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5. Conceito substancial

5.3. O tipo psicológico

GAROFALO considerava um erro dos naturalistas, em geral, falar do

delinqüente sem antes explicar o que entendiam por delito: “Só quando o naturalista – diz ele – souber dizer-nos o que entende por delicto é que nós poderemos saber quem são os delinqüentes”.298 Na busca de seu conceito de delito, formula o problema central: “Existirá o delicto natural ou, o que vale o mesmo, haverá um certo número de actos que a consciência popular

294 Ibid., p. 231. 295 Ibid., p. 221. 296 Ibid., p. 230. 297 Ibid., p. 287. 298G AROFALO, Criminologia, p. 26.

em determinadas condições considere sempre criminosos?”.299 Para

solucioná-lo, esclarece que o ponto não é saber se todos os atos que a sociedade de seu tempo considera criminosos “tiveram ou deixaram de ter em todos os tempos e em todos os logares a mesma significação”, mas, “... saber se, entre os delictos previstos pelas nossa leis actuaes, há alguns que em todos os tempos e logares fossem considerados puníveis”.300 A rigor, não é possível, segundo GAROFALO, chegar à noção de delito natural,

naquilo que tem de vinculado com a consciência pública e não com a consciência jurídica (cujos juízos são sempre dependentes das leis positivas), pela pesquisa de atos criminosos puníveis, assim reconhecidos universalmente; mas é possível fazê-lo, se, ao invés dos atos, em seu lugar for feita a análise dos sentimentos. É que, no conceito de delito, “apparece sempre a lesão de um d’aqueles sentimentos mais profundamente radicados no espírito humano”301 e que podem ser considerados “... definitivamente adquiridos pela parte civilizada da humanidade...”.302 São os sentimentos, ora de piedade, ora de probidade, constitutivos da medida média do senso moral e cuja nota característica é o altruísmo. A aversão às ações cruéis e a recusa em provocar a dor nos outros, isto é, nos semelhantes, revelam o sentimento de piedade; o respeito pela propriedade alheia revela o sentimento de probidade. De tudo isso resulta que o delito natural

... é a offensa feita á parte do senso moral formado pelos sentimentos altruistas de piedade e de probidade ― não, bem entendido, á parte superior e mais delicada d’este sentimento, mas á mais commum, á que se considera patrimonio moral indispensavel de todos os individuos em sociedade. Essa offensa é precisamente o que nós chamaremos delicto natural.303

Como conseqüência dessa concepção de delito, o delinqüente de GAROFALO é diferente daquele projetado por LOMBROSO e FERRI. Ele agora

299 Ibid. 300 Ibid., p. 27. 301 GAROFALO, Criminologia p. 28. 302 Ibid., p. 32. 303 Ibid., p. 59.

se revela ou age (sempre), não mais sob o predomínio de específicas características anatômicas ou determinações sociais e do ambiente físico, mas como expressão de uma anomalia psicológica (no geral herdada) que não se confunde, a rigor, seja com estados mórbidos, seja com a loucura moral, nada tendo, portanto, de doentia ou patológica. Mas a diferença de que se trata consiste apenas no tratamento dominante que GAROFALO

confere à questão psicológica. Isso, contudo, não significa exclusão das contribuições antropológica e sociológica.

Com efeito, GAROFALO tem o ponto de vista, justificado ora na

observação pessoal, ora nos dados da estatística, que o delinqüente em geral ostenta sinais físicos que o tornam portador de uma fisionomia especial e a cujo respeito a ciência não pode ficar indiferente:

Se é verdade que certos caracteres se observam nos malfeitores mais frequentemente que nos outros indivíduos, tal facto deve necessariamente ter uma significação, porque seria antiscientífico attribuir a mera accidentalidade àquillo que constantemente se repete.304

Apesar disso, seu delinqüente típico não se distingue por uma anatomia deformada, fora de lugar, teratológica. Nele, o que há de teratológico, fora de lugar, deformado é o caráter, o senso moral, incapaz de se orientar pelos sentimentos de piedade e probidade.

Por outro lado, GAROFALO também não exclui (pelo menos

totalmente) os fatores sociais e do ambiente físico na origem do crime. Mas não são eles que o determina; no máximo giram em torno do crime como contexto, circunstância, ocasião: “[o crime] está sempre no indivíduo”305 e

não fora dele. Nesse sentido, “o verdadeiro factor do delito deve procurar- se no modo de ser especial do indivíduo, que a natureza creou delinqüente”.306 304 G AROFALO, Criminologia, p. 96. 305 Ibid. 123. 306 Ibid. 123.

A idéia do delinqüente como obra da natureza põe em xeque, segundo GAROFALO, a ilusão socialista, reformista e correcionalista. Assim,

nem o crime tem como causa a desigualdade econômica, nem as reformas sociais do legislador são suficientes para extingui-lo, nem a educação é capaz de corrigir seu autor. Como conseqüência disso, não se trata de transformar a economia, o ambiente social ou, ainda, os delinqüentes e, sim, de “eliminar esses últimos”.307 A eliminação que GAROFALO postula

aponta em duas direções: uma absoluta; outra, relativa. A absoluta consiste na repressão pela morte do delinqüente e a relativa pela deportação. Mas nem todo crime implica na necessidade de eliminação do delinqüente. Nesse caso, basta a coerção reparadora308 representada por uma indenização material e moral dos danos causados à vítima e à sociedade. De todo modo, qualquer que seja o mecanismo da resposta penal é dispensável o uso de inspeções para medir o grau de culpa do malfeitor. Acerca dele basta que se tome em conta se é temível ou não.

Mas a apreensão do delito como fenômeno ligado à ordem dos fatos e, nesse sentido, sujeito à observação foi de extensão limitada no tempo. LOMBROSO, FERRI e GAROFALO perdem a hegemonia no pensamento penal

e seus titulares agora são outros. A ironia naturalista (já referida),309 segundo a qual os clássicos estudavam o crime sem estudar o culpado, é substituída e parafraseada pela ironia neoclássica, segundo a qual o fracasso é o que alcança quem chegar “... a um direito penal... sem direito!”.310 Isso abre caminho para a construção de um conceito de delito

que toma em consideração não apenas a lei, mas o direito penal como um todo. 307 Ibid., p. 224. 308 G AROFALO, Criminologia, p. 276. 309 Cf. supra, p. 105. 310 ArturoR