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1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: SÉCULOS

4.2 A vivência do estágio supervisionado: representações sobre a teoria

4.2.2 Dificuldades e superação

Os primeiros passos trilhados na carreira docente, principalmente após a vivência do estágio e conclusão da graduação, não acontecem sem a superação de algumas dificuldades iniciais, pertinentes a toda caminhada profissional, e não foi diferente na vida dos sujeitos desta pesquisa. A trajetória inicial destas docentes foi marcada por problemas como: acúmulo de carga horária, turmas superlotadas, indisciplina, salários baixos, cerceamento da autonomia em sala de aula, ausência de recursos didáticos na unidade escolar, trabalhar com disciplinas para o qual o professor não estava habilitado, cobranças institucionais, conflitos professor- aluno e aluno-aluno, discriminação pelo corpo docente pela perspectiva da chegada de idéias inovadoras, dificuldades teóricas e metodológicas, o acúmulo de papéis enquanto mães, esposas e profissionais, etc. O relato da Profa. B informa aspectos desta realidade: ―Então eu me deixava abater por muitas coisas, um comentário de um aluno me desarrumava, uma cobrança institucional também, mas como eu sempre fui muito responsável, eu ficava num patamar menor‖.

E aí a gente começou a lidar com problemas terríveis com indisciplina. Muitas vezes a gente tentava ver com a direção da escola uma forma de resolver. A direção da escola tentava, mas não conseguia. Foi nesse período que eu tinha 20 horas, eu ampliei a carga horária pra 40 horas [...]. Quando eu ampliei a carga horária pra 40 horas, começou a ficar muito difícil (Profa. D).

Trabalhava de manhã, de tarde e a noite. Sexta-feira eu dava seis horários de manhã, seis horários à tarde e cinco horários à noite. Sábado eu não conseguia abrir os olhos porque doía. Doíam os cílios de tanto ficar ligada. E isso me impulsionou muito a ter uma vida com mais qualidade (Profa. F). Eu comecei a dar aula em Salvador em 74 [...]. Todas as dificuldades, período de cerceamento, de ter o censor na sala, te observando dar aula, vigiando tudo aquilo que você falava, o método de conduzir o aluno, principalmente nas aulas de humanas [...]. Outra dificuldade que eu tinha, e

eu senti muito, quando eu comecei as aulas na escola pública [...], foi a discriminação do corpo de professores; que eu era nova [...], eu era menina com vontade, que fazia as coisas direito e que destoava da acomodação da escola pública, como ainda é hoje. Então assim, a grande dificuldade que eu senti, foi que eu queria fazer um trabalho legal, queria fazer um trabalho bem feito, mas eu nunca desisti (Profa. A).

[...] eu acho que é uma dificuldade grande, de você conciliar seu trabalho com a sua vida pessoal. [...] acho que esses são aspectos mais específicos que atingem a condição de mulher professora, são os aspectos que mais trazem angústia pra gente. Porque você se vê em determinados momentos sendo obrigada a realizar determinado tipo de atividade que você se sente sobrecarregada para aquilo, porque você tem uma casa pra dar conta, você tem filho pequeno, você tem demanda de filhos na escola [...] (Profa. E). [...] a Sacramentinas, que era uma escola particular, de freira, religiosa e conhecida na cidade, foi e achou de me chamar. Quando eu chego lá, era pra ministrar adivinha que disciplina? Não era Geografia, era História. E aí, meu Deus, eu quero ensinar Geografia, eu fui formada para Geografia, eu quero ensinar geografia (Profa. C).

As respondentes, em vários exemplos, contestam os limites impostos, ultrapassando-os através da avaliação desse processo de conhecimento, quando elas próprias se põem como objeto de conhecimento. A riqueza das dificuldades que se apresentam nestas trajetórias, muitas vezes em função da precarização do trabalho docente, se encontra justamente no fato de que todas elas contribuíram de alguma forma para forjar nestas profissionais do ensino a sua identidade docente através das estratégias que foram sendo gradativamente construídas objetivando a superação em maior ou menor intensidade destas barreiras. Mesmo que algumas destas dificuldades ainda existam, o mais relevante é o exercício da prática docente nos espaços de resistência da escola, onde o processo de superação é cotidiano e se apresenta nas suas mais variadas formas.

O relato da Profa. B demonstra um amadurecimento natural na profissão e a clareza que esta maturidade permite diante de algumas dificuldades, apesar da possibilidade de ainda ser pega de surpresa em alguma situação, uma vez que a dinâmica da sala de aula proporciona a possibilidade do novo a cada dia: ―[...] hoje eu tenho uma dinâmica de trabalho própria, eu tenho uma personalidade profissional estruturada, eu sei lidar com muitas coisas. Mas ainda sou surpreendida, entendeu?‖.

A qualidade da formação no que diz respeito à fundamentação teórica do curso é apresentada também como um instrumento de superação das dificuldades, contudo, a respondente deixa claro que esta formação inicial é só um primeiro passo, o caminho a ser percorrido é responsabilidade do professor, então a gestão desta formação continuada, perpassa também por uma iniciativa que é em parte pessoal e em parte governamental.

A base teórica foi construída na formação inicial. E tem até a questão Sandra de saber que aquilo ali era só o primeiro passo e o restante quem tinha que dar era eu mesmo. Até isso foi construído lá. Hoje a gente vê alguns alunos reclamando, querendo que uma disciplina seja 100%, que o professor não consegue abordar todas as referências. Essa coisa toda que a gente já reclamou também, que a gente já falou também, isso vem amadurecendo. A gente percebe que é só o primeiro passo que o restante quem tem que fazer é o aluno (Profa. F).

A superação das dificuldades também esteve atrelada à base pedagógica e metodológica construída durante o percurso da graduação, tendo sido apontadas pela Profa. A como fundamental no início da trajetória docente enquanto estratégia de superação de algumas dificuldades e também a base teórica da Geografia que conforme a respondente foi adquirida no decorrer da sua militância nos congressos.

[...] a minha segurança sempre foi o meu planejamento. E isso eu aprendi aonde? Isso eu aprendi na minha graduação. A base pedagógica, a base metodológica, pra mim, ela foi fundamental. E isso a universidade me deu de forma muito forte. A parte de conteúdo da geografia, não. Essa, o que me deu, foi a minha militância nos congressos. Então, a geografia na verdade, eu aprendi fora da universidade (Profa. A).

Outro aspecto de estratégia de superação das dificuldades iniciais da carreira docente é pontuado pela Profa. E, quando ela aborda que mesmo tendo vivenciado o exercício da docência antes da graduação, a trajetória no curso de formação se apresentou como um tempo de desconstrução de alguns saberes que estavam cristalizados e a possibilidade de aquisição de novos saberes que de certa maneira poderiam produzir um novo significado à sua prática docente.

Eu acho que a contribuição da graduação é importantíssima, porque muito daquilo que você ensina passa a ser ressignificado. Algumas temáticas que eram tratadas sem mostrar muito as contradições, sem explorar as multiplicidades de abordagens, o tratamento dos conteúdos era mais linear. Na graduação não. Na graduação você vê todo esse arcabouço que você tinha, ser desconstruído, desconsertado. Então, eu acredito que esse processo é fundamental (Profa. E).

O ―fazer‖ professora e ―ser‖ professora se ligam intimamente na medida em que as trajetórias percorridas pelas docentes entrevistadas se apresentam permeadas de vivências no processo de formação inicial que vão se concretizar no percurso da carreira docente, se materializando em suas práticas e alicerçadas na base epistemológica construída na graduação. Nesta perspectiva, a sala de aula, enquanto espaço de diálogo, de embates, de

construção e transmissão de conhecimento, se traduzirá na concretização das práticas sociais das protagonistas desta pesquisa.