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1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: SÉCULOS

1.4 Cultura escolar e práticas educativas

No final do século XX o processo de democratização do ensino, principalmente no Ensino Fundamental e Médio, foi relevante, resultando no acesso à escola um direito efetivo para a maioria da população brasileira. O crescimento na oferta de vagas veio atrelado a uma flexibilização do processo de avaliação do sistema educacional, resultando assim num crescente processo de deteriorização da qualidade do ensino paralelo a uma democratização do espaço escolar.

Isto é perceptível principalmente nos resultados que têm sido apresentados nas últimas décadas pelo Ministério de Educação e Cultura referente aos constantes processos de avaliação do sistema educacional, desde as séries iniciais até o ensino superior. Obviamente que esta queda na qualidade do ensino está vinculada a uma série de fatores, como por exemplo: desvalorização do magistério, precariedade nos cursos de formação de professores, desestabilização dos núcleos familiares, perda de valores morais e éticos no contexto social, dentre outros. Estes fatores se entrelaçam, dificultando de maneira mais efetiva um crescimento real na qualidade do ensino no país.

Segundo Souza (2008, p. 227) as crianças e os jovens que adentraram os portões dos espaços escolares brasileiros a partir da década de 1970 do século XX, vivenciaram um processo de escolarização bem diferenciado daquele recebido pelas gerações anteriores. ―Tanto a organização do trabalho escolar quanto o currículo foram profundamente transformados‖.

A extensão da escolaridade primária – obrigatória e gratuita – foi consagrada na Reforma de 1º e 2º Graus em 1971, com a instituição do ensino

fundamental de oito anos de duração. Em realidade, a então denominada escola de 1º Grau constituída a partir da fusão do ensino primário com o ensino ginasial, foi uma das mais significativas mudanças do período, repercutindo na organização da rede de ensino, na profissionalização do magistério e nas representações sociais sobre a educação escolar (SOUZA, 2008, p. 228).

Contudo Souza (2008, p. 228) observa que as maiores transformações ocorreram no Ensino Secundário, pois até aquele momento predominavam os conteúdos com a base filosófica humanista, o que era legitimado pela sociedade da época. Com a nova legislação estes conteúdos serão ―substituídos pela cultura científica e técnica orientada para o trabalho‖. A autora pontua que a mudança mais impressionante foi a profissionalização obrigatória de todo o Ensino de 2º Grau. ―Em menos de duas décadas, foram solapadas as culturas escolares instituídas no ensino primário e secundário brasileiro ao longo do século XX. Uma situação nova se inscrevia na paisagem educacional do país‖ (SOUZA, 2008, p. 229).

Ainda segundo Souza (2008, p. 267) a 2reforma de 1971 assinalou a extensão da escolarização obrigatória e a ―[...] tentativa de eliminação da dualidade do sistema educacional mediante a implantação de uma escola única de 1º e 2º Graus‖. Para a autora,

A reordenação simplificava a estrutura educacional, imprimindo-lhe maior racionalidade atendendo, em certa medida, reivindicações democráticas como a extensão da escolaridade obrigatória e a maior articulação entre os ramos de ensino médio. Contudo, ela abalava significativamente modos de compreender e praticar o ensino, impactando as representações sociais sobre a escola pública e a cultura escolar (SOUZA, 2008, p. 268).

De que maneira as escolas receberam e vivenciaram as mudanças implantadas por meio da reforma de 1º e 2º Graus? Como contextualizar o espaço escolar após transformações tão profundas? Quais alterações tem sido possível se verificar na materialidade escolar após as inovações da década de 1970?

Mudanças na cultura escolar costumam ocorrer de modo lento e imperceptível. Somente a história das instituições educativas pode reconstituir os enfrentamentos cotidianos, as estratégias e ações dos atores educacionais, o intricado e difícil movimento de apropriação das prescrições para o ensino no âmbito das práticas (SOUZA, 2008, p. 268).

2 Os termos 1º e 2º graus foram institucionalizados para o Ensino Secundário através da Lei 5.692/71, a partir da Lei 9.394/96 (LDB) a Educação Básica passa oficialmente a se subdividir em Educação Infantil (primeira etapa), Ensino Fundamental (segunda etapa) e Ensino Médio (etapa conclusiva).

As questões normativas relacionadas com a didática e a questão curricular foram implantadas formalmente nas escolas, porém a sua legitimação trilhou percursos diferenciados a depender da realidade de cada espaço escolar. Em relação ao processo avaliativo, a docência, que estava acostumada a uma maior rigidez no processo de avaliação do ensino- aprendizagem, teve dificuldades para se adaptar a uma concepção mais flexível de avaliação com um maior peso qualitativo em detrimento do quantitativo. A ideologia da ditadura militar ecoou nos espaços escolares e conseqüentemente as práticas educativas relacionadas com o patriotismo e o civismo foram reforçadas, como por exemplo, o hasteamento da bandeira e o canto do Hino Nacional.

Segundo Souza,

[...] a torrente de mudanças que assolaram as escolas públicas em pouco tempo – o crescimento excepcional do número de alunos matriculados, a renovação e ampliação do quadro docente, as pressões para modificação dos métodos de ensino e as estratégias de redução dos índices de evasão e repetência aliados aos baixos salários dos professores, precárias condições de trabalho e da rede física – redesenharam o quadro da educação pública, anunciando a emergência de uma nova cultura escolar e reiterando a percepção social de falência do ensino no país (SOUZA, 2008, p. 283).

Em meados dos anos 1980, quando a ditadura militar chegava ao final e iniciava-se o processo de redemocratização do país, as escolas no Brasil assumem de maneira plena uma nova roupagem no que tange à materialidade escolar e as práticas educativas. Em parte, a herança deixada pelas décadas anteriores vai cedendo espaço para uma nova cultura escolar em que começa a se perceber uma menor rigidez em relação a determinadas práticas que identificava o modelo de escolarização que perdurou nos espaços escolares brasileiros até a década de 1970.

O uso do uniforme foi flexibilizado, bem como as turmas enfileiradas para entrarem nas salas de aula; as carteiras fixadas no chão deram lugar a cadeiras anatômicas bem mais apropriadas para o uso de dinâmicas e metodologias diferenciadas; os professores passaram a ser confrontados continuamente com o novo momento vivenciado pela educação brasileira e desta maneira se viram obrigados a revisarem suas práticas pedagógicas a partir de concepções de ensino difíceis de serem aceitas e legitimadas. A disciplina, a ordem, a obediência e a hierarquia passam a ser mais contestadas pela classe estudantil. O acirramento desses confrontos generalizou ―[...] no campo educacional brasileiro a percepção segundo a qual a queda da qualidade do ensino fora uma decorrência da democratização arduamente conquistada‖ (SOUZA, 2008, p. 283).

O descontentamento com a deterioração da gestão das redes públicas, o rebaixamento salarial dos professores, a elevação das despesas escolares pela ampliação da escolaridade sem aumento dos recursos, os inúmeros casos de desvio de recursos, além de abrirem portas à iniciativa privada, levaram a sociedade civil a propor soluções que se tornaram ações políticas concretas por ocasião das eleições de 1982 [...] (LIBÂNEO et al, 2008, p. 138-139).

Ainda conforme Libâneo et al,

A modernização educativa e a qualidade do ensino, nos anos 90, assumiram conotação nova, ao se relacionarem à proposta neoconservadora que inclui a qualidade da formação do trabalhador como exigência do mercado competitivo em época de globalização econômica (LIBÂNEO et al, 2008, p.139).

A nova formatação da escola em relação à sua materialidade, saberes e práticas educativas vão se conformando aos valores da sociedade urbano-industrial, legitimando desta maneira uma cultura científica e técnica, na qual o objetivo mais importante foi a formação para o trabalho, tendo como padrão de qualidade a eficiência e a competência. Segundo Souza (2008, p. 291-292), ―[...] é necessário reconhecer os novos significados adquiridos pelo projeto civilizador pela escola; projeto esse reconstruído continuamente pelos atores educacionais, incluindo os alunos‖. A autora destaca que a nacionalidade e os ―códigos de civilidade‖, que imperaram ao longo do século XX tiveram sua importância reduzida na subjetividade dos discursos veiculados pela escola na atualidade, tanto no espaço da sala de aula quanto fora deste espaço. Isto se justifica pela conjuntura política e ao ―[...] alinhamento do Brasil à nova ordem mundial e aos processos de globalização‖.

Por último, Souza (2008) observa que os meios de comunicação de massa têm disseminado padrões culturais de comportamento e valores urbanos que reduzem o valor e o papel que antes era desempenhado pela escola. Frente a esta realidade, o espaço escolar tem se tornado palco de grandes indagações: qual o verdadeiro papel da escola na atualidade? De que maneira a sala de aula pode vir a se tornar em um lugar de descoberta do conhecimento e de relacionamentos prazerosos? Os atores que produzem cotidianamente a vida na escola, sejam eles professores, alunos, funcionários e pais clamam por uma maior valorização da educação. A insatisfação tem sido geral e a luta por mudanças significativas nas relações que se estabelecem no espaço escolar precisa ser coletiva. Este novo momento vivenciado pela educação brasileira tem sido fruto de apropriações que permearam o espaço da escola nas últimas décadas, resultando assim em representações sociais que tem legitimado novos saberes, e conseqüentemente novas práticas educativas.

2 A DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: GÊNESE E FORMAÇÃO

Este capítulo tem o objetivo de analisar a origem do ensino superior no Brasil, a formação docente do professor universitário, bem como o contexto de implantação dos cursos de licenciaturas, com destaque para o curso de Licenciatura em Geografia. Apresenta também uma discussão teórica sobre estágio supervisionado, saberes e prática no ensino de Geografia; analisa os conceitos de memória, representações sociais e trabalho docente na perspectiva da formação da identidade profissional no exercício da docência.