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FUNÇÃO DOS SÍMBOLOS RELIGIOSOS E DA IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA

No documento Para além dos rostos de Cristo (páginas 59-61)

3. APROXIMAÇÃO A UM CRISTO PARA ALÉM DOS SEUS ROSTOS

3.2 ESTRUTURA SIMBÓLICA E REPRODUÇÃO CULTURAL

3.2.2. FUNÇÃO DOS SÍMBOLOS RELIGIOSOS E DA IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA

Uma das funções dos símbolos religiosos é a transformação de um objecto ou acto em algo diferente da sua manifestação profana (330). As diversas religiões utilizam muito imagens e termos simbólicos para expressarem realidades fora do alcance do entendimento humano e que se encontram situadas na esfera do divino. A esfera do profano funciona como um suporte que se

(322) Cf. Ibidem, 139. (323) Cf. Ibidem, 140.

(324) IDEM, Tratado de história das religiões, 1ª Edição, Edições Asa, Lisboa 1992, 557.

(325) ALFRED NORTH WHITEHEAD, Simbolismo, seu significado e efeito, Col. Textos Filosóficos, nº 15, Edições 70, Lisboa 1987. 18. (326) Cf. Ibidem.

(327) CLIFFORD GEERTZ, La interpretación de las culturas, Col. Hombre y Sociedad, 5ª Edição, Editorial Gedisa, Barcelona 1992, 90. (328) Ibidem, 119.

(329) CARL SAGAN, Cosmos, Col. "Ciência/Aberta 5", Publicações Gradiva, LIsboa, 18. (330) Cf. CLIFFORD GEERTZ, op. cit., 549.

utiliza para a manifestação de realidades outras. Os símbolos recorrem a objectos concretos, mas como "sinais de uma realidade transcendente estes objectos anulam os seus limites concretos e (...)encarnam em si próprios, a despeito da sua precaridade e do seu carácter fragmentário, todo o sistema em questão (...). Um objecto que se torna num símbolo tende a coincidir com o todo" (331). Para além disso, o símbolo tem também por função prolongar ou substituir a dialéctica da hierofania. A sua importância, porém, não advém apenas do prolongamento ou substituição de uma hierofania, o símbolo pode continuar o processo de hierofanização e ser, em virtude de revelar uma realidade sagrada e cosmológica superior a qualquer outro tipo de manifestação, ele próprio uma hierofania (332). Para além disso, " a hierofania tende a incorporar o sagrado na sua totalidade, a esgotar, por si só, todas as manifestações da sacralidade" (333). Entre ele e a hierofania existe, porém, uma diferença que revela uma outra função do símbolo. Enquanto que na na hierofania se dá uma descontinuidade na experiência religiosa, em virtude da ruptura entre o sagrado e o profano e na passagem de um para o outro, no símbolo realiza-se, embora de forma confusa, visto o homem só esporadicamente tomar consciência desse elo, verifica-se uma permanente solidariedade do homem com a sacralidade (334). Por tudo isto, o símbolo integra o homem no cosmos.

Os símbolos religiosos tem também por função sintetizar o ethos de um povo com a sua cosmivsão da realidade. Eles formulam uma ligação coerente entre um estilo de vida e uma metafísica específica. Estas realidades sustentam-se mutuamente com a autoridade que cada uma confere à outra. A religião adequa as acções humanas à ordem cósmica e projecta as imagens desta ordem no plano da experiência humana (335).

Pode dar-se, porém, o caso, "quando o significado não é de modo algum apresentável e qundo o signo não se pode referir já a uma coisa sensível mas apenas a um sentido" (336), de atingir-se a imaginação simbólica. A imaginação simbólica assume um papel importantíssimo no equilíbrio biológico, psico-social, antropológico e do Universo.

Uma das suas funções consiste em opôr a vida à morte biológica. "Primeiramente, e no seu aspecto imediato, na sua espontaneidade, o símbolo aparece como restabelecendo o

equilíbrio vital comprometido pela compreensão da morte (...).

É a Bergson que cabe o mérito de ter estabelecido de forma explícita o papel biológico da imaginação, daquilo a que ele chama a função efabuladora. A efabulação é geralmente uma 'reacção da natureza contra o poder dissolvente da inteligência' (...), que se manifesta na consciência da decrepitude e da morte (...). A função da imaginação é antes de mais uma função de eufemização, não um simples ópio negativo, máscara que a consciência ergue face à horrenda figura da morte, mas pelo contrário dinamismo prospectivo, que através de todas as estruturas do projecto imaginário, tenta melhorar a situação do homem no mundo"(337).

Em segundo lugar, a imaginação simbólica mantém o equilíbrio psico-social, opondo, assim, o bom senso à loucura. A imaginação desempenha um papel de tampão entre a pulsão e a repressão. tem uma função pedagógica e terapêutica. Através do símbolo vai processar-se no indivíduo um reequilíbrio mental, acabando a consciência por sofrer uma revitalização moral (338).

Através dos símbolos processa-se a confrontação da cultura a nível planetário, obtendo-se o necessário equilíbrio antropológico. Tudo porque através deste confronto surge um "museu imaginário" onde os homens encontram os meios necessários à construção do humanismo e ecumenismo da alma humana (339). Não é, pois, de estranhar que desta confrontação se venha a

(331) Ibidem, 556. (332) Cf. Ibidem, 550. (333) Cf. Ibidem, 556. (334) Cf. Ibidem, 551.

(335) Cf. CLIFFORD GEERTZ, op. cit., 89.

(336) GILBERT DURAND, A imaginação simbólica, Col. Paralelo, nº5, 1ª Edição, Edições Arcádia, Lisboa, 12.13. (337) Ibidem, 120-122.

(338) Ibidem, 123. (339) Cf. Ibidem, 127.128.

formar uma antologia de símbolos a nível planetário. Verifica-se aqui um fenómeno retroactivo. Se por um lado o "museu imaginário" tende generalizar-se até se constituir numa antologia, por outro, tende também a generalizar o próprio museu. "E é então que a antropologia do imaginário se pode construir antropologicamente, essa que não pretende apenas ser uma colecção de imagens, de metáforas e de temas poéticos mas que se vê além disso obrigada a projectar o quadro compósito das esperanças e dos receios da espécie humana, a fim que cada um se reconheça nele e nele se confirme" (340).

Para uma cultura que tem na ciência e na razão os seus pontos de referência e que só aceita como válido tudo o quanto possa ser provado pelo método exprimental, os símbolos não possuem qualquer valência, daí terem sido mesmo menorizados pelo cientismo ocidental. No entanto, "a razão e a ciência não ligam senão os homens às coisas, mas aquilo que verdadeiramente liga os homens entre si (...), é essa representação afectiva, porque vivida, que constitui o império das imagens" (341).

A imaginação simbólica projecta, assim, a "cidade de Deus", salvaguardando o equilíbrio da cidade dos homens. "Se a função simbólica opõe a vida à morte biológica, se ela opõe o bom senso à loucura, a adesão aos mitos da cidade à alienação e à desadaptação, se enfim ela ergue a fraternidade das culturas e especialmente das artes num 'anti-destino' consubstancial à espécie humana e à sua vocação fundamental, eis que, levada ao extremo, o dinamismo desta função se prolonga ainda numa nova dialéctica (...).

Enfim, numa última dialéctica na qual a imagem persegue o sentido, a epifania busca uma figuração suprema para dar corpo a essa mesma actividade espiritual, e procura uma Mãe e um Pai para essa actividade espiritual, um Justo dos Justos, um Rei de Jerusalém Celeste, um Irmão divino que possa derramar como resgate 'uma gota de sangue" (342).

Desta dialéctica resulta uma tensão constante, com um fluir contínuo de representações. Esta diversidade resulta, para além das especificidades própria da cada época e lugar, do facto das imagens simbólicas procurarem adequar a presença de Deus no seio da humanidade aos anseios mais profundos e perenes do ser humano.

No documento Para além dos rostos de Cristo (páginas 59-61)