSTEN, op. cit.,138.

destacaram em matéria de milagres nas Sagradas Escrituras"(224). As semelhanças, porém, não ficam apenas por aqui. Tal como Cristo, também Krishna "transcendeu o ciclo das encarnações, mas apesar disso encarnou-se na simples forma de um corpo mortal, pois movido por compaixão quis ajudar a humanidade a alcançar a salvação"(225). Para além dos motivos da Encarnação coincidirem há ainda a registar a presença de uma trindade indiana. "Na trindade indiana, o filho de Deus chama-se Krishna, nome que tem a mesma raiz que Cristo (...). 'Cristo' é uma palavra derivada do grego chrestos e significa 'ungido com óleo'. A palavra Cristo remonta ao sânscrito

Krsna (Krishna quer dizer 'o que atrai') que, em linguagem coloquial, pronuncia-se Krishto. Krishto significa 'atracção'. Este ser capaz de atrair é a alta personificação de Deus" (226). Dadas as semelhantes existentes, Holger Kersten conclui que Krishna e Cristo são uma e a mesma pessoa, tendo Jesus vivido na Índia em Caxemira.

No documento Para além dos rostos de Cristo (páginas 39-41)