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Capítulo 4 — O processo de contratação pública

4.6. Critérios de exclusão e de seleção

4.6.1. Motivos de exclusão

As diretivas relativas aos contratos públicos reconhecem que determinados operadores não devem ser elegíveis para a adjudicação de contratos públicos, devido a graves infrações penais ou práticas pouco éticas. Além disso, reconhecem que os incumprimentos comprovados da responsabilidade empresarial ou um mau desempenho no passado podem constituir motivos de exclusão. Os motivos de exclusão são divididos em duas categorias: obrigatórios (que devem ser aplicados em todos os concursos) e discricionários (que os adquirentes públicos podem decidir aplicar, ou que a legislação nacional pode tornar obrigatórios). O quadro a seguir apresenta os motivos de exclusão obrigatórios e discricionários mais relevantes para os CPSR — as diretivas relativas aos contratos públicos estabelecem motivos adicionais (111).

Quadro 4. 3

Motivos de exclusão ligados aos CPSR

Motivos de exclusão obrigatórios (1) Motivos de exclusão discricionários (2)

Condenação por decisão final transitada em julgado por trabalho infantil ou outras formas de tráfico de seres humanos

Incumprimento de obrigações em matéria de pagamento de impostos ou contribuições para a segurança social — demonstrado por qualquer meio adequado

Incumprimento das obrigações aplicáveis nos termos da cláusula social e ambiental, ou seja, das obrigações em matéria ambiental, social e laboral estabelecidas pelo direito da União, por legislação nacional, por convenções coletivas ou pelas convenções fundamentais da OIT

Incumprimento de obrigações em matéria de pagamento de impostos ou contribuições para a segurança social — determinado por decisão judicial ou administrativa transitada em julgado e com efeito vinculativo.

Falta profissional grave que põe em causa a idoneidade

Deficiências significativas ou persistentes na execução de um requisito essencial no âmbito de um contrato anterior

Declarações falsas ou incapacidade para apresentar documentos comprovativos

(1) Artigo 57.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/24/UE. Ver igualmente o artigo 80.o, n.o 1, da Diretiva 2014/25/UE e o artigo 38.o, n.os 4 e 5,

para as concessões regidas pela Diretiva 2014/23/UE.

(2) Artigo 57.o, n.os 2 e 4, da Diretiva 2014/24/UE e artigo 38.o, n.o 7, da Diretiva 2014/24/UE. Para os contratos relativos aos serviços de

utilidade pública, a aplicação dos motivos discricionários pode variar consoante as regras nacionais (ver artigo 80.o, n.o 1, da Diretiva

2014/25/UE).

Todos os proponentes devem ser instados a confirmar que nenhum dos motivos de exclusão obrigatórios e nenhum dos motivos discricionários aplicados ao procedimento lhes dizem respeito. Os elementos de prova preliminares são fornecidos através do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP) ou podem ser fornecidos por outros meios de declaração sob compromisso de honra, dependendo do contrato em causa; no entanto, pode solicitar documentos comprovativos a qualquer momento, se entender que tal é necessário para a correta tramitação do procedimento (112).

Relativamente aos motivos de exclusão obrigatórios, o período máximo de exclusão é de cinco anos a contar da data da condenação por decisão transitada em julgado, salvo se a decisão tiver especificado um período mais longo. Quanto aos motivos discricionários, o período máximo de exclusão é de três anos a contar da data do facto pertinente (113). Em ambos os casos, os proponentes podem, apesar da existência de um ou mais motivos de exclusão, procurar demonstrar a sua fiabilidade (através das chamadas «medidas de limpeza automática»). Para tal, terão de fornecer provas das medidas específicas tomadas para corrigir e evitar outras infrações penais ou faltas graves, tais como o ressarcimento de eventuais danos causados, uma colaboração ativa com as autoridades responsáveis pelo inquérito e medidas concretas técnicas, organizativas e de pessoal (114).

(111) Artigo 57.o da Diretiva 2014/24/UE, artigo 80.o da Diretiva 2014/25/UE e artigo 38.o da Diretiva 2014/23/UE.

(112) Artigo 59.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24/UE. Também é possível rescindir um contrato se o adjudicatário estava numa das situações de

exclusão obrigatória à data da adjudicação [artigo 73.o, alínea b), da Diretiva 2014/24/UE, artigo 90.o, alínea b), da Diretiva

2014/25/UE e artigo 44.o, alínea b), da Diretiva 2014/23/UE].

(113) Artigo 57.o, n.o 7, da Diretiva 2014/24/UE, que pode igualmente aplicar-se aos serviços de utilidade pública (ver artigo 80.o da

Diretiva 2014/25/UE), e artigo 38.o, n.o 10, da Diretiva 2014/23/UE. A legislação nacional também pode especificar períodos de

exclusão mais curtos.

Cabe ao adquirente público avaliar as referidas medidas e decidir se são suficientes para permitir que o proponente participe no concurso. Em caso negativo, deve ser transmitida ao proponente uma exposição dos motivos dessa decisão.

Combate ao trabalho infantil nas cadeias de abastecimento — legislações francesa e neerlandesa

É obrigatório excluir dos procedimentos de contratação as empresas condenadas por crimes de trabalho infantil ou tráfico de seres humanos. Tendo em conta que estas violações ocorrem geralmente em cadeias de abastecimento muito complexas, pode afigurar-se difícil obter informações fiáveis sobre as mesmas. Tanta a França como os Países Baixos adotaram legislação relativa ao dever de diligência, que imputa às empresas a obrigação de determinar se existem riscos de trabalho infantil nas respetivas cadeias de abastecimento, de tomar medidas contra essa prática e de tornar públicas essas medidas.

Nos casos em que essa legislação se aplica aos proponentes para um contrato, o desrespeito do dever de diligência pode desencadear uma exclusão em virtude do artigo 57.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2014/24/UE (incumprimento das obrigações aplicáveis nos termos da cláusula social e ambiental). O mesmo não se verifica caso a legislação relativa ao dever de diligência não seja aplicável ao proponente, por exemplo, devido à localização da sua sede ou ao número de trabalhadores.

4.6.2. Critérios de seleção (115)

Ao passo que os critérios de exclusão incidem nos fatores negativos suscetíveis de o impedir de adjudicar um contrato a um proponente, os critérios de seleção podem ajudá-lo a identificar os proponentes em melhores condições para satisfazer os aspetos sociais do seu contrato. Concretamente, a definição de critérios de seleção adequados, com base na capacidade económica e financeira, nos recursos técnicos e humanos e na experiência, pode contribuir para pôr em prática os CPSR e, ao mesmo tempo, garantir que um vasto leque de organizações possa concorrer ao seu contrato.

Seguem-se alguns exemplos de critérios de seleção passíveis de contribuir para os CPSR:

— Requisitos de capacidade financeira (p. ex., volume de negócios, rendibilidade), que sejam limitados ao necessário para assegurar que o proponente é capaz de executar o contrato e não restrinjam a participação de organizações da economia social, empresas sociais e organizações comunitárias e sem fins lucrativos;

— Critérios que exijam uma experiência específica e especialização comprováveis das organizações e/ou das respetivas equipas no tratamento de questões sociais pertinentes para o seu contrato (p. ex., acessibilidade, igualdade de género e não discriminação);

— Capacidade técnica para controlar as práticas laborais ao longo da cadeia de abastecimento (116), incluindo sistemas de gestão e parcerias com outras organizações; e/ou

— Provas da conclusão bem-sucedida de contratos anteriores abrangidos por requisitos sociais similares (p. ex., recrutamento e oportunidades de melhoria de competências para estagiários ou trabalhadores desfavorecidos).

Ligação ao objeto e proporcionalidade nos critérios de seleção

Todos os critérios de seleção devem estar ligados e ser proporcionais ao objeto do contrato. Significa isto que não deve adotar uma abordagem genérica na definição dos critérios de seleção, mas sim verificar se estes são adequados para a concretização dos seus objetivos (incluindo os objetivos dos CPSR) e se não vão além do necessário.

Caso solicite, por exemplo, provas de medidas de gestão da cadeia de abastecimento, não pode exigir que as mesmas vão além do âmbito daquilo que está a adquirir (p. ex., a inclusão de todas as operações de uma empresa). Deve, por outro lado, evitar estabelecer requisitos de experiência anterior demasiado abrangentes ou demasiado restritivos – tenha em conta que alguns proponentes poderão ter adquirido experiência significativa noutros setores ou domínios de atividade. Esta abordagem dos critérios de seleção contribuirá igualmente para assegurar a possibilidade de organizações da economia social, empresas sociais e organizações sem fins lucrativos concorrerem ao seu contrato.

(115) Artigo 58.o da Diretiva 2014/24/UE, artigo 80.o da Diretiva 2014/25/UE e artigo 38.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/23/UE.

As provas no que respeita aos critérios de seleção são facultadas, em primeira instância, através do DEUCP ou podem, nalguns casos, ser fornecidas por outros meios de declaração sob compromisso de honra. Tal como acontece com os critérios de exclusão, podem ser solicitados documentos comprovativos a qualquer momento durante o concurso. Ao contrário dos critérios de exclusão, os critérios de seleção devem ser específicos para cada contrato, a fim de garantir que sejam proporcionais e estejam ligados ao objeto.

No atinente à acessibilidade, a norma EN 17161:2019, relativa à conceção para todos (117), define uma abordagem de conceção da acessibilidade para os produtos, bens e serviços que visa alargar o leque de utilizadores. Pode fazer referência a esta norma nos critérios de seleção, no âmbito dos seus requisitos de capacidade técnica, para determinar se os proponentes dispõem de procedimentos adequados para fornecer produtos e serviços acessíveis. Neste caso, as provas de conformidade com normas equivalentes também devem ser consideradas.

Boas práticas

— Utilize critérios de exclusão obrigatórios e facultativos para garantir que os proponentes não tenham cometido violações da legislação social ou laboral ou das convenções coletivas aplicáveis.

— Desenvolva critérios de seleção específicos para o seu contrato, que visem aspetos sociais pertinentes relacionados com os recursos técnicos e humanos e a experiência. Evite aplicar critérios financeiros ou de outra natureza suscetíveis de obstar à participação de organizações da economia social e empresas sociais.

— Pondere antecipadamente o tipo de elemento de prova a solicitar aos proponentes antes da adjudicação do contrato e de que modo essas informações permanecerão atualizadas durante a execução do contrato.

— Sempre que recebe propostas oriundas de outro Estado-Membro da UE, pode consultar o eCertis (118) para o ajudar a perceber que provas são fornecidas à outra parte.

Aplicação das convenções da OIT na contratação pública de produtos têxteis por um ministério checo Objetivo do concurso

Em 2015, o Ministério checo do Trabalho e dos Assuntos Sociais desenvolveu a sua própria estratégia de contratação pública socialmente responsável, que utiliza para nortear a elaboração de concursos. A estratégia foi posta em prática num concurso relativo a peças de vestuário destinadas a ser distribuídas por organizações de beneficência a pessoas carenciadas. Essa aquisição foi cofinanciada por fundos europeus.

Abordagem

A fim de prevenir violações graves dos direitos laborais e sociais no processo de produção de têxteis, o Ministério exigiu aos proponentes o estabelecimento de um sistema que garanta que os direitos laborais protegidos pelas convenções da OIT (trabalho infantil, trabalho forçado, etc.) não tenham sido desrespeitados durante o fabrico dos bens comprados. Tratou-se, pois, de um critério de seleção. Nesta fase, o Ministério centrou-se unicamente nas condições reais verificadas nos processos de produção de têxteis, e não na produção de matérias-primas. Os proponentes podiam demonstrar o cumprimento desse requisito com uma filiação junto da Fair Wear Foundation (Fundação para o Comércio Justo de Vestuário) ou apresentar uma declaração sob compromisso de honra. Neste último caso, os proponentes tinham de identificar o fabricante de cada tipo de produto, a marca e o local de fabrico. O objetivo era permitir ao adquirente ter um certo nível de controlo sobre as condições de trabalho na cadeia de abastecimento.

Resultados

Os riscos de infração às normas laborais e sociais durante o fabrico dos produtos têxteis foram reduzidos graças à utilização de requisitos sociais na fase de seleção, o que permitiu tornar as cadeias de abastecimento dos proponentes mais transparentes. Segundo as informações transmitidas pelo proponente selecionado, uma parte considerável da produção situa-se na UE. Demais, parte da produção é efetuada por reclusos, que, nesse processo, desenvolvem competências de trabalho e referências que apoiarão a sua reinserção social quando forem libertados.

(117) Ver: https://standards.cen.eu/dyn/www/f?p=204:110:0::::FSP_PROJECT:62323&cs=13275480BC8D2104048D1E2104EAD11A2

(118) O sistema de informação eCertis permite-lhe identificar facilmente os diferentes certificados utilizados nos procedimentos de

contratação pública na UE. A sua função de pesquisa funciona em todas as línguas da UE. Pode consultá-lo aqui: https://ec.europa.eu/ /tools/ecertis/#/search

Ensinamentos adquiridos

Uma simples exigência de transparência nas cadeias de abastecimento pode propiciar vantagens inesperadas que superam os requisitos do contrato. Este concurso estabeleceu a possibilidade de aplicar a transparência das cadeias de abastecimento como uma condição de participação. As condições de acompanhamento durante a execução do contrato continuam a constituir um desafio.

Defesa dos direitos humanos através dos contratos públicos no município de Stavanger (Noruega) Objetivo do concurso

O município norueguês de Stavanger é pioneiro na aplicação de critérios éticos na sua contratação pública — incluindo a utilização de critérios de seleção orientados para fins específicos. Desde 2010, exige aos proponentes que documentem as respetivas cadeias de abastecimento, com ênfase nos contratos que apresentam maiores riscos de violações dos direitos humanos.

Abordagem

É realizada uma avaliação dos riscos anual para todos os futuros contratos. Em relação aos contratos de alto risco, tais como os contratos relativos a têxteis, equipamentos de TIC e equipamentos médicos, são aplicados critérios de seleção abrangentes relacionados com o comércio ético. Estes critérios incluem exigências aplicáveis aos fornecedores, que devem dispor de sistemas de rastreabilidade da cadeia de abastecimento, um processo de avaliação dos riscos e um código de conduta de fornecedor. O código de conduta tem de respeitar as condições contratuais éticas do município de Stavanger (que assentam nas principais convenções da ONU e da OIT e na legislação nacional do local de produção). Para preparar o mercado, são realizados seminários de fornecedores. Durante a fase de execução do contrato, são utilizadas informações provenientes de sistemas de terceiros, nomeadamente da Ethical Trading Initiative (Iniciativa Comércio Ético), bem como reuniões individuais com os fornecedores e questionários.

Resultados

A utilização de critérios éticos e os esforços para garantir o cumprimento das condições estabelecidas nos contratos visados têm vindo a surtir efeitos de forma lenta, mas com segurança. Considera-se que a ênfase dada continuamente aos direitos humanos, à sustentabilidade e à responsabilidade social na contratação pública permitiu inscrever estas questões nas agendas dos fornecedores, bem como de outros intervenientes dos setores público e privado. Através do diálogo com os fornecedores e com diferentes redes, auditorias documentais, inspeções a fábricas, etc., o município de Stavanger tem vindo a aumentar as suas competências internas nesta matéria. O município espera estar pronto muito brevemente para experimentar métodos ainda mais aprofundados, por exemplo, complementar os critérios de seleção com novos critérios de adjudicação, a fim de salvaguardar os direitos humanos e a sustentabilidade nos contratos públicos. Atualmente, os critérios utilizados estão associados ao processo de qualificação. A utilização de critérios de adjudicação é, portanto, o próximo passo óbvio.

Ensinamentos adquiridos

São necessários procedimentos simplificados para assegurar o cumprimento das condições contratuais éticas. Neste sentido, o município faz parte de uma comissão de peritos juntamente com outros municípios, agências públicas e universidades na Noruega. O município de Stavanger dirige uma equipa centrada na indústria têxtil e participa ainda numa equipa centrada na construção civil e nos materiais de construção. Além disso, o município integra o Grupo de Interesse Procura+ sobre os CPSR de TIC. Estas redes fornecem ao município casos e contributos pertinentes para os documentos dos concursos e os esforços de conformidade.

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