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O ensino do cuidar: contraponto ao modelo biomédico

7 CONSTRUÇÃO DOS RESULTADOS

7.3 O ENSINO DO CUIDAR

7.3.3 O ensino do cuidar: contraponto ao modelo biomédico

A docente denominada MODELO inspirou este tópico do trabalho a partir das suas exposições acerca do cuidar. Ela exemplifica que a experiência vivida no ensino do cuidar sofre influências de modelos, os quais dificultam ou possibilitam uma prática profissional voltada aos interesses majoritários da população, ou apenas ao atendimento de grupos minoritários.

Bastante coesa em seus princípios, ressalta a iminente ameaça que traz, um paradigma individualizante e curativista em saúde, para a formação de novos profissionais, ávidos de tecnologias e imaturos de decisões políticas, além de colocar como pensa e age frente a essa compreensão paradigmática vigente, reconhecendo a possibilidade de fazer diferente e de mudar.

Os alunos chegam, assim, muito retos, naturalmente, querem aprender a técnica, mas eu não posso ensinar somente a técnica pela técnica, [...] se não falar sobre a questão política que está influenciando nesse acompanhamento, tem que saber em que modelo você está mostrando, em que você está vivendo. Nós estamos enveredando no paradigma de modelo tal, e outros modelos, que ainda estão vigentes vão permanecer... porém, diante de todas as necessidades dessa população, não pode ser esse paradigma do curativismo, medicalizante, individual, que é um modelo muito

fixo e hegemônico, que eu estou sempre combatendo, e que o enfermeiro caminha igualzinho e querendo reivindicar isso (MODELO).

MODELO adverte em sua fala que o paradigma vigente não está direcionado ao ser humano em sua totalidade e que a dimensão de cuidar não extrapola os limites do unitário e da doença, o que ainda é reforçado pelos profissionais em seus processos de trabalho. Por outro lado, os estudantes assumem uma linearidade em sua postura de aprendiz, priorizando os procedimentos técnicos e científicos, em detrimento de outros saberes emanados das demais áreas de conhecimentos.

Na formação dos profissionais de saúde, a educação, pela via do sensível, é, por vezes, considerada menos importante que os aspectos cognitivos, que indicam na concepção de algumas escolas, sucesso futuro. A ideia comum, de acordo com Siqueira (2001, p. 191),

é que o professor entra na sala de aula para ensinar e que ele deve desenvolver o estatuto da lógica e da razão nos alunos para que estes aprendam as lições transmitidas. Assim, de imediato, já se confunde apreensão com aprendizagem.

O autor denota ainda que as “práticas cartesianas adestradoras do espírito humano vêm reprimindo e anestesiando a aprendizagem dos sentidos” (SIQUEIRA, 2001, p. 192).

A reivindicação por uma mudança paradigmática consistiria em transcender a abordagem curativa, hospitalocêntrica, fragmentada em especialidades, fundada em processos de trabalhos rigidamente divididos, alienados e na hegemonia do médico sobre a equipe de saúde. Em seu lugar, são propostas abordagens interdisciplinares, com resgate da integralidade da atenção, centradas na saúde, na comunidade, no fortalecimento das redes solidárias, na participação social e nas pessoas como sujeitos do seu processo de saúde/doença, seja em nível intelectual ou coletivo.

Sobre isso, MODELO ressalta:

A gente tenta incutir práticas alternativas na formação de nossos alunos, mas eu não sei até que ponto, pois, quando termina se pergunta [tem]

AIDPI? Porque AIDPI treina os enfermeiros para prescrever aquele medicamento para aquela doença e é permitido pelo programa [...] aí eu pergunto: que tipo de entendimento ético esses profissionais tiveram na escola? Porque sabiam muito bem que a gente não tem competências de prescrever nenhum medicamento, e eu continuo dizendo para os meus alunos, que vocês não são formados para passar medicamentos [...] Nós estamos discutindo formação, cuidando da formação, para que nossos alunos não sigam o modelo médico e nem sejam prescritores de medicamentos [...] isso eu gosto de discutir: a questão dos interesses e a ideologia dos empresários de grandes laboratórios [...] Eu estou sempre tentando discutir essas coisas com os nossos alunos com um pouquinho mais de sensibilidade para compreender melhor a nossa profissão. Tem muita coisa que a gente pode fazer sem está prescrevendo medicamento (MODELO).

Embora MODELO tenha dado ênfase a esse discurso, houve uma grande

convergência entre os sujeitos da pesquisa, em defesa da superação do modelo biomédico e do ensino do cuidar centrado em habilidades técnicas. Assim, MODELO

menciona, em sua fala, que procura discutir com seus alunos, durante o seu processo de ensino do cuidar, em prol da mudança paradigmática e da substituição do modelo vigente que centraliza a figura do médico como o ordenador do processo de trabalho em saúde, e, portanto, de maior importância no setor.

Neste sentido, acreditamos na possibilidade de mudança que considere que o lado racional e objetivo e a parte intuitiva e subjetiva da condição humana precisam estar juntos. Estes não podem viver divididos, afastados, como se nada tivessem a ver com o outro. “Precisam conviver, completar-se, fertilizar-se mutuamente. Um deve buscar no outro o equilíbrio que perdeu pela divisão e pelo afastamento” (MARIOTTI, 2002, p. 15).

Siqueira (2001) sugere uma nova educação que seja capaz de fazer emergir uma forma de ver que abrace o homem, a vida e o mundo de forma que comece pela própria formação, por meio da incorporação de outros modos de aprender-ensinar, e saber ver.

Mediante o exposto, Prado, Reibnitz e Gelbcke (2006) mencionam que para ser professor no ensino do cuidar em Enfermagem é preciso desenvolver competências que não orientem o seu agir pedagógico para o adestramento de seres humanos, mas que possibilitem o desenvolvimento da capacidade de considerar o aluno como um sujeito crítico, epistemologicamente curioso, que constrói o conhecimento do objeto ou participa de sua construção. Para isto, é necessário que nas ações educativas haja a substituição de um pensamento que

isola e separa por outro que distingue e une. É fundamental substituir um pensamento limitado e redutor por um pensamento complexo.

É preciso haver capacitações pedagógicas, que priorizem o cuidado, a troca de experiências entre os docentes e a constante atualização destes, pois sempre é necessário buscar meios, formas para construir e transmitir conhecimento e práticas que valorizem o cuidado humano. Para tanto é preciso criar um ambiente de cuidado em que suas relações sejam cultivadas (WALDOW, 2005).

Este agir pedagógico, de acordo com Mariotti (2002), precisa ser singelo, despretensioso, aparentemente insignificante, na verdade, precisa ser o ponto de partida para domínios mais amplos. Ele tem a propriedade de aos poucos convencer, mudar modos de pensar, transformar. Sua ação é quase imperceptível, mas sua constância e efeito cumulativo representam uma abertura para que as pessoas mesmo lentamente, se acostumem, resistam menos, tornem-se menos conservadoras.

Siqueira (2001), como expressado anteriormente, ressalta uma “educação do coração”, na qual o agir e o pensar pedagógico não usam modelos, mas sim momentos, espaços de criação e autocriação, que nos ensina lições de vida, de amor, de solidariedade e são, geralmente, aprendidos quando estamos interagindo um com o outro, sentindo a si mesmo, bricolando ideias e sonhando com um mundo melhor. Com a educação do coração podemos aprender que o ensino dever ter um compromisso ético e respeito com a vida e que “a vida não é um jogo de cartas marcadas ou uma escolha entre ‘isso ou aquilo’, mas a síntese entre ‘isso e aquilo’” (SIQUEIRA, 2001, p. 194).

7.3.4 O ensino do cuidar: identifica necessidades, compreende dificuldades e