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Capítulo 4 — O processo de contratação pública

4.2. O regime simplificado

Durante a revisão de 2014 das diretivas relativas aos contratos públicos, reconheceu-se que, para determinados serviços — nomeadamente os relativos às atividades sociais, de saúde, de educação e à comunidade —, deveriam aplicar-se regras distintas. Pela sua natureza, estes serviços têm, por norma, um interesse transfronteiriço reduzido e são, além disso, organizados de forma diferente na UE, refletindo diferentes tradições culturais. Por estes motivos, foi estabelecido um «regime simplificado» distinto, que cria oportunidades únicas para CPSR.

Quadro europeu de qualidade dos serviços sociais

Em 2010, foi adotado o quadro voluntário europeu de qualidade dos serviços sociais. Este quadro define princípios qualitativos para os serviços sociais e critérios operacionais para apoiar a execução e o acompanhamento. Destina-se tanto aos adquirentes públicos responsáveis pelos serviços sociais, como aos prestadores de serviços e respetivos funcionários.

Os princípios qualitativos globais referem que os serviços sociais devem ser disponíveis, acessíveis, financeiramente acessíveis, centrados nas pessoas, abrangentes, permanentes e orientados para os resultados. Cada um destes princípios é explicado de forma mais pormenorizada no quadro.

Os princípios e critérios são particularmente relevantes para os serviços abrangidos pelo regime simplificado. Por exemplo, podem ajudar a estruturar a consulta e interação com os utilizadores no planeamento e na adjudicação dos serviços. O quadro integral está disponível na seguinte hiperligação.

O regime simplificado relativo aos serviços sociais e outros serviços específicos (89) define um limiar mais elevado para a aplicação das regras da UE aos referidos serviços e permite que os Estados-Membros instituam regras nacionais para a respetiva contratação. Mercê da ampla margem discricionária deixada aos Estados-Membros nesta matéria, as normas processuais aplicáveis aos serviços sociais e outros serviços específicos podem variar consideravelmente no território da UE. Nos termos da legislação da UE, continuam a aplicar-se apenas os princípios essenciais da transparência e da igualdade de tratamento previstos no Tratado, assim como o requisito de publicação de um anúncio para publicitar o contrato e a sua adjudicação.

No quadro destes princípios essenciais, é possível aplicar processos de adjudicação a contratos do regime simplificado, com maior flexibilidade do que nos contratos plenamente abrangidos. Por exemplo, os utentes e os potenciais prestadores de serviços podem ter uma participação mais estreita na conceção do serviço, havendo margem para negociar diversos aspetos, tais como a qualidade, a cobertura e as disposições em matéria de pessoal. É também possível aplicar procedimentos que tenham por base os definidos nas diretivas relativas aos contratos públicos, mas com adaptações específicas que os tornem mais adequados para os serviços que estiver a contratar (90). Por exemplo, pode desejar realizar reuniões de diálogo com os proponentes antes de publicar o convite à apresentação de propostas/memória descritiva, ou ajustar os prazos ou o número de proponentes convidados a concorrer.

As caixas que acompanham a presente secção incluem outros exemplos que ilustram a utilização do regime simplificado nas práticas nacionais.

Exemplos de legislação/orientações nacionais sobre o regime simplificado: França e Escócia

Em 2019, três ministérios franceses publicaram conjuntamente a versão atualizada de um guia sobre os aspetos sociais da contratação pública. O guia reflete as diretivas relativas aos contratos públicos, transpostas para o direito francês pelo Decreto 2016-360 de 25 de março de 2016.

Entre outros tópicos, o guia analisa a aplicação do «procedimento adaptado», que pode ser utilizado para os serviços sociais e outros serviços específicos, tal como disposto nos artigos 27.o e 28.o do decreto. O guia recomenda formas de utilizar este procedimento para atingir os objetivos sociais, como a inserção de desempregados no mercado de trabalho. Por exemplo, os proponentes podem apresentar variantes para propor formas alternativas de atingir os objetivos sociais.

O guia realça, além disso, que o procedimento adaptado não permite limitar contratos a uma empresa específica, mas que podem ser utilizadas reservas, se for caso disso.

(89) Título III (artigos 74.o a 77.o) da Diretiva 2014/24/UE e artigos 91.o a 94.o da Diretiva 2014/25/UE. Nos termos do artigo 19.o da Diretiva 2014/23/UE, em relação às concessões para serviços sociais e outros serviços específicos, apenas são aplicáveis as regras relativas à publicação de um anúncio de pré-informação, aos anúncios de adjudicação e às vias de recurso.

(90) É importante indicar no anúncio de concurso se está a utilizar um dos procedimentos habituais ou um procedimento adaptado para

A Direção dos Assuntos Jurídicos francesa publicou igualmente diretrizes sobre a utilização do procedimento adaptado, salientando que este deverá permitir uma maior participação das PME e de outros proponentes «não tradicionais».

Na Escócia, foram elaboradas orientações específicas sobre a contratação pública de serviços de saúde e assistência ao abrigo do regime simplificado. As orientações formulam boas práticas para o envolvimento dos utentes dos serviços e dos prestadores de cuidados de saúde, o planeamento dos contratos públicos, incluindo, se for caso disso, requisitos de benefícios para a comunidade, e a gestão dos contratos após a sua adjudicação. São apresentados exemplos que ilustram formas de proteger a continuidade e a qualidade dos serviços em cada etapa do processo de contratação pública.

Uma parte significativa dos serviços enquadrados no regime simplificado consiste em serviços à pessoa. Como tal, estes serviços têm forte impacto no bem-estar dos seus beneficiários e exigem a realização de atividades de grande intensidade do fator trabalho. As regras da UE relativas à contratação pública reconhecem a importância de ter em conta uma série de considerações e aspetos qualitativos na contratação destes serviços. Por conseguinte, as regras nacionais aplicáveis aos contratos do regime simplificado devem assegurar que os adquirentes públicos possam ter em conta o seguinte: qualidade; continuidade; acessibilidade; acessibilidade económica; disponibilidade e exaustividade dos serviços; necessidades específicas das diferentes categorias de utilizadores, incluindo os grupos desfavorecidos e vulneráveis; envolvimento e capacitação dos utilizadores; e inovação. As regras nacionais podem igualmente especificar que os critérios de adjudicação destes contratos incluam a qualidade e sustentabilidade dos serviços.

Importa relembrar que pode haver várias formas de organizar a prestação de um serviço, incluindo os serviços sociais. Algumas não são de todo abrangidas pelas regras da contratação pública. Por exemplo:

— Pode desejar atribuir uma subvenção a uma ou mais organizações comunitárias (91); — A sua organização pode decidir prestar o serviço utilizando recursos próprios; ou

— A sua organização pode recorrer a um prestador interno ou cooperar com outros adquirentes públicos para prestar o serviço (92).

Caso exista o risco de conferir uma vantagem seletiva a qualquer empresa, devem ser consideradas as regras em matéria de auxílios estatais previstas nos artigos 107.o e 108.o do Tratado (93).

As diretivas relativas aos contratos públicos estabelecem a lista completa de serviços abrangidos pelo regime simplificado (94); a página seguinte apresenta uma seleção dos mais relevantes para os CPSR. Os serviços enumerados em negrito podem ser reservados para organizações com uma missão de serviço público (ver secção 4.3).

Boas práticas

— Ao definir o objeto do seu contrato, considere de que modo o objeto determina a base jurídica a aplicar, por exemplo, se é abrangido pelo regime simplificado.

— O objeto do seu contrato também determina, a par dos códigos pertinentes do CPV, o âmbito dos critérios de CPSR que pode aplicar, pelo que deve certificar-se de que incluiu todos os aspetos relevantes (p. ex., desenvolvimento de uma zona urbana que incluirá habitação social e serviços comunitários).

— Se for aplicável o regime simplificado, deverá consultar as regras e orientações nacionais e ponderar a melhor forma de organizar o procedimento para maximizar o valor social, por exemplo, através do envolvimento dos utilizadores no processo de contratação pública.

Exemplos de contratos adjudicados ao abrigo do regime simplificado

Os anúncios publicados no Jornal Oficial ilustram alguns métodos em que o regime simplificado é utilizado para atingir os objetivos sociais. Por exemplo, num contrato relativo a serviços comunitários de prevenção e bem-estar («Community prevention and wellness services»), um adquirente público optou por utilizar o procedimento concorrencial com negociação. O objetivo era iniciar uma conceção colaborativa e posterior execução de uma rede de serviços.

(91) Nos termos do considerando 4 da Diretiva 2014/24/UE: «[...] o simples financiamento de uma atividade, em especial através de

subsídios, frequentemente associado à obrigação de reembolsar os montantes recebidos que não sejam utilizados para os efeitos previstos, não se enquadra normalmente no âmbito de aplicação das regras aplicáveis à contratação pública». Ver também o considerando 114 da Diretiva 2014/24/UE e o considerando 120 da Diretiva 2014/25/UE.

(92) Neste caso, aplicam-se as regras aplicáveis aos contratos públicos e às concessões entre entidades no setor público, em conformidade

com o artigo 12.o da Diretiva 2014/24/UE e o artigo 17.o da Diretiva 2014/23/UE. Os artigos 28.o a 30.o da Diretiva 2014/25/UE

estabelecem regras aplicáveis às relações especiais para a contratação de serviços de utilidade pública.

(93) Para mais informações, ver http://ec.europa.eu/competition/state_aid/overview/index_en.html

O anúncio especificava os resultados esperados do concurso, incluindo: — Melhoria da qualidade de vida a nível individual e para as comunidades;

— Melhoria da saúde geral e do bem-estar das pessoas ao longo das suas vidas e assistência às pessoas na preservação da sua autonomia;

— Liberdade de escolha e controlo pelas pessoas dos serviços e apoios aos quais acedem. Os critérios de adjudicação centram-se no valor social e noutros aspetos qualitativos do serviço.

Outro exemplo é um acordo-quadro de prestação de serviços de assistência social a idosos. Neste caso, também houve uma adjudicação com base no procedimento concorrencial com negociação. Os prestadores interessados foram convidados a apresentar estratégias em matéria de apoio a pessoas frágeis a viver em casa, incluindo o fornecimento de equipamentos para assistência à distância.

Os critérios de adjudicação incidiam principalmente na qualidade do serviço prestado, nomeadamente as competências especializadas e os recursos afetados, e nos métodos utilizados para permitir aos beneficiários ficar em casa. No total, foram recebidas quatro propostas e o proponente selecionado foi uma PME.

Quadro 4.2

Extrato do anexo XIV da Diretiva 2014/24/UE – Serviços selecionados sujeitos ao regime simplificado e ao

artigo 77.o da Diretiva 2014/24/UE ou ao artigo 94.o da Diretiva 2014/25/UE, relativos a reservas (em negrito)

Descrição Código CPV

Saúde, serviços sociais e serviços conexos 75200000-8; 75231200-6; 75231240-8; 79611000-0; 79622000-0

[Serviços de fornecimento de pessoal auxiliar doméstico]; 79624000-4 [Serviços de fornecimento de pessoal de enfermagem] e 79625000-1 [Serviços de fornecimento de pessoal médico], de 85000000-9 a 85323000-9 [Serviços de saúde e ação social];

98133100-5, 98133000-4 [Serviços prestados por organizações

associativas de caráter social]; 98200000-5; 98500000-8 [Residências

particulares com empregados domésticos] e 98513000-2 a 98514000-9 [Serviços de fornecimento de pessoal para agregados familiares, Serviços de agências de pessoal para agregados familiares, Serviços de empregados para agregados familiares, Pessoal temporário para agregados familiares, Serviços de assistência ao domicílio e Serviços domésticos]

Serviços administrativos nas áreas social, da educação, da saúde e da cultura

85321000-5 e 85322000-2, 75000000-6 [Serviços relacionados com a administração pública, a defesa e a segurança social], 75121000-0

[Serviços administrativos na área da educação], 75122000-7 [Serviços administrativos na área da saúde], 75124000-1; de

79995000-5 a 79995200-7; de 80000000-4 [Serviços de educação e formação profissional] a 80660000-8, incluindo 80110000-8 [Serviços

de ensino pré-escolar], 80300000-7 [Serviços de ensino superior], 80420000-4 [Serviços de aprendizagem eletrónica (e-learning)], 80430000-7 [Serviços de ensino de nível superior para adultos], 80511000-9 [Serviços de formação de quadros], 80520000-5 [Instalações para formação] e 80590000-6 [Serviços de tutoria]; de

92000000-1 a 92700000-8, incluindo 92500000-6 [Serviços de

bibliotecas, arquivos e museus e outros serviços culturais], 92600000-7 [Serviços de desporto] 79950000-8 [Serviços de

organização de exposições, feiras e congressos], 79951000-5 [Serviços de organização de seminários], 79952000-2 [Serviços de eventos], 79952100-3 [Serviços de organização de eventos culturais], 79953000-9 [Serviços de organização de festivais], 79954000-6 [Serviços de organização de receções], 79955000-3 [Serviços de organização de desfiles de moda], 79956000-0 [Serviços de organização de feiras e exposições]

Serviços relacionados com a segurança social obrigatória (1)

75300000-9

Serviços relacionados com as prestações sociais

75310000-2, 75311000-9, 75312000-6, 75313000-3, 75313100-4, 75314000-0, 75320000-5, 75330000-8, 75340000-1

Descrição Código CPV

Outros serviços coletivos, sociais e pessoais, incluindo serviços prestados por organizações sindicais, organizações políticas, organizações de juventude e outras organizações associativas.

98000000-3; 98120000-0; 98132000-7; 98133110-8 [Serviços

prestados por organizações de juventude] e 98130000-3

Serviços prestados por organizações religiosas

98131000-0

Outros serviços administrativos e das administrações públicas

75100000-7 a 75120000-3; 75123000-4 [Serviços administrativos na

área da habitação]; 75125000-8 a 75131000-3

Prestação de serviços à comunidade 75200000-8 a 75231000-4 Serviços relacionados com estabelecimentos

prisionais, serviços de segurança pública e serviços de socorro, na medida em que não estejam excluídos por força do artigo 10.o, alínea h)

75231210-9 a 75231230-5; 75240000-0 a 75252000-7; 794300000-7; 98113100-9

Serviços internacionais 98900000-2 [Serviços prestados por organizações e entidades

extraterritoriais] e 98910000-5 [Serviços específicos às organizações e entidades extraterritoriais]

(1) Estes serviços não são abrangidos pela diretiva nos casos em que sejam organizados como serviços de interesse geral sem caráter

económico. Os Estados-Membros são livres de organizar a prestação de serviços sociais obrigatórios ou de outros serviços enquanto serviços de interesse geral ou enquanto serviços de interesse geral sem caráter económico.

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