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O ensino do cuidar: dicotomia entre a teoria e a prática

7 CONSTRUÇÃO DOS RESULTADOS

7.3 O ENSINO DO CUIDAR

7.3.1 O ensino do cuidar: dicotomia entre a teoria e a prática

Ao realizarmos as nossas conversas com os docentes, encontramos em algumas falas a alusão à dicotomia existente entre teoria e prática, relacionada aos processos pedagógicos, ou inerentes à prática profissional. Chamou-nos a atenção, todavia, o depoimento de TÉCNICA que, em diversos momentos, confessou existir dificuldades em seu agir pedagógico devido à carência dessa formação.

existe uma dicotomia muito grande entre a teoria e a prática, na minha ignorância pedagógica, não sou pedagoga, na verdade eu sou uma enfermeira assistencial, que estou no mundo da cardiologia, estou tentando me inteirar do mundo da pedagogia, da didática para melhor agir, para melhorar minha ação enquanto docente, no entanto, a minha experiência vivenciada nos últimos anos como docente, me deixa ganhar mais clareza de que eu só vou poder cuidar, assistir e gerir a minha ação do cuidar, se diminuir essa dicotomia entre a teoria e a prática [...] você é um técnico, um bom enfermeiro numa área de domínio de conhecimento e habilidades, no entanto, do ponto de vista pedagógico você vai cair numa instituição de ensino no qual esqueceram de lhe ensinar a pedagogia, eu acho que nós já vemos com muita clareza, eu nunca tive a oportunidade de estudar isso (TÉCNICA).

O depoimento evidencia anseios e conflitos em relação à sua ação docente, bem como uma lacuna no que tange à área de sua formação pedagógica, fato que é atribuído à responsabilidade institucional.

Segundo Morin (2001), esta fragmentação do pensamento leva à limitação de uma percepção global e, conseqüentemente, ao enfraquecimento do senso de responsabilidade, de vínculo, de consideração, pois cada indivíduo tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada. Também é bem possível um distanciamento da solidariedade, pois praticamente mais ninguém preserva seu elo com o contexto e com aqueles que dele fazem parte. O autor lembra ainda que

[...] a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimesionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, efeminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência para tratar nossos problemas mais graves constitui um dos mais graves problemas que enfrentamos (MORIN, 2001, p. 14).

Esta separação entre o pensar e o fazer é um dos motivos pelo qual o paradigma hegemônico se alicerça, se consolida, influenciado diretamente na prática pedagógica do ensino do cuidar em Enfermagem.

Mariotti (2002) entra nesta discussão afirmando que poucas escolas e faculdades “educam” verdadeiramente. A maior parte delas está predominantemente voltada para a tecnociência, instruindo, adestrando e treinando, poucas ensinam aos alunos a compreender que a percepção das relações e das interações pode diminuir a incerteza e, portanto, atenuar o medo.

Tal posição também é ressaltada por TÉCNICA, quando discorre sobre as dificuldades enfrentadas no ensino do cuidar, em decorrência do modelo de formação instituído. Para TÉCNICA,

no nosso modelo vigente eles [alunos] chegam ao final da disciplina e poucos atingem os objetivos reais. Não estou me referindo apenas às habilidades, mas, eles estão sempre mais atentos à ação do cuidar na habilidade técnica. E o que dificulta ainda mais esse processo é a dicotomia que existe entre a teoria e a prática.[...] Você está como formador profissional, você está como educador profissional, então nem sempre você consegue essa habilidade, apesar de todo o esforço pedagógico que você

faça. Às vezes pequenas reflexões acima daquela ação, enquanto cuidador, do ponto de vista humano [...] não só das ações de habilidades técnicas, das ações humanas, que aquele profissional incorpore, que não fique só nas discussões de humanização. Você ser humano acima de tudo tem que ser ético, pois a ética não se aprende em livro, o respeito humano não se aprende. Esse ser humano que é ético você aprende quando você sai da barriga da mãe, das ações que se aprende, do qual você foi gerido e criado.[...] aquela pessoa já está formada sua personalidade, então mudar um comportamento é muito difícil. Assim, você às vezes se contenta em ensinar habilidades, porque a gente acredita que na próxima instituição ele possa enxergar com mais clareza... então, como se orienta essa ação pedagógica? eu acredito que seja no cuidar, utilizando estratégias metodológicas que façam com que esse educando, na prática, possa diferenciar o que deveria ser e o que se apresenta, não aprenda em cima do que está errado, guarde na mente [...] por que às vezes você tem a sensação de que está ensinando o que não deveria ser, porque a instituição enquanto modelo para o educando, está inserindo ele nesse processo, no modelo distorcido do cuidar... (TÉCNICA).

TÉCNICA ressalta a necessidade de encontrarmos metodologias que possibilitem o ensino voltado para o cuidar humano, que possam ir além dos laboratórios de práticas e da execução de técnicas, isentas de sensibilidade e sentimentos.

Nós precisaríamos de uma metodologia que desse conta de trabalhar esses laboratórios humanos reais, porque o hospital para o educando é um laboratório humano, porque os laboratórios de simulação não existem, existem para algumas técnicas, mas não existe para o cuidar. Por mais que você coloque o aluno no laboratório para demonstrar uma técnica humana, mas aquele boneco não tem nenhuma reação, não tem nenhum sentimento. Então, você vai ter que estruturar esses mecanismos de ensinar enquanto cuidador, Para que esse educando seja sensível na acolhida, no assistir e no gerir as suas ações de cuidador, a luz de uma teoria que atenda todas as necessidades humanas nesse meio, que atenda aspectos éticos e que ele nunca esqueça esses preceitos e conceitos (TÉCNICA).

Waldow (2005) defende que novas metodologias precisam ser inseridas no ensino do cuidar e adotadas como um estilo de vida, sendo necessário que os docentes sejam sensibilizados de forma a lançar outro olhar sobre a prática e o ensino da Enfermagem. A autora sugere a adoção de um ensino mais estético, que se utilize de metáforas, poesias, atividades lúdicas, enfim, que utilize estratégias que cultivem e mobilizem os comportamentos de cuidar, e criem ambientes e relações de cuidado.

Apreendemos que, por vezes, o que impede o docente de inovar em estratégias metodológicas é a insegurança e o desconhecimento de como fazê-las. As estratégias de ensino pouco variam, e a modalidade mais utilizada é a expositiva; há uma tendência de os docentes ensinarem nos moldes em que foram acostumados, pois, ao adotarem certa modalidade de ensino/aprendizagem, sentem-se mais seguros e confortáveis, preferindo o meio mais fácil e menos trabalhoso.

Resgatando os pensamentos de Siqueira (2001) e Mariotti (2002), compreendem que o nosso olhar diante do mundo não se dá de forma aleatória, mas se embasa no paradigma através do qual fomos educados. Tal, entendimento também é refletido na fala de TÉCNICA, visto que se encontra carregada de uma determinada visão de mundo, a qual se vê limitada pela realidade, tal como se apresenta.

Ele foi engolido pelo sistema, na trama das relações existentes [...] ele que se indignou frente aquela ação, aquele distanciamento da teoria e prática, não tem mais forças e é engolido por aquelas ações no qual anos atrás ele se indignava, e um futuro enfermeiro, que ele não queria ser. Eu acho que isso é o que mais dói nessa orientação pedagógica, é você enxergar o educando que sairá com essas reflexões claras, ser absorvido e transformado do ponto de vista intelectual, perdendo aquela situação (TÉCNICA).

Waldow (2007) refere-se à metodologia de ensino como a produção criativa que o docente produz ao articular suas visões de mundo, suas opções e vida, da história e do cotidiano ao processo desencadeado na sua experiência docente.

O agir competente precisa ter profissionais e docentes que acreditem e apostem em um determinado ideário, ou seja, capacitem-se, assumindo que a educação do futuro perpassa sob uma mediação “ética planetária”. Isto implica em entender a ética não como um conjunto de proposições abstratas, ou como regras de uma moral falida, mas como atitude deliberada de todos aqueles que acreditam ainda ser possível que sociedades democráticas abertas se solidarizem mesmo que o caminho seja árduo e, por vezes, desanimador (BOFF, 2003).

O agir pedagógico ético não se deve confundir com o fazer o bem ou ser bonzinho, mas deve pautar-se em um fazer responsável, livre e compromissado, que caracteriza o fazer ético. Neste processo, ao educador não basta saber, é preciso também querer, e não adianta saber e querer, se não se tem a percepção do dever

e não tem poder para acionar os mecanismos de transformação nos rumos da

instituição (GARCIA, 2001).

Segundo Morin (2001), precisamos reaprender a rejuntar a parte do todo, o texto e o contexto, o global e o planetário e a enfrentar os paradoxos que o desenvolvimento tecnoeconômico trouxe consigo, globalizando de um lado, excluindo do outro. A sociedade terá que ir de encontro ao “paradigma do ocidente”, disjuntor do sujeito e do objeto, para que “o pensamento alce vôos mais livres e polifônicos” (CARVALHO, 2001, p. 71).

Desse modo, a pretendida religação dos conhecimentos não é algo intransponível e, muito menos, utópico. Carvalho (2001) refere que com um pouco de vontade política, por parte do docente e das instituições de ensino e pesquisa, seria possível reunir pensadores exogâmicos excitados em debater as bases de uma educação sustentável para o próximo milênio.