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Culpabilidade como reprovabilidade (teoria de F RANK )

do que redefinida, a culpabilidade foi revista por FRANK. Significa: FRANK

não desconheceu, desdenhou ou destruiu criticamente a premissa psicológica (configurada no dolo e na imprudência) que dava sustentação à idéia de culpabilidade para, assim, defini-la de novo. Sua pretensão foi a de resolver um problema, que, para ele, fora mal solucionado pelos que o precederam, ligados à teoria da culpabilidade psicológica. O problema era o de saber em que circunstância alguém deve ser considerado responsável [culpado] pela justiça? A solução que propôs partiu da crítica cujo alvo foi a idéia (cara à doutrina dominante) de que a premissa psicológica era suficiente para explicar a culpabilidade. Por conta disso,FRANK adicionou à

estrutura da culpabilidade outros elementos. Assim, ela não é mais um conceito genérico que se explica tão-somente a partir do dolo e da imprudência como espécies ou graus que permitem medir a atitude anímica do autor em relação ao fato. Ao lado do dolo e da imprudência (não mais como espécies, mas como elementos), agora a culpabilidade agrega as circunstâncias concomitantes (e a imputabilidade). A conseqüência que FRANK extrai daí está em que, mesmo agindo com dolo ou culpa, o autor

pode não ser culpado, pois, fora ou para além daqueles âmbitos, trata-se de

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tomar em conta, também, as circunstâncias em que se encontrava. De posse desses elementos, FRANK elabora seu conceito de culpabilidade e diz que

ela é reprovabilidade, tornando-a, desse modo, normativa pelo que contém de juízo de valor sobre o injusto. Nisso consistiu a revista.

FRANK encontra no senso comum o ponto de partida para suas

observações. Assim, segundo ele, o uso da linguagem cotidiana confirma certos fatores, localizados fora do dolo, para medir a culpabilidade. Dá como exemplo a posição do caixa de uma loja e a do portador de valores que praticam, por conta de cada um, defraudações. O primeiro ganha a vida com dificuldades, tem família constituída de uma mulher enferma e numerosos filhos; o segundo goza bem a vida, não tem família e suas mulheres são magníficas. Ambos sabem do caráter ilícito da ação praticada. Logo, não há dúvida acerca do dolo. Neste caso, porém, todos dirão que a culpabilidade de um é menor que a do outro. A diferença numa avaliação como essa toma por base, naturalmente, as circunstancias desfavoráveis ou favoráveis no interior das quais a ação se desenvolve. Tais circunstâncias, que, segundo FRANK, são concomitantes, medem a culpabilidade não

apenas no âmbito da linguagem cotidiana, mas também no da lei e na prática dos tribunais.

Por outro lado, se as circunstâncias concomitantes medem a culpabilidade, por exemplo, para atenuá-la, podem, igualmente − acrescenta FRANK −, ser reconhecidas na capacidade de excluí-la. Nesse

ponto, FRANK coloca o problema da incompatibilidade entre o conceito de

causas de exclusão da culpabilidade e o conceito dominante de culpabilidade (fundada no dolo e na imprudência), cuja essência é associada à esfera psíquica do agente:

Se o conceito de culpabilidade não alcança nada mais que a soma de dolo e imprudência (...) resulta absolutamente incompreensível como pode excluir-se a culpabilidade no caso de

estado de necessidade, posto que também o autor que atua em estado de necessidade sabe o que faz.383

Sob esse aspecto, para FRANK, as relações psíquicas que o direito

penal traduz nos verbetes dolo e imprudência [culpa] até permanecem na culpabilidade, mas, por si mesmas, já não esclarecem seu conteúdo. A título de exemplo: quem age sob a pressão do estado de necessidade sabe o que faz, portanto, age dolosamente; no entanto, não é culpável. Mais do que o dolo, o que importa considerar nesse caso é o perigo como circunstância concomitante. Vale dizer, é o contexto, a situação concreta e a pressão que nela se exprime, instaurando o que mais tarde FRANK

denomina de motivação anormal, aquilo que constitui o objeto central da valoração.

O terceiro elemento da culpabilidade é a imputabilidade. Contra a concepção dominante,FRANK considera que o lugar desta agora é dentro e

não fora da culpabilidade. Trata-se de um “fantasma errante” se alojada neste lugar, operando como pressuposto da culpabilidade:

... não se entende de que maneira a imputabilidade pode ser um pressuposto do dolo [portanto, da culpabilidade], posto que também um enfermo mental pode querer a ação e assim representar-se os elementos que a fazem delitiva e até pode saber que é um delito.384

Agora descrita segundo uma estrutura cravada na a. imputabilidade, b. dolo e imprudência e c. circunstâncias concomitantes, a culpabilidade é associada à idéia de reprovabilidade: “culpabilidade − diz FRANK − é

reprovabilidade”.385 Mas o que significa reprovabilidade como conceito capaz de traduzir a idéia de culpabilidade? Bem, se considerado isoladamente, em si mesmo − continua FRANK −, tem pouco ou nenhum

significado, mas, se referido ao que quer caracterizar, isto é, saber “quando

383 Sobre la estructura del concepto de culpabilidad, p. 30. 384 Ibid., p. 34.

se pode reprovar a alguém por seu comportamento?” ou “que é necessário para isso?”, o conceito de reprovabilidade permite ao observador [juiz] valorar se o comportamento de alguém é censurável ou não, tendo em vista tríplice pressuposto:

1. uma atitude espiritual normal, denominada imputabilidade, que, reconhecida numa pessoa, permite no geral converter seu comportamento antijurídico em censura. Mas para que tal censura seja aplicada no caso particular é necessário ademais:

2. Uma concreta relação psíquica do autor com o fato em questão, particularizada no dolo ou na imprudência. Mesmo com esse elemento, a censura não está fundada. Para tanto é necessário que concorra ainda:

3. A normalidade das circunstâncias sob as quais age o autor. Assim, será alvo de censura, em geral, o comportamento antijurídico de quem, sendo imputável, tem consciência ou podia tê-la das conseqüências do que pratica. Mas o que é possível no geral, em um caso particular pode ser impossível, por exemplo, não cabe reprovabilidade quando a circunstância concomitante é representada por uma situação de perigo para o autor ou terceira pessoa e a ação (proibida) executada podia salvá-los.386

Com efeito, uma situação de perigo, no pensamento de FRANK, pode

configurar um cenário de anormalidade e “não se pode censurar o autor por ações realizadas sob circunstâncias de certa anormalidade”.387 Enfim, se à

culpabilidade corresponde a normal constituição das circunstâncias concomitantes, corresponde à sua negação a constituição de circunstâncias concomitantes anormais. Desse modo, a normalidade das circunstâncias afirma a culpabilidade; a anormalidade nega. É neste ponto que a expressão “causas de exclusão da culpabilidade”, incompreensível ou incompatível no âmbito da teoria psicológica (da culpabilidade), passa a ter sentido com sua teoria (normativa), pelo menos “como expressão de reconhecimento, segundo a qual certas realidades para o direito penal só têm o significado de uma negação (...) da culpabilidade”.388 Enfim, quando

386 Cf. Sobre la estructura del concepto de culpabilidad, p.40 s. 387 Ibid., p. 42.

FRANK atribuiu ao conceito de circunstâncias concomitantes anormais

(transformado por ele mesmo finalmente num deficiente domínio do fato por conta da falta ou limitação da liberdade, depois de tê-lo substituído pela expressão motivação anormal) o poder de negar a culpabilidade, deixou implícita a característica da inexigibilidade de conduta diversa implicada nelas. Mas não a nomeou. Essa tarefa coube a FREUDENTHAL389. Antes,

porém, GOLDSCHMIDT iluminou a seu modo o tema.