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O tempo também é uma construção linguística como aponta Robson Maia Lins:

Por ser uma construção, a noção de tempo que se colhe da realidade social é também ela um recorte operado por meio de uma linguagem. E sobre ela, pode-se dizer que ocupa, em relação à metalinguagem do direito, a posição de objeto, formando a realidade social.

(...)

Nessa linha, o tempo jurídico surge como resultado de um discurso performativo produtor de ficções que permitem reduzir as complexidades do fenômeno extrajurídico e instituir uma medida – juridicamente – qualificada para o seu transcurso.

(...)

O tempo jurídico, portanto, é instalado e operado pela linguagem do direito positivo, cujos atos são performativos. É dizer: fazem existir aquilo em que é enunciado. O discurso jurídico quando trate do tempo inaugura, continua ou extingue uma realidade, que passa a ser qualificada como jurídica e que nem sempre coincidirá com aquela social71.

Dessa forma, critério temporal é o lapso em que se considera ocorrido o fato jurídico tributário e, consequentemente, produzidos os seus efeitos. Indica que o momento em que se reputa ocorrido o fato jurídico-tributário é a condicionante de tempo do comportamento da pessoa física ou jurídica. Sendo certo que o comportamento praticado pelo sujeito passivo, há de acontecer em um determinado momento e em um local específico, o critério temporal reflete a coordenada de tempo em que nasce a relação jurídica tributária.

Geraldo Ataliba define critério temporal como “a indicação das circunstâncias de tempo, importantes para a configuração dos fatos imponíveis. Esta

71 LINS, Robson Maia. As normas jurídicas e o tempo jurídico. In: http://www.ibet.com.br/as-

indicação pode ser implícita ou explícita. Na maioria das vezes é simplesmente implícita”72.

Paulo de Barros Carvalho compreende o critério temporal como:

O grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária73.

Cumpre ressaltar que o momento em que se considera reputada a ocorrência do fato jurídico tributário não faz nascer automaticamente o vínculo obrigacional entre os sujeitos da relação tributária, pois o vínculo relacional só existirá a partir da sua constituição em linguagem competente. Por isso, distingue-se o tempo em que o fato ocorreu e o tempo em que ele se constitui. Daí exsurge a classificação “tempo no fato” e “tempo do fato”.

“Tempo do fato” é o momento em que o evento ocorrido no universo fenomênico foi vertido em linguagem competente, que pode ser uma sentença, um acórdão, um ato administrativo etc. Já “tempo no fato” é a data da ocorrência do evento. A regra-matriz de incidência se reporta ao “tempo no fato”, por se tratar de norma geral e abstrata.

A respeito desta distinção, aduz Paulo de Barros Carvalho:

O tempo do fato é aquele instante no qual o enunciado denotativo, perfeitamente integrado como expressão dotada de sentido, ingressa no ordenamento do direito posto, não importando se veiculado por sentença, por acórdão, por ato administrativo ou por qualquer outro instrumento introdutório de normas individuais e concretas. Tratando- se de fato jurídico tributário, é o tempo em que o expediente próprio, realizado por quem detiver a competência e na conformidade do procedimento previsto em lei, for tido por ato jurídico válido. Quando por sentença, no momento em que, tendo sido prolatada, as partes

72 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 84. 73

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 266.

forem intimadas de seu inteiro teor, pressupondo-se também um juiz competente e a subordinação do processo aos critérios estabelecidos pelo sistema. E, assim por diante, seja qual for o veículo que introduzir o enunciado no ordenamento, no preciso instante em que o expediente considerar-se juridicamente válido. O surgimento do fato, em tais situações, irá coincidir com o aperfeiçoamento jurídico do enunciado. Configurado juridicamente, eis o fato passando a compor o plano da facticidade do direito, o que significa fazer nascer direitos e deveres correlatos.

Algo diverso, porém, é o tempo no fato, isto é, a ocasião a que alude o enunciado factual, dando conta da ocorrência concreta de um evento. Quando se diz que, no dia 1º de janeiro de 1996, realizou-se o fato de alguém ser proprietário de bem imóvel, em certa localidade do Município de São Paulo, o fragmento de linguagem constitui um fato sobre o qual incide o IPTU. Se atribuirmos a data de 18 de maio, do mesmo ano, para que se tenha o relato acima como integrante do ato de lançamento tributário, celebrado por agente competente da Fazenda Pública e devidamente notificado ao sujeito passivo, será fácil perceber que 18 de maio é o tempo do fato, vale dizer, a unidade temporal em que o fato se configurou, ao passo que 1º de janeiro é o tempo no fato, quer significar, a marca de tempo a que se refere o enunciado fáctico.

A dualidade de marcos temporais é sobremaneira fecunda. Além de assinalar, com clareza e segurança, os critérios de aplicação da legislação correspondente, indica os efeitos constitutivos e declaratórios que o fato apresenta. Se não, vejamos: como já ficou assentado, o tempo do fato vai ser o ponto de referência para a aplicação do direito positivo, no que toca à sua feitura como enunciado, disciplinando todos os procedimentos relativos à configuração factual, incluindo-se a própria competência do agente da Administração, ou do particular, para instituí-lo. Os atos relativos à estruturação formal do enunciado jurídico serão governados pela legislação que estiver em vigor no momento da sua realização, isto é, no átimo em que for produzido prescritivamente, o que significa reconhecer, na unidade de tempo em que a norma individual e concreta do lançamento ou aquela expedida pelo particular nos termos da autorização legal, ingressarem no sistema do direito posto74.

74 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência. 9. ed. São

Assim, se no dia 1º de janeiro determinada pessoa for proprietária de imóvel urbano edificado ou não, será considerada tal situação como “tempo no fato”. Entretanto, se em maio do mesmo ano for realizado o lançamento tributário, tratar- se-á de “tempo do fato”.

O Código Tributário Nacional não esclarece explicitamente qual seria o critério temporal do IPTU. Comumente, é eleito pelo legislador o ano civil. Dessa forma, o critério temporal para o IPTU seria 1º de janeiro de cada ano. Todavia, não há óbice para que o legislador municipal estipule outro momento. Nesse sentido, as palavras de Alfredo Augusto Becker:

(...)

Por exemplo: o chamado imposto de propriedade territorial e predial tem como hipótese de incidência um estado de fato: a existência permanente, durante um ano civil, de imóvel objeto de direito de propriedade privada; todos os anos, enquanto o imóvel for objeto de direito de propriedade privada, o imposto será cobrado uma única vez e durante aquele ano não será cobrado outra vez o mesmo imposto, ainda que o imóvel, cada dia, tenha um proprietário diferente.

Comumente, a medida de tempo que o legislador escolhe para a realização do estado de fato é o ano civil; porém, nada impede que o legislador tome medida de tempo maior ou menor que a do ano civil. Assim, a realização do estado de fato poderá completar-se num semestre ou num trimestre ou num dia. Não há fundamento lógico, nem jurídico, que proíba ao legislador criar imposto de propriedade imóvel mediante regra jurídica que incida cada dia e, consequentemente, crie um novo dever jurídico tributário de pagar aquele imposto todos os dias.

A praticabilidade do sistema jurídico tributário do imposto pretendido e as diretrizes da política fiscal é que indicarão ao legislador qual a medida de tempo que ele deverá empregar na construção da regra jurídica tributária, isto é, quais as coordenadas de tempo que condicionarão a realização da hipótese de incidência75.

Em síntese, se a lei instituidora do IPTU não previr explicitamente qual será o momento de ocorrência do fato tributário, será considerado como tal o dia 1º

75 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2013. p.

de janeiro de cada ano. Se houver modificação na situação do imóvel, deixando de ser apenas territorial para ser também predial, sua cobrança, quando silente a norma, só poderá ser exigida no 1º de janeiro do exercício subsequente.

3 REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IPTU – CRITÉRIOS DO CONSEQUENTE