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2.2 Intervenção no Património

2.2.4 Critérios de actuação da DGEMN

Em 1929, é criada a DGEMN163 com o objectivo de reunir num único organismo os serviços de

obras de edifícios e monumentos nacionais. A DGEMN nunca elaborou um corpo teórico que definisse princípios concretos de intervenção nos monumentos. No entanto, fez publicar algumas regras de acção, que, por vezes, expressavam conteúdos contraditórios.

Para compreender os critérios praticados, verificar as propostas de intervenção e determinar a filosofia de actuação subjacente é necessário analisar os diversos processos de restauro. A colecção dos Boletins editados pela DGEMN constitui um bom instrumento de investigação.

Os Boletins são, segundo Maria João B. Neto,164 publicações de carácter propagandista,

que pretendem divulgar a grande obra do regime. São constituídas por uma monografia histórica, seguida da descrição das obras realizadas e, por último, da documentação gráfica e fotográfica que relatavam a situação antes e depois da actuação da DGEMN. Esta iniciativa, que pode parecer inovadora no panorama nacional, é decorrente de um

princípio metodológico expresso por Eugène Viollet-le-Duc165. Com efeito, o pensamento

desenvolvido por Viollet-le-Duc, apesar de muito baseado na unidade de estilo, permite sintetizar algumas implicações metodológicas que resultam em conceitos, muitos actuais, para as modernas teorias de conservação. Para Viollet-le–Duc, antes de qualquer trabalho de restauro era fundamental compreender as características e a época de construção de cada parte do monumento, por forma a descrever e registar essa observação numa memória descritiva e em peças gráficas.

Para os responsáveis da DGEMN a iniciativa da publicação destes Boletins representa uma sequência natural de trabalho, e confirma que as intervenções foram realizadas segundo critérios tidos como seguros e correctos. Tem que se analisar esta atitude enquadrada na “politica propagandista do Estado Novo, cujos valores culturais encontravam no restauro

dos monumentos um campo de expressão por excelência”166.

Neste contexto, salvo algumas excepções, os boletins não justificam os critérios adoptados, a notícia histórica não inclui uma investigação documental, nem uma análise arqueológica e/ou artística e a descrição dos trabalhos realizados é bastante esquemática.

No Boletim nº 1 é publicado um texto do Director-Geral, Henrique Gomes da Silva, que tinha sido apresentado no I Congresso da União Nacional em Maio de 1934, intitulado

“Monumentos Nacionais; orientação técnica a seguir no seu restauro”167. Este documento

constitui uma orientação técnica e filosófica sobre as intervenções que o Estado Novo iria

realizar nos monumentos, conferindo-lhes a “a pureza da sua traça primitiva”168, procurando

refazê-los dos “atentados (...) cometidos nos séculos XVII e XVIII”169. Ao longo do texto o autor

estabelece a comparação entre seis intervenções, consideradas exemplares, sublinhando a diferença entre os critérios seguidos antes e depois da criação da DGEMN. Do ponto de vista metodológico, segundo o engenheiro Gomes da Silva, deverá proceder-se, “antes do início de quaisquer trabalhos, a um exame minucioso do estado do monumento e das

possibilidades de restauração”170 por forma a que as intervenções se realizem em bases

sólidas, que não ofereçam qualquer dúvida.

Nas conclusões expressas, quanto aos critérios a seguir pela DGEMN, Gomes da Silva afirma:

1. Importa restaurar e conservar, com verdadeira devoção patriótica, os nossos monumentos nacionais (...) par que eles possam influir na educação das gerações

futuras171;

2. O restauro deve integrar o monumento da sua beleza primitiva, expurgando-o de excrescências e reparando as mutilações sofridas;

3. Serão mantidas as construções de valor artístico de um estilo diferente desde que o seu valor artístico assim o justifique.

O segundo critério apresentado por Gomes da Silva reflecte, ainda, um dos princípios da escola francesa de Viollet-le-Duc, já ultrapassada teoricamente na Europa. O último constitui uma norma aceite pelas teorias modernas de restauro, colocando-se, contudo, a questão da avaliação destas excrescências.

No Boletim nº 24172 é publicado, em 1941, um texto intitulado “reintegração dos monumentos”

que é de alguma forma uma resposta de Henrique Gomes da Silva ao texto crítico

que Raul Lino publicara no IX Boletim da Academia de Belas Artes173. Raul Lino defende

uma intervenção sensata que privilegia a autenticidade, a poesia, e o pitoresco. O seu pensamento está baseado no equilibro das teorias de Camillo Boito.

Em 1948, a DGEMN publica uma brochura a propósito da exposição sobre os 15 anos de Obras Públicas (1932-1947) do Estado Novo. No texto introdutório intitulado “Monumento Nacionais” existe alguma contradição teórica relativamente às orientações do engenheiro Gomes da Silva. Neste texto não se utiliza a palavra restauro, surgindo, ao invés, o termo de conservação, por oposição à reintegração, classificada como noção perigosa. Ao longo do texto, desenvolvem-se ideias de conteúdo teórico e filosófico, perfeitamente enquadradas nas teorias modernas do restauro. Para Domingos Bucho este texto é da

Ao nível dos critérios de intervenção da DGEMN, destaca-se, dentro uma prática dominada pela unidade de estilo (restauro integral), Raul Lino que critica a prática da reintegração estilística e propõe novas alternativas. Contudo, a sua atitude não teve repercussões imediatas. Só a partir dos anos 50 se inicia uma lenta mudança de orientação nas práticas de intervenção da DGEMN. Esta mudança foi provocada pela evolução dos estudos da história de arte ao nível nacional, pela aproximação e colaboração entre a DGEMN e

outras instituições da cultura com competência para a protecção das obras de Arte175,

assim como pela representação de técnicos portugueses em questões internacionais de defesa do património arquitectónico, tal como a participação portuguesa na redacção

final da carta de Veneza176. Esta carta mantêm-se actual à luz do pensamento teórico sobre

o restauro e conservação, sendo considerado uma peça fundamental para as filosofias recentes de intervenção.