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Critérios de avaliação de força estatal

CAPÍTULO 2: DEBILIDADE ESTATAL E CONSTRUÇÃO DE

2.1 DEBILIDADE ESTATAL

2.1.1 Critérios de avaliação de força estatal

A despeito das divergências entre autores quanto ao escopo e às funções ideais de um Estado, é consensual a definição de

um Estado Fraco como um país que, apesar de possuir reconhecimento jurídico internacional, sustenta com dificuldade as condições empíricas e institucionais que o caracterizam como um Estado de facto, como, por exemplo, o monopólio do uso da força e o controle da totalidade de seu território. Pode-se assim, de modo geral, fazer uma distinção entre Estados fortes e Estados fracos analisando a existência das duas bases cruciais para a legitimidade de todo Estado: a jurídica – reconhecimento por outros Estados; e a empírica – instituições políticas, base econômica, unidade nacional. Os Estados fortes são os que possuem as duas condições, ou seja, são reconhecidos como soberanos pelo sistema internacional e possuem instituições sólidas e boas base econômica e unidade nacional. Os Estados fracos têm sua soberania reconhecida, mas não possuem a condição empírica de Estado. Suas bases econômicas e suas instituições são fracas, e embora possam ter grandes territórios ou populações, possuem frágil unidade nacional e governos ineficientes e corruptos. São, ainda, incapazes de criar ou manter a ordem nacional, vulneráveis e dependentes de ajuda externa.

É clara a falta de segurança, liberdade, bem- estar, justiça e ordem neles. E, o mais importante, o Estado é, frequentemente, uma fonte de ameaça à população, em vez de oferecer proteção e segurança. Portanto, o problema de segurança básico nos Estados fracos é o conflito violento nacional e, em muitos casos, o próprio Estado assume de forma ativa uma parte no conflito contra grandes grupos da população (JACKSON e SØRENSEN, 2007, p. 388).

Segundo Rotberg (2004), a função primordial de qualquer Estado é a distribuição de bem políticos aos seus cidadãos. Conforme o seu desempenho nessa função, portanto, os Estados podem ser classificados como fortes, fracos, falidos ou em colapso. O bem político primário e mais importante é a segurança que o Estado deve fornecer à sua população, pois sem segurança os demais bens não podem ser assegurados. A possibilidade de participação dos cidadãos no processo político é outro bem político essencial, e engloba liberdades básicas de respeito e suporte às instituições, tolerância, e garantia dos direitos humanos e civis. Outros bens políticos seriam:

cuidados médicos e de saúde, escolas e um sistema educacional adequado, infraestrutura física, redes de comunicação, sistemas monetário e bancário, um contexto fiscal e institucional favorável ao crescimento econômico, e espaço para o florescimento da sociedade civil (ROTBERG, 2004).

Estados Fortes são bem-sucedidos no fornecimento de todos esses bens, enquanto Estados Fracos exibem um bom desempenho ao proporcionar alguns desses bens, e falham em outros. Quanto mais um Estado falha no suprimento desses bens políticos à sua população, categoria por categoria, mais fraco ele se torna e mais perto fica de se tornar um Estado Falido.

As principais características de um Estado Forte são: controle total do território nacional, fornecimento de bens políticos de boa qualidade, bom desempenho em indicadores como PIB e Índice de Desenvolvimento Humano, oferecimento de altos níveis de segurança, garantias de liberdades políticas e civis, judiciário independente e prevalência da lei, meio propício e favorável ao desenvolvimento econômico, boa infraestrutura e meios de comunicação, instituições estáveis, bom sistemas de saúde e educação.

Estados Fracos, por outro lado, têm desempenho ruim em indicadores sociais e econômicos, apresentam altos índices de violência urbana, conflitos étnicos, religiosos ou lingüísticos dentro de seus territórios, negligência ou ineficiência no suprimento de bens políticos essenciais, corrupção política venal e falhas no cumprimento das leis. Estados fracos são frequentemente governados por déspotas, eleitos ou não, e se caracterizam também pela repressão às liberdades políticas e civis de seus cidadãos.

Os Estados Falidos, além de apresentarem essas últimas características, estão imersos em conflito, tensão, e têm a autoridade do governo frequentemente contestada por facções rebeldes, que se aproveitam da incapacidade estatal de manter o controle sobre todo o seu território. Segundo Daniel Esty (1998),

Nestes casos, as instituições do Estado central foram tão enfraquecidas que não podiam mais manter a autoridade ou a ordem política para além da capital, e às vezes nem mesmo aí. Tais falências do Estado ocorrem geralmente em situações de violência generalizada e

guerra civil, muitas vezes acompanhados por graves crises humanitárias.

Mais do que a intensidade da violência, é sua duração que identifica um Estado Falido. Em muitos desses Estados, os governos se voltam contra a maioria de sua população, privilegiando apenas seus poucos aliados, tratando o patrimônio e os recursos estatais como privados, num ciclo de corrupção e incompetência crescentes.

Estados em colapso são uma versão extrema de um Estado Falido. Bens políticos são obtidos através de meios privados ou ilegais. A segurança se resume à lei do mais forte e existe uma verdadeira ausência de autoridade estatal. Senhores da guerra, terroristas e outros atores subestatais tomam controle de regiões, controlando seus recursos e população de modo autônomo, como feudos particulares. Prevalecem a desordem, comportamentos anômalos, mentalidade anárquica, e tráficos de drogas e armas compatíveis com redes externas de terror. Este estado de colapso, no entanto, não é necessariamente definitivo. Daniel Esty (1998) identificou alguns Estados cuja sobrevivência estava ameaçada no início dos anos 90, como Etiópia, Geórgia, Moçambique, Congo, Angola, Ruanda, Burundi, Chade e Serra Leoa. Ele constatou que Geórgia e Moçambique acabaram por se recuperar do colapso e voltaram a uma situação de Estado Fraco. Grande parte dos outros países citados terminou por sofrer sérios problemas humanitários, e só conseguiram se reconstituir sob novas lideranças e mudanças institucionais.

O nível de fracasso de um Estado também pode, plausivelmente, ser medido pela extensão territorial que ele é capaz de controlar e de proporcionar segurança e ordem. A falta de segurança faz com que os cidadãos se voltem naturalmente para outras figuras fortes, como líderes de facções rebeldes, terroristas, senhores da guerra ou traficantes de armas e drogas. As instituições são igualmente falidas, e a única que funciona é o executivo. O debate democrático é ausente e o judiciário e o burocrático seguem estritas ordens do executivo. As oportunidades econômicas e o suprimento de bens políticos são acessíveis apenas para os poucos privilegiados, e as disparidades entre os mais ricos e os mais pobres é enorme. A inflação às vezes dispara porque os governantes usam os bancos centrais para imprimir dinheiro para sustentar seus luxuosos estilos de vida, enquanto a população lida com a situação frequente

de fome generalizada e falta de moradia. Estes, destituídos de condições básicas de vida se tornam alvos fáceis de qualquer um que ofereça comida e uma causa. O recrutamento de crianças de países africanos para grupos de guerrilha, por exemplo, é bastante comum em situações de guerras civis. O governo perde sua legitimidade à medida que cresce a percepção de que ele funciona apenas para poucos, e a população deixa de confiar no executivo e nas instituições estatais, incluindo as leis.