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10. A EMOÇÃO, AFETOS E OUTRAS SUBJETIVIDADES NA

10.3. A cultura de aceitação das rinhas

Atualmente os órgãos ambientais realizam com alguma frequência o fechamento e apreensões em locais utilizados para rinha de galos pelo Nordeste brasileiro, inclusive em João Pessoa e cidades do interior da Paraíba, como Santa Rita, Rio Tinto e em municípios menores.

Percebe-se que a tradição de participar das brigas de galo pode ser transmitida de pai para filho nas famílias. O professor de língua espanhola Sérgio Ricardo Lopes da Silva Bernardes (informação verbal)22, em entrevista a esta pesquisa, disse que durante a infância foi influenciado pelos familiares. “Eu sempre via eles brigando com os galos no quintal da nossa casa, e então comecei a criar também galos”.

Mas no depoimento o professor admitiu que demorou a custar a perceber que tratava-se de maus tratos e conscientizou-se para parar com a atividade: “Foi na escola que eu passe ia a ter uma noção maior sobre o reino animal, e então parei com as brigas”. Por meio de outras entrevistas para esta pesquisa, nos contatos junto aos órgãos fiscalizadores, demonstram que é comum pessoas da alta sociedade, inclusive detentores de cargos eletivos, estarem entre os participantes e até organizadores das rinhas de galos realizadas na região. Esta presença de pessoas e apostadores de “importantes” traz uma falsa ideia de legalidade destes tipos de eventos, o que inibe até a atividade fiscalizatória e aplicação do poder de polícia para inibir a ação.

Conforme o comandante do Batalhão Ambiental da Polícia Militar, “em algumas partes dessas rinhas existem também algumas autoridades, ai temos o devido respaldo

para que não ocorra aquela velha carteirada” informou em depoimento a este estudo (informação verbal).

Percebe-se, então, o interesse dos grupos sociais envolvidos nas rinhas e uma tolerância pelo fato de integrantes do poder público estarem entre os participantes da atividade. Em uma análise um pouco mais aprofundada, é possível relacionar estes fatos às ideias firmada nas primeiras décadas do século XX, sendo gestada no cruzamento do que Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2009) chama de práticas regionalizantes, sejam elas por interesses políticos ou culturais. Para o autor, o Nordeste é uma invenção recente na história brasileira.

Para Albuquerque Jr (2009, p. 27), “a história se assemelha ao teatro, onde os atores, agentes da história, só podem criar à condição de se identificarem com figuras do passado, de representarem papéis, de vestirem máscaras, elaboradas permanentemente”. O autor faz a reflexão acerca da região que sofre pelas determinadas visões impostas pela mídia e pela crítica cultural brasileira. Sobre o Nordeste, o historiador questiona a nossa própria postura em afirmar e reafirmar a concepção folclórica e regionalista do qual nós insistimos em perceber como homogênea e unitária. Para exemplificar, o paraibano traz a época de festas juninas, momento em que a paisagem urbana das grandes cidades nordestinas é maquiada por uma falsa concepção rural.

Independente da literatura acerca dos costumes nordestinos, é senso comum de que nesta região do Brasil claramente permite-se – com ou sem autorização judicial – a realização rinhas de galos. Nesse sentido, necessário se fazer um estudo da trajetória das permissões desta atividade, com ênfase nas decisões do judiciário que historicamente já ampararam esta permissividade ora citada. Por isso, a seguir irá se tratar destas situações de autorização das rinhas de galos.

A questão do uso de animais e um objeto de estudos da história ambiental, em uma perspectiva de entender a sensibilidade histórica ao longo do tempo nas diferentes culturas. Para a doutora em História pela Universidade Federal de Minas Gerais Regina Horta Duarte (informação verbal)23, “mais do que julgar outras culturas pelo uso, é compreender como os homens tiveram outras concepções do que é ou do que não é moralmente importante ou valorizado em relação aos animas” (DUARTE, 2014). Em entrevista a esta pesquisa, a visão da pesquisadora, entende-se cabe à História

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Ambiental o entendimento das práticas, como o caso da rinha de galo, sem posicionar- se favoravelmente ou contrariamente aos combates.

Posição semelhante se obteve do depoimento doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, Ely Bergo de Carvalho (informação verbal)24, que estuda a relação entre espécie humana e natureza. Para o historiador, a rinha é uma determinada prática cultural que tem que ser pensada em determinado contexto.

Não cabe à historia fazer um juízo de valor a respeito das diferentes práticas culturais. Quando nós reduzimos as práticas histórica ao julgamento da prática do outro segundo seu próprio conjunto de valores, você cria a impossibilidade do conhecimento e do entendimento do outro. Não cabe para a história um julgamento moral a respeito dessas a essas práticas mas cabe sim a compreensão, esse sim é o papel do historiador (CARVALHO, 2014).

Assim, necessária a compreensão dessas práticas em seus determinados contextos. Percebe-se ainda, com relação ás rinha de galos, que houve uma mudança de sensibilidades em relação à ela.

Em 2012, o pesquisador da Universidade do Estado de Santa Catarina Misael Costa Corrêa concluiu o mestrado em História com a dissertação “Costume Proibido: a Rinha de Galos na Grande Florianópolis (1980-2011)”. Foi realizada uma observação das alterações que acontecem com a briga de galos. O autor, que não se posiciona contrariamente à prática, tratou das sensibilidades observadas nos locais de rinha da região metropolitana catarinense. Essa sensibilidade é estudada pelo pesquisador com referência no livro “O Homem e o Mundo Natural”, de Keith Thomas. Para Corrêa (informação verbal),25 a sensibilidade está muito vinculada a um novo modo de vida urbano industrial, capitalista.

Como esse distanciamento que o modo de vida mais rural vai afetar na sensibilidade das pessoas. As pessoas vão começar a enxergar os animais e posteriormente também as plantas e a própria natureza de outra forma quanto elas estão cada vez mais afastadas delas. Então a gente vai começar a ter pena do animal, não é aquela pessoa que vive no campo vivendo diretamente daquilo, geralmente é a pessoa urbana que vai ter como animais de estimação cães, gatos e pássaros.

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Carvalho, em depoimento à esta pesquisa em 17 de outubro de 2014. 25

Assim, pelo depoimento de Corrêa (2014) a esta pesquisa, percebe-se que as pessoas que vivem na zona urbana vai criar um vínculo afetivo com esses animais diferente dos moradores da zona rural, que seriam pessoas que criam por necessidade, para o sustento ou uso dos animais para a alimentação. Ainda sobre as necessidades das pessoas de criarem animais, além de alimento, pode propiciar uma diversão, como é o caso da rinha de galo.

Sobre questão da relação com os animais, o historiador José Augusto Pádua (informação verbal)26 cita que se deve entender o tipo de imagem que os seres humanos projetam em relação aos animais, especializam essa relação com eles. “Por exemplo, a ideia do galo como alguma coisa brigadora e a mesma coisa em relação á tourada, tudo isso é uma construção história, uma construção cultural. Existem vários animais que têm que lutar no dia a dia. Mas por que o galo e o touro são escolhidos socialmente nesta prática?” (informação verbal).

Nesse sentido, ´percebe-se que os pesquisadores da historia ambiental analisam o contexto, possuem a percepção da prática da rinha enquanto cultural, porém não ofertam nenhum tipo de julgamento acerca da caracterização da prática como legal ou ilegal, em função dos caracteres sociais e históricos que estão presentes nas rinhas.

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11. HISTÓRICO DAS TENTATIVAS DE DESCRIMINALIZAÇÃO DAS