• Nenhum resultado encontrado

O PENSAMENTO MÍTICO-SIMBÓLICO

No documento Para além dos rostos de Cristo (páginas 63-65)

3. APROXIMAÇÃO A UM CRISTO PARA ALÉM DOS SEUS ROSTOS

3.2 ESTRUTURA SIMBÓLICA E REPRODUÇÃO CULTURAL

3.2.4. O PENSAMENTO MÍTICO-SIMBÓLICO

Por pensamento mítico-simbólico entende-se o modo de conhecimento diferente e complementar do pensamento empírico-técnico-racional. Ambos, apesar de cada um possuir o seu tipo de linguagem específica, fazem parte do nosso património pessoal. Apesar da complementaridade, muitos procuraram enfatizar as diferenças entre um e outro: "o pensamento empírico preocupa-se com o conhecimento explicativo do mundo exterior, objectivo; enquanto que o pensamento simbólico tende para a participação subjectiva na intimidade do mundo"(355). A esta tentativa de demonstrar a excelência do primeiro sobre o segundo não é alheia a íntima conexão existente entre o penasamente simbólico e os fenómenos mágico-religiosos. "Raros os fenómenos mágico-religiosos que não impliquem, de uma forma ou de outra, um certo simbolismo (...). Não há dúvida que todo o facto mágico-religioso é uma cratofania, uma hierofania ou uma teofania (...). Mas, frequentemente, encontramo-nos em presença de cratofanias, de hierofanias ou de teofanias mediatas, obtidas por meio de uma participação ou de uma integração num sistema mágico-religioso que é sempre um sistema simbólico, quer dizer, um simbolismo"(356). Para o homem apolíneo ocidental, o qual proclama bem alto a sua liberdade, a sua maioridade e a imanência do mundo, não está correcta a concepção de que "toda a realidade se possa converter-se em símbolo em que o divino é exprimentável"(357). Para este homem tudo é e será explicado pela ciência, não há lugar para a transcendentalidade que o mito procura.

Apesar do relato mitológico ter sido atacado pelas culturas civilizadas surgidas do Iluminismo, a cultura arcaica revela uma racionalidade e um conhecimento empírico que lhe permitiu adaptar-se às leis cósmicas durante milénios. Por outro lado, os modelos explicativos do ser e do dever ser, surgidos nos dois últimos séculos, indicam claramente que eles próprios, a lei dos três estádios de Augusto Comte, o paraíso comunista de Karl Marx e a abundância de bens para todos produzida pela sociedade capitalista de Adam Smith, acabaram por transformar-se também em mitos. O mito está intrinsecamente entranhado no próprio homem, mediante o papel estruturante da sua cultura e do pensamento simbólico. Embora determinado mito, surgido num determinado tempo histórico, possa ser eliminado, o progresso da razão e do conhecimento acabam por reafirmar novos mitos (358).

Do cérebro e do espírito humano, de onde brotam o pensamento e a linguagem, surgem os mecanismos da função simbólica ou da capacidade semântica, tipo circuito único a partir do qual se distinguem dois tipos de linguagem e pensamentos divergentes: o pesamento selvagem, ao qual pertence o mito e a magia, e o pensamento domesticado, típico da ciência e da técnica (359). Daqui se pode aferir que o "sistema de conhecimento humano conduz, com efeito, a dois saberes distintos, que contemplam o mundo duas ópticas diametralmente oposta: uma 'supremamente concreta', quer dizer, 'desde o ponto de vista das qualidades sensíveis'; outra 'supremamente abstrata' quer dizer, desde o ponto de vista das realidades formais' (...). O pensamento empírico-técnico-racional e (...) o pensamento simbólico simbólico-mitológico- mágico formam uma unidualidade, pois, sendo distintos de facto, não deixam de complementar- se e interactuar" (360).

(354) Ibidem, 104.

(355) PEDRO GOMEZ GARCÍA, Religión popular y mesianismo. Análisis de cultura Andaluza, Universidad de Granada, Granada 1991, 12. (356) MIRCEA ELIADE, Tratado de história das religiões, 1ª Edição, Edições Asa, Lisboa 1992, pág. 539.

(357) WALTER KASPER, op. cit., 51. (358) PEDRO GOMEZ GARCÍA, op. cit., 9.10. (359) Cf. Ibidem, 10.

O pensamento mítico tem a sua matriz no pensamento popular, o qual desde sempre descobriu analogias e traçou correspondências entre as diversas ordens (cósmica, social, antropológica, mental, sobrenatural...), mediante diversas equivalências simbólicas e relações metafóricas. Este tipo de pensamento traduz a vivência de uma comunidade, desvela as suas inquietações e desdobra os acontecimentos ocorridos no mundo imediato projectando-os num mundo outro (361). A elaboração destes mitos obedece a uma lógica própria e a sua estruturação é feita a partir de príncipios organizadores, chamados de paradigmas. Eles orientam o pensar mítico, determinam o uso da sua lógica, o sentido do seu discurso e a visão do mundo (362).

O primeiro paradigma do pensamento mitológico-simbólico faz com que este se oriente segundo as categorias do concreto, do vivente e do singular, ou seja, orienta-se num sentido diferente ao do pensamento racional, o qual, através das categorias físicas, gerais e abstractas procura atingir a "essência" filosófica ou a lei científica.

O segundo paradigma introduz um princípio semântico generalizado, a partir do qual toda a significação possui uma amplitude tal que nenhum aspecto do relato fica isento de sentido e, por isso mesmo, é possível decifrar-se.

Sobre estes dois pilares vai o pensamento mitológico-simbólico estruturar a sua visão do mundo, do homem e da natureza. Entre estas três ordens existe uma relação de alteridade e continuidade. Assim, natureza e humanidade implicam-se mutuamente e, como tal, torna-se possível a metamorfose entre estas duas ordens, instaurando-se assim a comunicação e a comunhão entre o humano e o mundo mitológico, espaço povoado por génios, espíritos e deuses. Assim sendo, o indivíduo e os cosmos são espectros um do outro. Para além disso, existe uma ligação entre o espaço e o tempo do mito e o espaço e o tempo ordinários do nosso mundo, os primeiros transbordam e desdobram os segundos sem se desligar deles (363).

As categorias mitológicas encontram-se situadas na encruzilhada da vida e da morte, respondendo ao mistério da vida e do mundo. Os mitos são marcos de referência que conferem valor e sentido às coisas, quer seja quanto ao seu ser quer seja quanto ao seu agir. Sem o pensar mitológico seria impossível a comunidade humana. O mito da Nação Mãe e do Estado Pai mantém o sentido comunitário das sociedades contemporâneas (364).

O mito e a razão têm uma origem comum e, mesmo na sua diversificação, opõe-se e complementam-se mutamente, revertendo esta conjunção sobre a realidade antroposocial. Verifica-se uma íntima conexão, no mesmo discurso, entre o pensamento empírico-racional e o mítico-simbólico. Há um permanente cooperação entre ambos, pese embora se verifiquem diferenças entre um e outro. Do diálogo ente um e outro brota uma maior penetração na capacidade do real, para além de ambos se condicionarem nos extremos que um e outro podem assumir: por parte do pensamento empírico-técnico-racional a racionalização dogmática, e por parte do pensamento simbólico-mitológico-mágico o fanatismo. A realidade da vida é extremamente ampla e complexa, podendo albergar múltipas combinações entre o mito e a racionalidade. Os dois níveis de pensamento podem estabelecer entre si um papel crítico e construtivo (365).

O pensamento simbólico-mitológico-mágico, enquanto modo de actividade intelectual, responde às perguntas relativas ao sentido das coisas. O sentido dos mitos reduzem-se a "significar' outras mensagens do universo mítico; 'significar' aspectos da realidade etnográfica e ecológica; e 'significar', por último, estruturas inconscientes do próprio espírito humano" (366). Por isso, eles possuem uma lógica e uma coerência interna que exigem uma interpretação acerca do seu valor objectivo.

(361) Cf. Ibidem, 12.

(362) Cf. EDGAR MORIN, El método, Libro Primo, Ediciones Cátedra, Madrid 1988, 174. (363) Cf. Ibidem, 177.178.

(364) Cf. Ibidem, 189.

(365) Cf. PEDRO GÓMEZ GARCÍA, op. cit., 16. (366) Ibidem, pág. 17.

3.2.5. A INTERPRETAÇÃO DOS SÍMBOLOS: SUA LÓGICA E

No documento Para além dos rostos de Cristo (páginas 63-65)