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Municípios brasileiros que fizeram leis para liberação das rinhas de galo

11. HISTÓRICO DAS TENTATIVAS DE DESCRIMINALIZAÇÃO DAS

11.1. As criações de leis para liberação das rinhas e as declarações de

11.1.1. Municípios brasileiros que fizeram leis para liberação das rinhas de galo

possibilitavam a atividade com aspecto legal, foram cinco casos que terminaram com a declaração de inconstitucionalidade, mesmo após a aprovação legislativa e consequente sanção das leis que liberavam as brigas de galo naqueles municípios. A seguir, um quadro indicativo, em ordem cronológica, das normas aprovadas e sancionadas no âmbito dos municípios, bem como a iniciativa para ação declaratória e embasamento da decisão.

QUADRO 4 - Leis municipais que permitiam as rinhas e respectivas ações de inconstitucionalidade

ANO MUNICÍPIO INICIATIVA

DA LEI PROPOSITOR DA AÇÃO JUSTIFICATIVA PARA A DECISÃO

1990 Salvador -BA Câmara

Municipal de Salvador Procuradora- Geral de Justiça do Estado da Bahia Constituição veda práticas que submetam animais à crueldade 1995 Quaraí-RS Município de Quaraí Ministério Público Estadual Dever do município de preservar a fauna 1998 Encruzilhada do Sul-RS Câmara Municipal de Encruzilhada do Sul Procuradoria- Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Contravenções penais são competência legislativa da União 1998 Taquari-RS Câmara Municipal de Taquari Procuradoria- Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul A união deve legislar sobre a fauna 1999 Nonoai- RS Câmara Municipal de Nonoai Procuradoria- Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Contravenções penais são competência legislativa da União 2001 Canguçu- RS Câmara Municipal de Canguçu Procuradoria- Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Constituição Estadual veda que lei municipal autorize rinha de galo 2001 Segredo-RS Câmara Municipal de Segredo Procuradoria- Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Dever do município promover a proteção ambiental 2001 Fazenda Vila Nova – RS Câmara Municipal de Fazenda Vila Nova Procuradoria- Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Constituição Estadual veda que lei municipal autorize rinha de galo

Fonte: Elaborado pelo autor com base na pesquisa documental e jurisprudencial

Percebe-se que em maioria foram municípios do Rio Grande do Sul as tentativas de liberação das rinhas de galo. Porém, todas as leis foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

No município de Quaraí, também do Rio Grande do Sul, foi aprovada a Lei nº 1.416/95, que instituía o “combate galístico como atividade de preservação das raças e aprimoramento zootécnico das aves usadas nesses esporte” (RIO DO GRANDE SUL, 1998). Essa lei assegurava a todas as entidades, desde que oficialmente constituídas, amplo apoio e desembaraço imediato na expedição de quaisquer documentos para o seu funcionamento.

Além disso, afirmava em seu texto que “seria permitido aos criadores, possuidores, aficionados do esporte galístico, amplo apoio no sentido de realizarem apresentações públicas dos seus melhores atletas, desde que sejam realizadas apresentações em instituições ou instalações adequadas para esse fim” (QUARAÍ, 1995).

Ainda dispunha o artigo 5º da lei de Quaraí que “deverá a entidade produtora de aves, ou proprietário, primar ao máximo pela melhoria, diversidade, e, acima de tudo, preservação e assistência aos animais usados nos combates” (RIO DO GRANDE SUL, 1998). Cabe aqui comentar-se que ou se preserva um animal, ou se coloca a ave para brigar em uma rinha. São duas coisas diferentes, e impossíveis de realizar-se ao mesmo tempo.

No texto da ação de inconstitucionalidade a Procuradoria da República alegou que “sob qualquer ângulo que se enfoque o tema, não poderia o legislador municipal pretender ‘legalizar’ prática vedada reiteradamente, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal” (RIO DO GRANDE SUL, 1998).

Entendeu ainda o tribunal gaúcho que a competição entre aves das raças combatentes está a corroborar para a extinção da espécie e submetendo as aves à crueldade.

Nesta mesma ótica, no município de Taquari-RS, a Lei Municipal n.º 1.759/98 violaria o artigo 13, V, da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul. Estabelece que é “competência do Município promover a proteção ambiental, preservando os mananciais e coibindo práticas que ponham em risco a função ecológica da fauna e da flora, provoquem a extinção da espécie ou submetam os animais a crueldade” (RIO GRANDE DO SUL, 1989).

Não bastasse, isso há violação de normas estabelecidas no Código Estadual de Proteção aos Animais, Lei Estadual n.º 11.915, de 21 de maio de 2003, que estabelece:

Art. 1º - Institui o “Código Estadual de Proteção aos Animais” estabelecendo normas para a proteção dos animais no Estado do Rio Grande do Sul,

visando a compatibilizar o desenvolvimento sócioeconômico com a preservação ambiental.

Art. 2º - É vedado:

I - ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência (RIO GRANDE DO SUL, 2003)

Assim, estaria o Município de Taquari legislando sobre matéria privativa da União, em função do artigo 22, I, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) uma vez que as competições entre as aves das raças combatentes constitui prática proibida no País, configurando inclusive ilícito penal.

Em março de 1998 foi aprovada a Lei Municipal nº 1.810/98, do Município de Encruzilhada do Sul, no Rio Grade do Sul, que autorizava a realização de exposição e competição de aves de raça, briga de galo de rinha.

Novamente o Ministério Público atuou por meio da Procuradoria da República, e ingressou com ação de inconstitucionalidade. Em decisão prolatada em 14 de setembro do mesmo ano de aprovação e sanção da lei - 1998- o Tribunal de Justiça gaúcho mais uma vez declarou a inconstitucionalidade de lei que autorizava a rinha. O acórdão foi assim ementado:

O art. 13, V da CE/89 veda que a lei municipal autorize a promoção, pelo homem, da rinha de galos, ou seja, promova brutalidade animal fora de seu habitat e normalidade, que é uma das tantas formas assumidas pela crueldade humana contra outras espécies.(RIO GRANDE DO SUL, 1998)

Entenderam ainda os desembargadores gaúchos que a briga de galos constitui contravenção penal, seja por jogo de azar ou pelo maltrato aos animais, e constituiu competência exclusiva da União a de legislar em matéria penal (RIO GRANDE DO SUL,

1998).

Porém cabe aqui mostrar que o mesmo município de Encruzilhada do Sul ainda prevê a realização de rinhas por meio do Código de Posturas do Município, de 1974:

Art. 54 – A realização de jogos lícitos, das corridas de cavalos e das rinhas de galo, depende de prévia licença da Municipalidade, atendida a regulamentação especifica a ser baixada pela Prefeitura (ENCRUZILHADA DO SUL, 1974)

Apesar do código estar ainda em vigor, não serve atualmente de amparo para a realização de rinhas no município de Encruzilhada do Sul no Rio Grande do Sul, pelo

fato da Promotoria de Meio Ambiente e o próprio poder público municipal não autorizarem esta prática.

Em 2001 foram três leis sancionadas em municípios gaúchos para autorizar as rinhas. A primeira foi em dois de outubro quando houve a aprovação Lei nº 2067, do Município de Canguçu, que estabeleceu regras para a realização da competição entre aves de raças combatentes, e determinou requisitos para a prática das rinhas de galo, quando revestidas de caráter esportivo.

Esta lei municipal em questão autoriza "as rinhas de galo no Município, quando revestidas de característica de competição esportiva", submetendo-se a competição às "regras e normas a serem estabelecidas por associações esportivas ou associações de criadores de galo de rinha, juntamente com os órgãos especializados no assunto" conforme o artigo 2º (RIO GRANDE DO SUL, 2003).

Na ação contra o legislativo do município de Canguçu, um dos argumentos para a inconstitucionalidade da lei, foi a utilização do animal para a diversão humana. Baseou-se o relator do processo em uma decisão do STF (BRASIL, 2000).

Uma coisa é o desenvolvimento dos instintos do animal no seu habitat, no qual lutas são naturais, e outra, completamente diferente, é explorá- los por prazer ou diversão, conduzindo o animal a disputas lancinantes e sangrentas, em geral ultimadas pela morte de um dos contendores. Valha o argumento de que a “rinha de galo” não constitua delito penal. Não se mostra menos inconstitucional a lei, porém, que estimula esta disputa, sob o pretexto de preservar e aprimorar a espécie, porque o art. 13, V, da Constituição veda que ação humana promova brutalidade animal, que é uma das tantas formas assumidas pela crueldade humana contra outras espécies. Atualmente, a ideia de que o animal é um simples objeto (res), e dele o homem pode se apropriar e dispor, como lhe aprouver, não se mostra mais aceitável, apresentando progressivos limites (AC 598104586, referida inicialmente).

Em 05 de maio de 2003 entendeu o Tribunal de Justiça gaúcho que a lei municipal de Canguçu é inconstitucional. Este tipo de disputa não pode ser realizada sob o pretexto de preservar e aprimorar a espécie, porque o art. 13, V, da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul veda que ação humana promova brutalidade animal, que é uma das tantas formas assumidas pela crueldade humana contra outras espécies (RIO GRANDE DO SUL, 2003).

Em 27 de novembro de 2001, no município gaúcho de Fazenda Vila Nova, a prefeitura sancionou a Lei n.º 310-01/2001, de que autorizava a criação e realização de

exposição e competição de aves das raças combatentes exóticas com licenciamento do IBAMA, a fim de preservação dessas espécies (FAZENDA VILA NOVA, 2001).

Pelo texto da lei, ficaria o Poder Executivo responsável pelo cadastro e licenciamento de entidades produtoras de aves ou criadores particulares, e deveria a entidade produtora de aves primar “ao máximo pela melhoria, diversidade e, acima de tudo, preservação e assistência aos animais usados nos combates” (FAZENDA VILA NOVA, 2001).

Sustentou a Procuradoria da República, autora da ação, que o Município de Fazenda Vilanova, ao autorizar, no âmbito municipal, a realização de exposições e competições entre “aves de raça combatentes exóticas”, invadiu, desbordando do interesse meramente local, a competência legislativa da União, desrespeitando a normativa federal que proíbe jogos de azar, bem como maltrato aos animais. O Tribunal de Justiça acatou o pedido e determinou a inconstitucionalidade.

Menos de um mês após a aprovação da lei de Fazenda Vilanova, em 28 de dezembro de 2001, foi aprovada a Lei nº 954, do Município de Segredo no Rio Grande do Sul. A lei normatizava a criação, exposição e competições entre aves combatentes da espécie Galus-Galus , estabelecendo os requisitos para a prática de lutas, indicando, como objetivo, a preservação da espécie, o que, entretanto, visa ‘legalizar prática vedada por constituir contravenção penal (RIO GRANDE DO SUL, 2002).

No dia 1º de julho de 2002 decidiu o Tribunal de Justiça gaúcho pela inconstitucionalidade da norma, alegando que é da competência do município promover a proteção ambiental, preservando os mananciais e coibindo práticas que ponham em risco a função ecológica da fauna e da flora, provoquem a extinção da espécie ou submetam os animais a crueldade, o que acontece da prática dos combates de galos (RIO GRANDE DO SUL, 2002).

Pela decisão, os julgadores afirmaram que uma legislação municipal nunca deve extrapolar seus próprios interesses nem entrar em confronto com interesse estadual ou nacional. Seriam as brigas de galo uma prática proibida no país - ilícito penal, constituindo-se, assim, em matéria da competência privativa da União. Desta forma, não resta dúvida de que a lei municipal de Segredo-RS também violava os dispositivos constitucionais.

Já na Bahia, houve aprovação de legislação na capital daquele estado. A Lei Municipal nº 4.149/90 permitia a realização de brigas de galo naquele município.

Ocorre que a norma municipal de Salvador feria diretamente o artigo 214, inciso VII, da Constituição Estadual da Bahia, no qual prevê:

O Estado da Bahia e municípios obrigam-se, através de seus órgãos da Administração direta e indireta a:

VII – proteger a fauna e a flora, em especial as espécies ameaçadas de extinção, fiscalizando a extração, captura, produção, transporte, comercialização e consumo (BAHIA, 1990).

A partir desta alegação de desrespeito à Constituição Estadual baiana, a Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal dirigiu representação à Procuradoria de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. O então Procurador-Geral de Justiça, Carlos Alberto Dutra Cintra impetrou ação de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça da Bahia no dia 30 de janeiro de 1991. Em 12 de junho de 1992 a ação foi julgada procedente por meio da seguinte ementa:

É inconstitucional a lei municipal que disciplina a briga de galos porque submete os animais a crueldade (art. 214, VII, da Constituição Estadual e art. 225, § 1º, item VII, da Constituição Federal. (...) Tudo isso demonstra à sobeja que a briga de galos é ilegal e evidentemente também anticaridosa. Por conseqüência, parece-me procedente e, assim, dou todo meu apoio (...) ao imediato e definitivo fechamento das rinhas de galos em todo Território Nacional, em obediência à Lei e em respeito ao sentimento de piedade, sem o qual o homo sapiens, além de perder sua sapiência, deixa de ser humano e transforma nessa modalidade de culto e apreço à volúpia da inocência e da maldade no ser mais perigoso e vil da escala zoológica (BAHIA, 1992).

Dessa forma, o judiciário baiano em seu órgão máximo, o Tribunal de Justiça, não apenas proibia a prática das rinhas como também sugeria que se fechasse os locais desta atividade em todo o país.