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O papel da DGEMN no restauro das superfícies arquitectónicas

2.2 Intervenção no Património

2.2.5 O papel da DGEMN no restauro das superfícies arquitectónicas

Para analisar o papel da DGEMN no restauro das superfícies arquitectónicas há que distinguir as superfícies decoradas com valor artístico, nomeadamente a pintura a fresco e o esgrafitado dos restantes rebocos.

A história da redescoberta do fresco como técnica decorativa tradicionalmente usada para

revestimento de paredes e tectos é, em Portugal, relativamente recente177, destacando-

se o trabalho pioneiro, intitulado “A pintura a fresco em Portugal nos séculos XV e XVI”,178

de Vergílio Correira publicado em 1921. A pintura mural encontrava-se em grande parte desaparecida, deteriorada ou oculta por intervenções posteriores e praticamente ignorada enquanto elemento identificativo ou de referência historiográfica. Esta situação inverte-se com as contribuições e esforços precursores de Vergílio Correia e com as primeiras acções

de restauro e divulgação deste importante acervo pela DGEMN.179

Os dois Boletins180 publicados, em 1937 e 1961, dedicados à pintura mural, atestam o interesse

desta actividade artística, no que diz respeito ao seu valor iconográfico e histórico bem como aos problemas que se levantam no seu restauro.

Salienta-se que as intervenções de restauro da pintura mural realizadas pela DGEMN resultaram das obras levadas a cabo em monumentos, maioritariamente em edifícios românicos, cuja acção, orientada no sentido do restauro da arquitectura medieval, teve consequências ao nível da pintura mural tais como a necessidade de preservar os exemplos visíveis bem como aqueles que surgiam no decurso da intervenção. “O ciclo das restaurações

empreendidas pela direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais veio trazer para o estudo do fresco em Portugal, dois elementos de capital importância: as pinturas murais

da Capela da Glória, da Sé de Braga e as da Igreja de Bravães. Independentemente da acção restauradora, mas em consequência dela foram desvendados dois conjuntos picturais notabilíssimos”181.

Como reflexo de uma filosofia de intervenção que valoriza os elementos considerados

identificativos da nacionalidade182 a maioria das intervenções de restauro de frescos situou-

se no Norte do país, zona onde a arquitectura românica atingiu maior expressão “ o que fica

dito(...) mostra que perdido o sentido da utilidade e o interesse das decorações parietais pictóricas, substituídas pelos revestimentos entalhados ou esmaltados, os frescos haviam caídos no mais completo desprestígio. Acompanhavam na decadência a arquitectura medieval, menosprezada, deturpada ou mascarada, do século XVI em diante”183. Segundo

Margarida Donas Botto184 esta situação explica o reconhecimento tardio da pintura mural

do sul do país, que só recentemente foi alvo de estudos e acções de conservação. Os únicos exemplos meridionais referidos nos Boletins acima mencionados (Boletim nº 106, Dezembro 1961) são os frescos do edifício dos antigos Paços do Concelho de Monsaraz denominado o “Bom e o Mau Juiz” e os frescos da capela de S. João Baptista, junto à

Muralha, também em Monsaraz185.

Relativamente à metodologia de intervenção, a DGEMN procedeu “com critério idêntico

àquele que a norteia nos restantes trabalhos. Se se pode, com vantagem para o monumento e para as próprias pinturas conservar in-loco a decoração parietal, ainda que posterior, tanto melhor; mas se a manutenção envolve risco de dano para a obra, ou circunstâncias especiais indicam a intervenção do especialista, não se hesita em removê-las”186.

Hoje, adopta-se o conceito de conservação do património integrado, pelo que a extracção de uma pintura mural só se realiza em casos extremos e depois de verificadas todas as hipótese para conservar no local. Da leitura atenta do boletim pode constar- se que existiam, na época, poucas técnicas e tecnologias de restauro, nomeadamente para combater a humidade, “os frescos nestas condições têm de ser retirados, tornando-

se impossível muitas vezes a sua recolocação187”. No caso ainda, de existir sobreposição decorativa optava-se pela remoção das composições superiores porque as “pinturas

sotopostas são mais antigas”188. Os frescos removidos, depois de colocados sobre novo

suporte e restaurados, eram colocados em Museus189. Este tipo de situação passava-se,

também, na Europa, nomeadamente na Catalunha190 e em Itália.

A prática de remoção dos frescos, mesmo executada por técnicos experientes, implica sempre a destruição parcial do suporte, no caso do stacco a masello, das argamassas, no caso do stacco, ou da camada pictórica, o strappo, que é cortado e arrancado. Embora existisse desde 1911, uma comissão de inventariação e beneficiação das pinturas primitivas, a sua acção resumia-se a pequenas intervenções terapêuticas em pintura em tábua, realizadas em Lisboa, na Academia de Belas Artes, por dois técnicos. Face à dimensão das intervenções na pintura mural foi necessário um intercâmbio técnico com

Itália, tendo se deslocado a Portugal Cecconi Pricinpe, para realizar tais campanhas de restauro, nomeadamente de remoção das pinturas. Nos trabalhos de restauro executados pelo italiano estagiou um aprendiz português que continuou os restauros depois deste técnico se ter ido embora, “substituindo com vantagem de material e preço a colaboração

estrangeira191”.

Face ao exposto, considera-se pertinente sublinhar esta acção de colaboração internacional, própria do pensamento e filosofia contemporânea de preservação do património, entre a DGEMN e outras instituições com competência e tutela na salvaguarda das obras de arte. Embora esta cooperação possa ser interpretada como uma acção pontual, coloca-se a hipótese de que este relacionamento, ainda que embrionário, se tenha mantido. De facto, o Boletim posterior, dedicado aos frescos, menciona uma nova técnica de restauro, presumivelmente importada, para a protecção da pintura mural ou qualquer outro tipo de arte decorativa, que deverá ser aplicada antes de se realizar qualquer intervenção. Relativamente ao restauro dos esgrafitos, não há qualquer registo de ter sido utilizadas as práticas de restauro aplicadas à pintura mural, nomeadamente a remoção do suporte, que é bastante difícil e dispendiosa, devido à própria natureza do esgrafito e a consolidação através de groutings, que pode alterar a coloração das argamassas. Porém, estes revestimentos foram mantidos por uma contínua prática de utilização dos materiais tradicionais. Note-se que o cimento só começa a ser utilizado, nas sistemáticas intervenções de manutenção, nos anos 50 porque era um ligante caro.

As restantes superfícies arquitectónicas, monocromáticas e sem figuração, eram ignoradas, ou ainda destruídas, na procura arqueológica de elementos arquitectónicos primitivos, ou porque eram considerados excrescências pelo que “picar-se-ia o estuque e ressurgia por

fim, intacta, a unidade arquitectural da primeira Igreja”192.