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penal, por seu turno, merecem registro aqui as reflexões de FEUERBACH e

CARRARA, desenvolvidas na primeira metade do século XIX. Acerca de

FEUERBACH,a compreensão de BLOCH é que ele inauguraformulações de

caráter original para o direito penal moderno. É o caso da relação entre indivíduo, Estado e direito. O indivíduo tinha no Estado e no direito fontes de garantias. Desse modo, o Estado era menos um fim em si mesmo e mais um meio de garantir o indivíduo. Não era menos garantidor o papel do direito, mais próximo, ainda segundo BLOCH, de uma suma de direitos que

de proibições, vale dizer, o direito à vida, segurança, liberdade, não se define como uma concessão negativa, como uma isenção no âmbito da submissão, senão como capacidade jurídica, como poder sancionado positivamente.237

Também original é o caso da forma lingüística que FEUERBACH

confere ao princípio da legalidade dos crimes e das penas. Recorre ao latim e o anuncia numa fórmula até então desconhecida e que passou a ser

consagrada pelo uso. Trata-se do nullum crimen, nulla poena sine lege. Nesse enunciado a segurança encontrou sua síntese definitiva. Pela via de um raciocínio a contrário (sine lege) a lei é sacramentada como a fronteira que separa domínios bem diferentes: de um lado o Estado pode criminalizar e punir (e até tem o monopólio disso), mas não pode fazê-lo hic et nunc, caso a caso, sob o impulso da contingência. Cabe-lhe anunciar antes a conduta que proíbe ou ordena e como vai puni-la se cometida ou omitida. De outro, o indivíduo pode agir e se mover segundo cálculos que lhe permitem neutralizar a força do Estado.

Ligado ainda ao direito natural e menos ao direito positivo, CARRARA adotou como guias de seu pensamento Deus, ARISTÓTELES e

HEGEL. A partir de Deus assumiu a idéia de que “todo direito procede”

Dele.238 A partir de ARISTÓTELES, a idéia de que “o estado de associação

foi coetâneo com o nascimento do gênero humano”.239 A partir de HEGEL, a

idéia de que “o delito é a negação do direito e a pena sua reafirmação”.240

Com Deus teve a pretensão de que os princípios da ciência penal fossem deduzidos não do direito positivo (obra do homem), mas do “código imutável da razão” (obra do Criador).241 Isso lhe permitiu reduzir o direito a um fenômeno jurídico, pois, se Deus deu o direito à humanidade desde a criação, trata-se, então, de algo congênito ao homem, o que justifica revelá- lo na condição de “animal jurídico”.242 Assim, “o delito não é um ente de fato, mas um ente jurídico”,243 pois sua essência consiste “necessariamente na violação de um direito”.244 Com A

RISTÓTELES considerou a doutrina do

contrato social um erro.245 Isso lhe permitiu enxergar na pena não o produto

de um consenso entre os homens, mas a necessidade de manutenção da

238 Programa de derecho penal: parte especial,vol. I, p. 5. 239 Programa de derecho penal: parte general, vol. I, p. 15. 240 Ibid., vol.II, p.7.

241 Ibid., parte general, vol. I, p. 26. 242 Reminiscencias de cátedra y foro, p. 12.

243 Programa de derecho penal: parte general, vol. I, p. 4 244 Ibid., p. 5.

ordem. Com HEGEL (e assim contra FEUERBACH) estabeleceu que o fim da

pena não é intimidar, mas tranqüilizar.246 Isso lhe permitiu desenvolver a idéia da pena irrogada como defesa do direito, o que se dá por uma operação de retorno à “paz anterior” (ao delito), de tal modo que faz renascer “em todos o sentimento de sua própria segurança”.247 É esse o ponto que aqui interessa. Com efeito, CARRARA enfrenta o tema da

segurança como um direito, isto é, a segurança de que fala é entendida não apenas como um efeito da pena cominada ou imposta, mas, sobretudo, como um direito que a precede: “A segurança e o sentimento da segurança, como direitos, os dá a natureza”.248 Acontece que, sem a proteção da autoridade, do governo, tal segurança é precária. Para torná-la consistente, foi constituída a sociedade civil, cuja “missão única, absoluta” é a defesa da segurança e do sentimento que lhe corresponde como direitos.

A segurança como garantia contra o arbítrio expressa no nullum crimen, nulla poena sine lege não mereceu maiores desenvolvimentos na obra de CARRARA (embora conhecesse a matéria). Nele, com efeito, o tema

da segurança, longe de considerar o Estado e o indivíduo em termos de uma relação na qual aquele fizesse deste uma presa fácil (desprotegida da lei), foi tratado na perspectiva de um direito que acompanha o indivíduo desde sempre, isto é, não apenas a partir da sociedade civil constituída, mas já no interior do que ele chama de “período primitivo de associação patriarcal ou (...) natural”.249 Por isso mesmo, a função da lei penal é a de proteger os direitos que a infração viola, aplicando-se o castigo. Mas há limites nisso, pois constitui também um direito não ser punido com excesso. Toda pena que vá além da necessidade (à defesa de direitos) é abuso. Daí CARRARA lança mão da idéia de justiça para afirmar que nela se

246 Ibid., parte especial, vol. I, p. 16. 247 Ibid.

248 Ibid., parte general, vol. I, p. 95.

encontra o limite para o exercício do direito punitivo. Mas a justiça como limite da punição não é algo externo, que se agrega à tutela jurídica ou defesa do direito; é algo, sim, que lhe é próprio e indestacável:

... na fórmula da defesa do direito [ao contrário, portanto da tese da defesa social] o limite da justiça é congênito, intrínseco, inseparável, porque quando se diz que a autoridade deve defender o Direito, se diz que o deve defender tanto no ofendido como no ofensor, isto é, que deve castigar este em defesa daquele, mas não castigá-lo mais além do que requer tal defesa, porque ao fazê-lo assim violaria o direito do ofensor, e a pena, ao fazer-se injusta, por seu caráter excessivo, não encontraria já apoio na suprema razão da tutela jurídica.250

Parece provável que, nessa passagem, CARRARA enxergue (embora

sem dizê-lo expressamente) na idéia de justiça como limite da punição, outra face da segurança e do sentimento que lhe corresponde como direitos. Dito de outro modo, a segurança de todos e cada um é garantida não apenas com a punição e naquilo que implica como restauração da fé no direito, mas, ainda, na sua aplicação segundo a medida necessária à defesa, sem o que se cai no excesso e “todo excesso não é proteção, mas violação de direito”.251