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No direito tributário, empregam-se os termos fiscalidade e

extrafiscalidade para indicar duas diferentes funções normativas. A “fiscalidade” é observada quando as disposições normativas do tributo manifestem finalidade arrecadatória. Por outro lado, verificando-se a indução de comportamentos sociais, políticos ou econômicos, por meio da oneração ou desoneração da carga tributária, trata-se de “extrafiscalidade”.

114 “Não se admite, diante do sistema normativo vigente, a utilização do tributo como instrumento para

a extinção da propriedade privada ou da livre concorrência (livre iniciativa), amplamente protegidas pela Constituição.” (CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade – Igualdade e Capacidade Contributiva. 2ª ed, São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 103).

Sobre extrafiscalidade, a lição de Geraldo Ataliba115:

Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados.

Segundo leciona Paulo de Barros Carvalho, não existem tributos exclusivamente fiscais ou exclusivamente extrafiscais116:

Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais ao setor da fiscalidade. Não existe, porém, entidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão-só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre outro.

Sobre a coexistência da fiscalidade e da extrafiscalidade na construção jurídica de cada tributo, assim leciona Alfredo Augusto Becker117:

Neste ponto germinal da metamorfose jurídica dos tributos, a transfiguração que ocorre é, em síntese, a seguinte: na construção jurídica de todos e de cada tributo, nunca mais estará ausente o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão sempre agora de modo consciente e desejado – na construção jurídica de cada tributo; apenas haverá maior ou menor prevalência neste ou naquele sentido, a fim de melhor estabelecer o equilíbrio econômico-social do orçamento cíclico.

Sobre a relação entre a extrafiscalidade e a capacidade contributiva, explica Elizabeth Nazar Carrazza:

115 ATALIBA, Geraldo. IPTU – Progressividade. Revista de Direito Público n. 93/233.

116 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.

228-229.

Através da chamada extrafiscalidade, o Estado atua buscando atingir os fins que lhe foram traçados pela Carta Suprema. Para tanto, utiliza-se dos impostos que incidem sobre fatos econômicos que, tendo em vista o interesse público, são agravados ou minorados em suas alíquotas, independentemente de se aferir a capacidade contributiva das pessoas.

Esta atividade extrafiscal está autorizada de maneira implícita ou explícita pela Constituição Federal. Exemplos típicos são os impostos que incidem sobre a importação e a exportação. Admite-se, nestes casos, o agravamento das alíquotas, com finalidades não tributárias, mas meramente ordinatórias.

De qualquer forma, mesmo quando o princípio da capacidade contributiva é posto de lado, em razão da natureza específica do imposto, a igualdade de tratamento tributário não pode ser afastada. Explica-se: diante de um tributo com finalidade eminentemente fiscal, o ordenamento jurídico exige que a igualdade entre dois contribuintes distintos utilize como critério a capacidade contributiva de cada um, considerando elementos pessoais de cada um para distribuir de forma igualitária a carga tributária. Todavia, diante de tributos voltados às finalidades extrafiscais (ordinatórias), a capacidade contributiva deixa de ser a medida mais adequada, haja vista que o que se procura não é atingir o substrato econômico dos contribuintes, mas conduzi-los de uma forma preferida pelo Estado, voltada à realização de uma determinada finalidade118.

Diversos são os tributos extrafiscais, como: o Imposto Territorial Rural (ITR), incidente de maneira mais onerosa no caso dos imóveis inexplorados ou de baixa produtividade, buscando atender, desse modo, à função social da propriedade e desestimulando latifúndios improdutivos; o IPI, no qual as alíquotas poderão ser seletivas em função da essencialidade dos produtos (art. 153, § 3º, I); os Impostos de Importação e de Exportação, os quais têm suas alíquotas elevadas ou reduzidas, conforme a política econômica adotada e; o IPTU, sobre o qual se falará a seguir.

A extrafiscalidade pode ser atingida através de benefícios fiscais, como anotam Geraldo Ataliba e José Artur Lima Gonçalves:

118

CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade – igualdade e capacidade contributiva. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 96-97.

(...) fim último é, sempre, o de impulsionar ou atrair os particulares para a prática das atividades que o Estado elege como prioritárias, tornando, por assim dizer, os particulares em participantes e colaboradores das metas postas como desejáveis ao desenvolvimento econômico e social por meio da adoção do comportamento ao qual são condicionados119.

Sobre o uso de incentivos e desestímulos fiscais como ferramenta da extrafiscalidade, cumpre mencionar novamente a opinião de Elizabeth Nazar Carrazza:

A extrafiscalidade pode ser exercitada através de incentivos ou de desestímulos fiscais. Através de incentivos fiscais, o Poder Público, reduzindo ou eliminando determinado imposto, objetiva estimular os contribuintes a desempenharem certas atividades. De outro lado, ao agravar alíquotas tributárias, desestimula condutas consideradas lícitas, mas não convenientes, sob o aspecto econômico, político ou social. Nesses casos, a capacidade contributiva pode ser afastada, a fim de que sejam alcançados valores consagrados pela Constituição Federal120.

No tocante à extrafiscalidade, voltada a estimular ou desestimular determinada prática econômica ou social, a capacidade contributiva e a vedação ao confisco devem ser respeitadas. Os tributos sempre guardarão um caráter de fiscalidade, pois a arrecadação sempre ocorrerá e, por isso, deve observar o princípio da capacidade contributiva. Quer isto dizer que, mesmo nas exações extrafiscais, a capacidade contributiva há de ser respeitada, sobretudo para que não assumam caráter confiscatório121.

119 Crédito-prêmio de IPI – direito adquirido – recebimento em dinheiro. Revista de Direito Tributário

n. 55, p. 167.

120 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade – igualdade e capacidade contributiva. 2.

ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 141.

121“É o que ocorre, por exemplo, no IPTU. A Constituição da República prevê, de forma expressa, a

progressividade da alíquota tributária no tempo, quando desatendida a função social da propriedade, nos termos do disposto no art. 182, § 4º. Mas, mesmo nesta hipótese, há de haver indenização pela perda da propriedade, ainda que não seja prévia e em dinheiro. Há uma expropriação compulsória de caráter sancionatório, já que decorre do descumprimento de um dever jurídico, limitador do exercício do direito de propriedade. Todavia, até nesse caso extremo, está prevista uma indenização em títulos da dívida pública.” (CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade – Igualdade e Capacidade Contributiva. 2ª ed, São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 106).