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Cuidar: característica humana e fazer primordial da Enfermagem

7 CONSTRUÇÃO DOS RESULTADOS

7.2 O CUIDAR PROFISSIONALIZADO

7.2.1 Cuidar: característica humana e fazer primordial da Enfermagem

O cuidar é uma das práticas mais antigas da história do mundo, cuja função é assegurar a continuidade da vida, do grupo e da espécie. Durante muito tempo o cuidar teve um caráter apenas de tradição cultural, passada de geração a geração, sendo transmitido através das experiências humanas.

Aos poucos, o cuidar passou por um processo de profissionalização, tornando-se um atributo dos profissionais de saúde, ganhando espaço e singularidade na profissionalização da Enfermagem. Esta profissionalização foi marcada por inúmeros fatos históricos, dentre eles, uma forte herança advinda de um vínculo ligado à moralidade e á religiosidade e, posteriormente, na primeira metade do século XX, à adoção do modelo biomédico (TERRA et al, 2006b).

Mediante este breve histórico, compreendendo a existência das particularidades e das complexidades do ser-no-mundo docente, pudemos entender o quanto pode ser controversa a epistemologia do cuidar em relação à

Enfermagem; desde a concepção de alguns docentes, como TÉCNICA e

RESPONSABILIDADE, que compreendem o cuidar como prática exclusiva da

Enfermagem até a posição como a de MODELO.

TÉCNICA e RESPONSABILIDADE afirmam que Enfermagem é a profissionalização do cuidar e que o cuidar é “ação primordial”, é “essência” da Enfermagem. Leininger (1978) e Watson (1988) defendem em suas teorias que o cuidado é a razão existencial da Enfermagem, sendo sua característica essencial. Segundo elas, embora o cuidado se constitua como um atributo para todos os seres

humanos, na área da saúde e, em especial na Enfermagem, o cuidado é genuíno e peculiar.

No entanto, MODELO concebe o cuidar em Enfermagem como ato

universal, conforme afirma:

no caso da enfermagem, o cuidar não se refere somente a atributos dos enfermeiros, nem da enfermagem, portanto o cuidar pra mim tem um conceito amplo de cuidar o todo, aonde você faz parte e aonde você não faz parte (MODELO).

Este conceito amplo de cuidar do todo, proferido por MODELO e não

exclusivo da Enfermagem é descrito também por Swanson (1991), quando esta

teórica da Enfermagem sustenta que o cuidado é o principal fenômeno da Enfermagem, apesar dele não ser atributo, exclusivo, dessa profissão.

Todavia, é na Enfermagem que o cuidado se concretiza plenamente e se profissionaliza. São os seus profissionais que empreendem a maior parte do tempo, da energia, da vida para estar com o outro, numa relação dialética e de interatividade, ultrapassando uma dimensão, unicamente racional e assistencialista do fazer tecnificado, para alcançar uma dimensão multidimensional e relacional do cuidado (BACKES et al, 2006).

Inicialmente, TÉCNICA refere-se ao cuidar como um processo de assistir as necessidades humanas básicas, em alusão à teoria de Enfermagem de Wanda Aguiar Horta (1979). Em sua fala, Técnica nos diz que

cuidar para mim [está] no processo de assistir, no sentido de assistir as necessidades humanas básicas do indivíduo, e tomando as necessidades básicas como multidimensional. O cuidar não só do corpo todo do ponto de vista biológico [...] eu recém-graduada adentrei no mundo da enfermagem com a concepção que o cuidar é o fazer, é a ação primordial da enfermagem enquanto profissão. Evidentemente, dentro de uma concepção [...] porque nós cuidamos, o ser humano acolhe, cuida o tempo todo, cuida da boneca, cuida do animalzinho, e assim, em se tratando do mundo profissional, o processo de cuidar ele se dá, cientificamente falando [...] você não pode fazer por fazer, você tem que ter um norte, [uma] concepção clara da sua ação: o cuidar, assistir, gerir (TECNICA).

O cuidar para TÉCNICA encontra-se no processo de assistir, precisando ser permeado por um conjunto de elementos que o fundamenta teórica e cientificamente, que parta de ideias prévias, como fazer, assistir e gerir, ação primordial, oriundas da sua formação acadêmica.

Waldow (2007) não faz alusão a um processo de assistir, mas á existência de um “processo de cuidar” na Enfermagem, como sendo a forma na qual ocorre o cuidado. O processo é interativo entre cuidador e ser cuidado; constitui todas as atividades desenvolvidas pelo cuidador para e com e o ser cuidado, com base em conhecimento científico, habilidade, intuição, pensamento crítico, criatividade, acompanhadas de comportamentos e atitudes de cuidado, no sentido de promover, manter e/ou recuperar sua dignidade e totalidade humanas.

O cuidado, nesta perspectiva, não significa renúncia de conhecimentos e técnicas, mas, envolve uma apreciação original e singular do outro, se estabelecendo a partir de forças internas, ou seja, pela troca entre o mundo interior e exterior do ser cuidado e do ser cuidador. O cuidado se refere aos atos decorrentes do processo de interação entre as pessoas, uma vez que o mesmo promove uma relação de troca e empatia entre os envolvidos.

Responsabilidade faz alusão ao fenômeno cuidar, como essência de sua prática profissional, ao referir que

a essência [da enfermagem] é cuidar, não é fazer tratamento, como tem muito enfermeiro querendo virar médico. É cuidar, cuidar do ser humano, dentro da sua área de atuação (RESPONSABILIDADE).

Na fala, apreendemos um discurso ainda moldado sob a lógica da atribuição do valor verticalizado, em detrimento da lógica do status humano. Uma profissão que ainda teme a submissão médica e ao mesmo tempo a valoriza, haja

vista a, importância a ela dada quando RESPONSABILIDADE menciona que tem

muito enfermeiro querendo virar médico, e que a profissão, segundo a docente, possui a peculiaridade de preservar a especialidade, de garantir o cuidar dentro de

sua área de atuação, mesmo perante todo o atual debate de mudança paradigmática que refuta a fragmentação, a redução e a especialidade.

De acordo com Carvalho (2004, p. 82), “cuidar envolve atos humanos, dotado de sentimento e fundamentado em conhecimento”. Cuidar é ligar-se à sua fonte de vida, a partir do que, se não se curar, pelo menos poderá relativizar o seu sofrimento, encontrando sentido para sua experiência. Cuidar envolve relacionamento interpessoal, que é originado no sentido de ajuda e de confiança, de empatia mútua e desenvolve-se com base em valores humanísticos e em conhecimento técnico científico.

O cuidado de Enfermagem é a expressão de uma relação de interdependência, que só existe a partir de um contexto de troca e de despertar da vida. Assim, o ato de cuidar integra a racionalidade do afeto, envolve estratégias para completar o potencial de mudanças, de construção e reconstrução de conhecimentos, de ruptura de paradigmas, tendo como foco a construção da autonomia e liberdade, síntese das diversas formas de cuidar.