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As safras são épocas do ano em que se registram os maiores índices de produtividade

nos açaizais, devido a grande incidência de frutos amadurecidos. Ao intervalo de tempo entre

uma safra e outra se convenciona chamar de entressafra, período em que se observam as

menores quantidades produzidas no ciclo anual do fruto (NASCIMENTO, 2000).

Concretamente, as safras não apresentam uma duração bem definida e tão pouco a mesma

produtividade, o que está diretamente relacionado aos fatores ecológicos e agronômicos que

caracterizam as áreas de açaizais.

Observando a quantidade de açaí comercializada pelo município de São Sebastião da

Boa Vista no mercado urbano de Belém, em 2003 (gráfico 03), depreende-se que esse

município e, consequentemente, sua maior área produtora, o médio Rio Pracuúba, apresenta

março, e outra, que se estende desde maio até o mês de novembro, sendo que esta diferença

de duração reflete-se também na produtividade observada em cada uma delas.

Gráfico 03: Quantidade de açaí boavistense comercializada em Belém, em 2003 (latas de 25 kg). SECOM, 2003.

No médio Pracuúba, essas safras são conhecidas como a safra do inverno e a safra do

verão. A primeira é vista pela população ribeirinha como uma safra pequena, não apenas

porque é relativamente curta, mas porque a quantidade de frutos encontrada nos açaizais é

pequena. Isto decorre do fato de que grande parte das palmeiras não frutifica nesta época, de

sorte que o açaí é encontrado apenas em determinadas “pontas” de açaizais, geralmente

aquelas que produzem menos frutos no verão. Nestas safras, nem mesmo nas grandes

propriedades, a produtividade consegue atingir níveis mais elevados.

Por outro lado, as intensas e freqüentes chuvas que se abatem nesta época dificultam

sobremaneira a extração dos frutos. Primeiro porque molham os estipes (caule) das palmeiras,

tornando-os escorregadios e, conseqüentemente, difíceis e arriscados de serem escalados, e

segundo porque não raro essas chuvas molham o açaí já extraído, contribuindo para degradá- 30.000 230.000 430.000 630.000 830.000 1.030.000 1.230.000 1.430.000 1.630.000 1.830.000

lo rapidamente e/ou torná-lo desvalorizado nos locais onde é comercializado. Nessas

circunstâncias, as chuvas interferem na produtividade e, muitas vezes, na própria qualidade

dos frutos extraídos, na medida em que apressam a degradação.

Na safra do verão, entretanto, esses empecilhos praticamente desaparecem. Isto ocorre

porque, embora seja longa, a safra do verão ocorre nos meses em que as chuvas são escassas,

o que melhora consideravelmente as condições de extração. Este fato, aliado ao crescente

amadurecimento dos frutos, permite não só aos grandes, como também os pequenos

“proprietários” de açaizais, elevarem exponencialmente a capacidade de produção, sobretudo

em agosto e setembro, meses em que a extração atinge seus patamares mais notáveis.

Todavia, quando o verão é muito forte, o estipe dos açaizeiros aquece-se rapidamente,

o que também influencia na extração, embora com menor intensidade do que as chuvas de

inverno. Com efeito, o aquecimento do açaizeiro, ainda que não chegue a impossibilitar

sumariamente a extração, contribui para maltratar rapidamente os pés e as mãos do extrator,

sobretudo quando este desce da palmeira com os cachos nas mãos. É com o intuito de

minimizar esse desgaste que os extratores procuram desenvolver suas atividades

preferencialmente no horário da manhã, ocasião em que a insolação está menos intensa.

Não se pode esquecer, por outro lado, que as exigências dos compradores também

contribuem substancialmente para que o açaí seja extraído mais cedo. Esses agentes

comerciais, quando vão fazer suas “encomendas”, logo avisam que estarão passando, no mais

tardar, ao meio dia para negociar os frutos. Isto, evidentemente, pesa de maneira decisiva para

que cedo o extrator embrenhe-se nos açaizais em busca dos frutos.

À tarde, por sua vez, a atividade extrativa é menos intensa. Em primeiro lugar porque

o estipe do açaizeiro encontra-se ainda bastante aquecido, o que desestimula a coleta dos

frutos pelos motivos anteriormente mencionados. E segundo porque o açaí extraído neste

desvalorizado, pois já não apresenta o mesmo aspecto do dia anterior. Desta maneira, no

verão, a extração desenvolve-se basicamente pela manhã, não obstante, algumas vezes, possa

iniciar na tarde anterior, ocasião em que o extrator apenas apanha os cachos, deixando-os na

mata para que os compradores não vejam o açaí já apanhado na hora em passam fazendo a

“encomenda”.

Deve-se destacar, entretanto, que nas safras de inverno muitas das exigências dos

compradores com relação à qualidade dos frutos são deixadas de lado, por conta da

instabilidade da oferta, decorrente das freqüentes chuvas. Por esta razão, quando estas

precipitações abatem-se fortemente pela manhã e, à tarde, faz algum verão, os extratores

aproveitam este horário para coletar o máximo de frutos que puderem, pois não sabem se isto

vai ser possível no dia seguinte, mas têm a consciência de que os compradores não estão em

condições de impor suas exigências. Assim, de inverno, a extração pode ser praticada tanto

pela manhã, quanto à tarde, tudo está muito dependente da incidência das precipitações.

A necessidade de conservar o açaí de um dia para o outro, sobretudo nessa época, tem

levado os extratores a tomar algumas providências. Uma delas é mergulhar rapidamente os

cachos na água da maré e deixá-los para serem debulhados só no dia seguinte. Outra prática,

aliás, bem mais antiga, é deixar o açaí no relento, apanhando sereno, como se ainda estivesse

na palmeira. Conforme os extratores, estas medidas não deixam o fruto murchar e/ou mudar

sensivelmente de coloração, o que reduz consideravelmente seu valor na comercialização.

Assim, as interações homem/natureza no período das safras são ainda sensivelmente

influenciadas por aspectos naturais vinculados principalmente às condições climáticas e à

disponibilidade de frutos. Todavia, deve-se enfatizar, por outro lado, as iniciativas tomadas

pelos extratores, a fim de se contrapor ou desviar da influência desses efeitos limitantes até

mesmo como forma de se adequar às exigências de mercado cada vez mais presentes,

uma relação determinista, mas uma interação dinâmica, na qual a natureza torna-se cada vez

mais humanizada e o homem, cada vez mais naturalizado (SANTOS, M., 2002), porém,

agora, progressivamente influenciada pelo mercado.

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