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1 A IMAGEM FOTOGRÁFICA NO CAMPO DOS ESTUDOS

1.1 ESTUDOS VISUAIS

1.1.2 Cultura fotográfica

Ao trabalhar com imagens fotográficas do século XX, optou-se pelo viés da cultura fotográfica abordada por Maria Inez Turazzi (1998) e Ivo dos Santos Canabarro (2009). Ambos os autores afirmam a importância de interpretar as imagens através do estudo da cultura fotográfica na sociedade contemporânea, situando a cultura fotográfica nacional num cenário mais geral, visto que existe uma cultura fotográfica mundial.

39 MAUAD, op. cit., 2005, p. 144. 40 Ibid., p. 139.

Para Ivo dos Santos Canabarro, as atuais produções e discussões ultrapassam os limites de uma história da fotografia, os pesquisadores41 atuais não

buscam apenas conhecer as técnicas, as biografias dos fotógrafos e os artefatos envolvidos, mas também uma produção em que a “fotografia [esteja] inserida socialmente, situada em seu contexto histórico de pertencimento”.42

Maria Inez Turazzi (1998) aborda, em seu texto, a dificuldade conceitual que parte de duas definições: a cultura e a fotografia. Para ela, cultura é a

expressão singular com a qual englobamos uma enorme variedade de concepções sobre os modos de ser, fazer e pensar dos homens, as heranças e tradições simbólicas ou materiais de uma sociedade, tanto as formas mais diversificadas de criação e de representação da identidade de um povo ou de um grupo social determinado, de uma época ou de um lugar.43

Nesse sentido, entende-se que pela busca de representação de um grupo através da fotografia, a cultura define o olhar de si mesma e sobre as demais sociedades.

Ivo dos Santos Canabarro (2009) afirma que a fotografia e sua diversidade de informações possibilita ao pesquisador a interpretação das representações sociais. As fotografias registram as “distintas situações de vivência dos atores individuais e coletivos, possibilitam o entendimento das diferenças sociais dos grupos, revelando questões que dizem respeito à sua atuação em um determinado contexto histórico”.44

No entanto, as fotografias não devem ser utilizadas apenas como ilustração de um texto verbal, mas como fonte de pesquisa que contemplam recortes de contextos sociais e, mesmo que essa seja uma representação visual, os retratados estiveram em um determinado momento presentes diante da câmera, num

41

Entre os pesquisadores que investigam a fotografia como produto social podem ser citados “autores franceses como Michel Frizot, André Gunthert, Michel Pouvert, Georges Didi-Huberman, Clément Chéroux, André Rouillé, dentre outros, [que] procuram investigar a fotografia como um produto social, considerando as mediações entre a imagem e a sociedade e a maneira pela qual a fotografia retrata a sociedade e as relações sociais”. CANABARRO, Ivo dos Santos. Dimensões da

cultura fotográfica no sul do Brasil. Ijuí: Unijuí, 2011. p. 28-29.

42 CANABARRO, op. cit., 2011, p. 28.

43 TURAZZI, Maria Inez. Uma cultura fotográfica. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional - Fotografia, São Paulo: Iphan, n. 27, p. 8-9, 1998.

44

CANABARRO, Ivo dos Santos. A construção da cultura fotográfica no sul do Brasil. Imagens de uma sociedade de imigração. 2004. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em História, UFF, Niterói (RJ), 2004. p. 17.

determinado espaço e tempo, atestando, de certa forma, o caráter histórico da imagem.

Dessa maneira, a fotografia é uma alternativa a mais para a leitura da realidade. De acordo com Ivo Canabarro, enquanto um produto social pode ser uma alternativa a mais de leitura da realidade e como produto cultural, uma construção que envolve um mediador, o fotógrafo, que seleciona e enquadra os elementos compositivos da imagem bidimensional. Assim, entre o fotógrafo e o retratado existe a tecnologia que permite esse recorte da realidade que, considerado produto cultural, faz parte de um contexto histórico, influenciado pelo olhar do fotógrafo, das representações sociais impressas e pela tecnologia utilizada para a construção da imagem.

Ivo dos Santos Canabarro afirma que as imagens fotográficas permitem expandir o olhar do historiador e pesquisador porque trazem à cena “atores sociais em diferentes situações de atuação e permitem que se conheçam os cenários em que as atividades cotidianas desenvolvem-se, como também, a diversidade das articulações e das vivências dos atores sociais que atuaram em um determinado contexto sócio-cultural”.45 Nessa perspectiva, entende-se que as imagens podem

servir como suporte de memória coletiva por registrarem “cenas de um tempo

continuum”, que podem ser transportadas para outros tempos, numa relação que mistura passado e presente.

A imagem fotográfica atende a diversas demandas de diferentes grupos sociais. Assume distintas funções sociais e é usada com frequência para divulgar e legitimar o poder, muitas vezes através das representações sociais que “podem interferir na construção de modelos ideais de comportamentos a serem seguidos pelos demais grupos de uma sociedade. Esta forma impositiva de legitimação das representações, por intermédio das fotografias, serve também como um meio importante para a construção da identidade, tanto individual quanto coletiva”.46 Maria

Inez Turazzi também afirma que a cultura fotográfica se expressa nos usos e funções das imagens fotográficas, nas suas representações e na forma como são utilizadas pela sociedade.

45 CANABARRO, 2011, p. 20. 46 Ibid., p. 29.

A memória coletiva abordada por Ivo dos Santos Canabarro (2004) também foi mencionada por Maria Inez Turazzi (1998), quando afirma que a construção de uma identidade nacional perpassa pela fotografia e pela cultura fotográfica. A autora argumenta que a forma como a fotografia “participa da construção imaginária do nacional também define a originalidade de uma cultura fotográfica: seja através da atividade de documentação visual dos elementos concretos dessa construção, como a população, o território, a natureza, etc.; seja através da utilização e combinação, de uma forma própria, das referências simbólicas e materiais da identidade cultural de um povo”,47 apesar de as controvérsias cercarem os dois conceitos: identidade e

nacional.

Pelos argumentos da autora, a cultura fotográfica é uma das formas de cultura, pois a fotografia continua sendo um recurso visual para a formação da identidade (pessoal ou coletiva), na qual se materializa a “visão de si, para si e para o outro”, assim como a visão do outro e das diferenças. A existência da cultura fotográfica é o que move nosso interesse pela fotografia como espectadores e admiradores, ou como constituintes das imagens, sendo visualizados e exibidos.

Assim, a cultura fotográfica vai além do estudo biográfico dos fotógrafos, das tecnologias empregadas, das escolhas formais e artísticas. A cultura fotográfica abrange também a linguagem utilizada tanto por pesquisadores no meio acadêmico quanto no cotidiano ou nas discussões políticas. Expressões como foco, desfocar, pose, retrato, instantâneo, e várias outras do vocabulário, demonstram a inserção dessa prática num universo cultural mais amplo.

Desde sua invenção, a fotografia tem gerado polêmicas em torno da sua natureza, de seus usos e funções e da sua relação com outras linguagens e formas de expressão. Para Maria Inez Turazzi, os anseios artísticos e as funções da fotografia foram alterados consideravelmente desde seu surgimento no século XIX, em razão das transformações do aparato tecnológico e até das alterações estéticas, como os retoques nos negativos e positivos das imagens.

A existência de vários acervos fotográficos no Brasil instiga a discussão da importância desses para a construção do conhecimento através das imagens fotográficas, as quais são fontes privilegiadas por comportarem informações que, muitas vezes, não são encontradas na documentação escrita. Assim, as fontes

imagéticas possibilitam avançar as pesquisas para além de meras descrições, constituindo-se em expressões de realidades vividas.48 Nesse sentido, a cultura

fotográfica não está restrita a lugares consagrados como museus e arquivos ou grandes coleções de jornais e revistas. A autora afirma que essa cultura fotográfica está espalhada pelo Brasil, em acervos pequenos ou de médio porte, públicos ou particulares, em pequenas colônias do final do século XIX e início do século XX e até em grandes cidades brasileiras. Assim, a “cultura fotográfica de uma sociedade também se forma e se manifesta através da incorporação da fotografia em outros domínios da vida social, como artesanato popular, as crenças religiosas e políticas, as sociabilidades familiares e urbanas, a inspiração artística ou literária”.49