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Não se pode precisar a época em que a rizicultura começou a se desenvolver no Rio

Pracuúba. Todavia, as informações que se dispõe sugerem que desde a década de 40 do século

passado essa atividade já vinha sendo praticada, especialmente no médio curso do rio, onde a

dinâmica da várzea fluvial, propiciava ambiente adequado ao desenvolvimento dessa

atividade agrícola.

Neste cultivo não havia a utilização de nenhum insumo industrial, como fertilizantes,

corretivos e/ou defensivos. Os meios de produção usados resumiam-se basicamente a água e a

terra. Em relação ao primeiro elemento natural, não havia nenhuma preocupação do

agricultor, visto que o movimento das marés constituía eficiente sistema de irrigação natural.

porque apenas alguns agricultores detinham o controle dessas áreas. A maioria deles, embora,

às vezes, até possuísse “propriedades”, como os irmãos Joaquim e Estolano Melo, elas não

eram propicias ao cultivo do arroz, pois se localizavam em áreas centrais, onde

predominavam terrenos de igapó e terra firme. Nessas circunstâncias, em grande parte, a

exploração arrozeira era viabilizada somente com base nas relações de arrendamento da terra,

localmente expressas na forma de aluguel de “cortes de arrozais”.

Nesta relação, os agricultores negociavam com os “proprietários” fundiários a

concessão de determinadas áreas de várzeas (cortes), onde o arroz pudesse ser cultivado.

Como nesta ocasião nenhuma outra atividade econômica importante era praticada nessas

áreas, a negociação geralmente era concretizada, não obstante isso implicasse no abate de

algumas seringueiras, árvore cuja importância econômica ainda era reconhecida. Em relação

ao abate dos açaizais nativos, concentrados em grande parte nas áreas arrendadas, não havia

nenhum obstáculo ou ressentimento, posto que as reservas naturais que ainda ficavam não

colocavam em risco o abastecimento doméstico de frutos.

O sistema mais comum de arrendamento se expressava no pagamento do aluguel

através de uma quantia fixa em dinheiro por área cultiva. A definição dessa quantia guardava

certa proporcionalidade com a extensão da área arrendada e, de certa forma, com a afinidade

entre as partes envolvidas na negociação. Na década de 60, por exemplo, cobrava-se em

média por um corte que comportasse o plantio de uns 50 quilos de arroz, uma faixa de 150

cruzeiros, quantia esta que flutuava de acordo com o grau de proximidade entre agricultor e

“proprietário” fundiário, como já se destacou.

Estudando a dinâmica da rizicultura gaúcha no período de 1946 a 1975, Beskow

(1986) destaca que esta forma de arrendamento em dinheiro não possibilita ao proprietário

participar dos ganhos econômicos decorrentes do aumento da produtividade física por área

arrendamento pago em percentual da produção é uma forma mais avançada, pois oferece ao

proprietário aquela possibilidade. Porém, no contexto da pequena rizicultura pracuubense,

caracterizada pelo atraso técnico e por riscos de comprometimento da produção, sobretudo

pela ação de roedores como as capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris), a adoção de uma taxa

fixa em dinheiro como forma de pagamento da terra arrendada constituía a forma mais

adequada para os “proprietários”, pois, como se diz localmente, podia chover ou ventar, o

arrendatário tinha que pagar a quantia do aluguel previamente acertada.

Em termos de calendário, esta exploração arrozeira caracterizava-se como uma

atividade de ciclo rápido, iniciada quando dos primeiros sinais de redução das chuvas e

encerrada cinco meses depois, com o fim da colheita. Em geral, iniciava-se no mês de maio,

ocasião em que se efetuavam a roçagem e a derruba da mata. Na primeira fase de trabalho,

que era a roçagem, operava-se o corte da vegetação rasteira, usando-se apenas o terçado como

ferramenta básica. Terminada esta fase, iniciava-se imediatamente a derruba, etapa na qual a

vegetação de porte mais elevado, constituída de pracuubeiras (Mora paraensis Ducke.),

bussuzeiros (Manicaria saccifera Gaertn.), miritizeiros (Mauritia flexuosa L.) e,

principalmente, açaizeiros (Euterpe oleracea Mart.) era derrubada, usando-se o machado.

Após essas duas fases, a área era abandonada, a fim de que a vegetação abatida secasse para

ser queimada, mais tardar no final de junho ou início de julho.

Uma vez queimada, a área já ficava apta para receber o arroz. Isto porque na

preparação da terra para semear este cereal não se fazia coivara, ou seja, não se removia

nenhuma árvore ou palmeira queimada, todas ficavam ali, amontoadas da mesma maneira

como haviam sido abatidas. Este aspecto, aliás, era um dos diferencias que tornava a

preparação da área para o cultivo do arroz mais rápida do que para o cultivo da mandioca e da

O plantio dos arrozais era simples e rápido. Esta etapa era cumprida em menos de um

dia de trabalho, pois bastava apenas semear o arroz, de preferência, contra o vento, a fim de

que os grãos se espalhassem e dessem origem a arrozais densos e homogêneos. Após esta

fase, ficava-se esperando apenas a época da colheita, que se iniciava geralmente quatro meses

e quinze dias depois.

Até este momento, a mão-de-obra envolvida no arrozal era dominantemente

masculina. Com exceção da etapa de plantio, em que as mulheres poderiam participar, as

demais fases eram inteiramente desenvolvidas pelos homens. Estes, em sua maioria, eram

trabalhadores contratados, pagos por dia. Como alguns agricultores eram comerciantes

(Antônio Tavares, Joaquim Melo) a forma de pagamento variava, sendo feita ora em dinheiro,

ora em mercadoria. Neste caso, o valor da diária geralmente servia apenas para pagar ou

amortizar dívidas já construídas anteriormente. Essas dívidas, portanto, funcionavam como

laços que mantinham continuamente dependente do agricultor-comerciante um contingente de

trabalhadores sempre disposto a trabalhar nos arrozais, independentemente da dureza que isto

significava.

Só para ilustrar este aspecto, deve-se destacar que agricultores como seu Joaquim

Melo, por exemplo, recrutavam seus trabalhadores em plena madrugada para que bem cedo,

ainda meio pardo, começassem a trabalhar. Por volta do meio dia, davam apenas uma pausa

para o almoço, mas no máximo uma hora da tarde reiniciavam as atividades, que se estendiam

até a visibilidade enturvar, quando só então os trabalhadores eram liberados. Neste quadro,

portanto, a lida desses trabalhadores era exaustiva, posto que a noção de diária para seus

patrões não era definida pelas horas do relógio, mas simplesmente pelo nascer e pôr do sol.

Na ocasião da colheita, por sua vez, o conteúdo da mão-de-obra, bem como a forma de

remuneração apresentavam importantes mudanças. Seu Lauriano Souza, um antigo rizicultor,

Estas se dedicavam especialmente ao corte do arroz, atividade na qual se esmeravam ao

máximo, pois o rendimento de cada uma dependia da quantidade de arroz que colhessem. Seu

Lauriano pagava 10 centavos por cada quilo de arroz colhido. Assim, dependendo da

habilidade no arrozal, uma mulher cortava geralmente de 50 a 80 quilos por dia, o que

proporcionava um rendimento diário da ordem de cinco a oito cruzeiros.

Este rendimento, entretanto, era no “seco”, ou seja, não incluía a alimentação. Esta não

era de responsabilidade do rizicultor, mas das cortadeiras de arroz, como eram conhecidas as

mulheres que trabalhavam na colheita do arroz. Cada uma tinha que levar sua própria

alimentação. Isto, evidentemente, corroia o preço das diárias, tornando-o ainda mais exíguo,

ao mesmo tempo em que era salutar para os rizicultores, uma vez que reduzia as despesas com

a mão-de-obra.

O trabalho da colheita, entretanto, não era feito inteiramente pelas mulheres.

Concomitante ao trabalho feminino, existiam também alguns homens trabalhando como

carregadores. O papel desses trabalhadores era transportar o arroz colhido pelas cortadeiras

para um tapiri localizado na beira do arrozal. Embora a distância fosse relativamente pequena,

essa tarefa era meticulosa porque os carregadores tinham que transitar por pequenos caminhos

entulhados de troncos de árvores, devido à inexistência da coivara na preparação da terra.

Assim, o trabalho dos carregadores, que era pago por dia, não era fácil, mas era fundamental

para que o arroz chegasse à casa do rizicultor, onde passaria por um primeiro estágio de

tratamento.

Este estágio consistia basicamente na retirada do arroz de seus cachos. Neste processo,

usavam-se geralmente um tupé, espécie de esteira tecida com talas de miriti, e um cassete de

madeira. O trabalho consistia em colocar o arroz bruto, ou seja, ainda seguro nos pendões sob

descartavam-se os pendões e o arroz retido nos topés era ensacado, ficando pronto para ser

comercializado.

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