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O cultivo da banana (Musa sp. div.) desenvolveu-se paralelamente ao do Arroz, com

significativa expressividade no médio Rio Pracuúba. Diferentemente desse cereal, entretanto,

o cultivo da banana não ocorria nas áreas de várzea, adjacentes às margens do rio. Pelo

contrário, esta cultura desenvolvia-se nas áreas livres de inundações, ou seja, na terra firme.

Assim, os bananais ou “roçados”, como eram denominados localmente as plantações de

banana, localizavam-se em áreas relativamente distantes, tendo em vista que as terras

agricultáveis situavam-se para além dos igapós.

Neste caso, assim como naquele das comunidades de roceiros do alto rio Atuá

(BRABO, M. 1979), em Muaná, o cultivo da banana desenvolvia-se especialmente em “terras

virgens” ou em capoeirões em pousio há vários anos. Estas condições eram necessárias

porque os agricultores sabiam por experiência que, se a terra não estivesse “descansada”, a

produção dos roçados seria comprometida, principalmente pela produção de cachos pequenos,

conhecidos localmente como “rabo de guariba”, cujo valor comercial era reduzido. Desta

maneira, a escolha da área do roçado era fundamental, sob pena de se obter colheitas de baixa

qualidade, o que era sinônimo de ganhos reduzidos e até prejuízos.

O domínio de importante parcela das terras agricultáveis encontrava-se nas mãos dos

agricultores. Este era o caso, por exemplo, dos irmãos Joaquim, Estolano e Pedro Melo, bem

como dos senhores Manoel Ferreira e Raimundo C. Costa que possuíam extensas áreas de

terra firme. Apesar disso, o arrendamento da terra era comum, até mesmo envolvendo os

terras se exauria. Com isto, tinham que arrendar outros cortes de roçados até que as antigas

áreas cultivadas se transformassem em capoeirões, ficando novamente apropriadas ao cultivo.

Embora não se disponibilize de muitos detalhes a respeito do preço pago pelo

arrendamento de cada corte, sabe-se que ele se baseava em um parâmetro básico: o número de

covas que o corte recebia. As covas em que o arrendatário se baseava, na linguagem do

agricultor, constituíam pequenos buracos onde eram depositadas as mudas de bananeira,

chamadas localmente de “filho de banana”. Assim, quanto mais elevado o número de covas,

maior era o número de mudas plantadas e, consequentemente, maior o preço do

arrendamento, tendo em vista que a produção esperada também era alta.

O início do trabalho nos bananais ocorria geralmente no mês de julho. Nesse mês,

operava-se a roçagem e dava-se início a derruba, atividade que se estendia até o mês seguinte.

Como os roçados eram feitos em “terras virgens” ou em capoeirões, a roçagem era uma etapa

relativamente menos trabalhosa que a derruba, tendo em vista que nessas áreas a vegetação do

sub-bosque já não se apresentava tão densa, como nas capoeiras recentemente abandonadas.

Nessas circunstâncias, em poucos dias de trabalho, era possível roçar extensas áreas de mata,

o que tornava esta fase bem mais rápida que a derruba.

Esta atividade, por sua vez, revestia-se de grande dificuldade porque a cobertura

vegetal a ser abatida não era constituída predominantemente de árvores de pequeno porte e/ou

palmeirais, como nas várzeas, onde o arroz era cultivado. Na terra firme, sobretudo nas matas

ainda “intocadas”, essa cobertura era formada de árvores de grande porte, cujo abate exigia

geralmente a construção de mutá, espécie de jirau de varas, que permitia o corte das árvores

acima da sapopema, engenho fundamental para agilizar o trabalho. O uso desse engenho,

entretanto, exigia máxima atenção do trabalhador. Quando a árvore dava sinais de que iria

tronco ou por algum galho quebrado das árvores subjacentes. Isto mostra que, além de árdua,

a derruba dos roçados era um trabalho muito perigoso.

Ao término dessas duas etapas, a área do roçado ficava abandonada para que a

vegetação abatida pudesse secar. Este abandono durava mais de mês, visto que as árvores de

grande porte custavam ficar aptas para a queima. Somente lá para meados de setembro era

que se começava a pôr fogo nos roçados, com o cuidado de queimá-los bem, a fim de que boa

parte da matéria orgânica transformada em cinza pudesse ajudar o crescimento e a

produtividade das plantações.

Mesmo assim, grande parte de troncos e galhos de maior espessura ficavam apenas

“sabrecados”, ou seja, queimados parcialmente. Como este material permanecia espalhado

caoticamente, era necessário removê-lo para as beiradas ou juntá-los em pequenos montes no

meio do roçado, para que a atividade do plantio não fosse prejudicada. Esta remoção do

material vegetal parcialmente queimado era denominada de coivara, atividade, aliás, detestada

pelos trabalhadores, tendo em vista que se desenvolvia sob sol intenso e demandava o arraste

e, muitas vezes, o corte de galhos extremamente enrijecidos pela ação do fogo.

Logo após esta limpeza, o terreno ficava apto ao plantio. Diferentemente do caso do

arroz, no qual os grãos eram apenas semeados, o plantio da banana era mais demorado.

Realizado geralmente no mês de outubro, esse plantio consistia na abertura de pequenas

covas, com enxadas, onde eram depositados os “filhos de banana”, ou seja, as mudas trazidas

de roçados já em vias de abandono. Sobre essas mudas, colocava-se um pouco de terra solta, a

fim de que o sol não a prejudicasse no processo de “brotação”. Uma vez plantado, o roçado

demorava aproximadamente um ano para produzir seus primeiros cachos.

Neste intervalo, era necessário tratar das bananeiras. O principal cuidado que se tinha

era impedir que a vegetação rasteira tomasse conta da plantação. Embora nas áreas de “mata

quinto mês, efetuar sua remoção, atividade denominada localmente de capina. Nesta ocasião,

o mato cortado era depositado no tronco das bananeiras a fim de lhe servir de adubo. A

repetição desta atividade ocorria ainda mais uma vez antes da primeira colheita. Iniciada a

partir de um ano, essa fase se desenvolvia em diversos intervalos que variavam de 8 a 15 dias,

dependendo de cada caso, e se estendia por dois anos ou mais, até o roçado se esgotar.

Cabe destacar também que, além da banana, outras espécies eram cultivadas nesses

roçados. Dentre elas, destacavam-se o maxixi (Cucumis anguria), o milho (Zea mays), e o

jerimum (Cucúrbita spp.). Todavia, a produção dessas espécies de ciclo curto direcionava-se

basicamente ao autoconsumo, com exceção do milho, cuja comercialização em forma de

“mão”, ou seja, conjunto de 24 espigas, era feita em pequenos estabelecimentos comerciais

que, subsequentemente, revendiam esse produto para os fregueses que possuíam pequenas

criações de pato e/ou galinha ou que pretendiam plantá-lo futuramente.

Nesse sentido, observa-se que o cultivo da banana no Rio Pracuúba não constituía uma

monocultura. Pelo contrário, os roçados abrigavam, além dessa cultura, outras espécies de

ciclo mais rápido, cuja importância decorria basicamente do valor de uso. Essa característica,

aliás, não era peculiaridade dos roçados pracuubenses. Siqueira et al.(1993) destacam que nas

áreas de “várzeas alta” do igarapé Paricatuba, em Ponta de Pedras, a banana também era

cultivada de maneira consorciada com outras espécies, inclusive com o açaizeiro, fato que

gerava, com o esgotamento do bananal, uma transformação do status do roçado para açaizal.

Isto, entretanto, não acontecia no Rio Pracuúba, até porque na época em que a produção da

banana era mais intensa nesse rio, os açaizais não tinham importância econômica

significativa, diferentemente do caso descrito por Siqueira et al. (1993), no qual o contexto já

é marcadamente caracterizado pela ampla demanda econômica do açaí.

A mão-de-obra que trabalhava nos roçados era predominantemente masculina,

O amplo envolvimento dos homens nesse cultivo devia-se, sobretudo, às desgastantes

condições em que se desenvolvia. A roçagem e, principalmente, a derruba e a coivara

constituíam atividades extremamente meticulosas, cuja prática exigia além de força física,

muito cuidado e destreza. Na colheita, diferentemente dos arrozais, o conteúdo da mão-de-

obra não se alterava. Isto porque, neste caso, cada trabalhador tinha que cortar e carregar os

cachos de banana por extensos caminhos, até chegar às nascentes dos igarapés, de onde eram

transportados em batelões. Devido a essas condições de trabalho, o cultivo da banana era um

trabalho eminentemente masculino.

As relações de trabalho encetadas nesse cultivo caracterizavam-se, basicamente, pela

utilização da mão-de-obra contratada. Esta era constituída por trabalhadores diaristas, cuja

remuneração poderia ser em dinheiro ou em mercadorias. A primeira maneira de pagamento

era mais comum aos poucos agricultores que não possuíam estabelecimentos comercias. Já

aqueles que possuíam esses estabelecimentos geralmente pagavam seus trabalhadores com

mercadorias. O dinheiro era apenas um parâmetro para avaliar o valor da diária em

mercadorias. Este era o caso de agricultores-comerciantes como seu Joaquim Melo e seu

Raimundo C. Costa, cujas relações de trabalho geralmente passavam pelo balcão dos seus

estabelecimentos comerciais.

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