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Hoje, as relações institucionais baseiam-se no modelo da confiança. Giddens (1991b, p. 87) ressalta que a natureza das instituições modernas está profundamente ligada ao mecanismo da confiança em sistemas abstratos49, como os códigos de ética profissional. A introdução desses sistemas, segundo

48 Relatório Final de Avaliação do PQI, 2006.

49 Sistemas abstratos como meios de estabilizar relações através de extensões indefinidas de

136 o autor, tem contribuído para o “esvaziamento” da vida cotidiana, conseqüência mesmo do discurso moderno.

Em contraposição ao ambiente de confiança, assumem-se riscos, cujo ambiente de risco é, segundo Giddens (1991b, p. 104), constituído das seguintes ameaças:

1) ameaças e perigos emanados da reflexividade da modernidade;

2) ameaça de violência humana a partir da industrialização da guerra;

3) ameaça de falta de sentido pessoal derivada da reflexividade da modernidade aplicada ao eu.

Na sua forma distintiva e contemporânea, a reflexividade está ligada ao que Giddens (1991b) chama de sistemas de especialidades (sistemas peritos, conforme se verá mais adiante): sistemas constituídos por especialistas (tais como médicos, terapeutas, advogados, cientistas e técnicos) com conhecimento técnico altamente especializado do qual se é cada vez mais dependente.

Pergunta-se: Como é possível o sistema manter-se sólido e manter confiança em face dos arroubos que o cercam?

Essa pergunta é bem pertinente quando se trata do sistema nacional de pós-graduação, caso se queira estudar o papel do ambiente e a resposta do sistema sob o prisma da reflexividade, já que se exige prontidão nas respostas ao meio (como agir) de modo coerente e responsável.

A reflexividade, portanto, refere-se à revisão intensa, por parte dos atores sociais, da maioria dos aspectos da atividade social, à luz de novos conhecimentos gerados pelos sistemas especialistas, como o é o sistema da pós-graduação. Devido à relação entre esses conhecimentos e o monitoramento reflexivo da ação, Chouliaraki & Fairclough (1999) sugerem que a reflexividade inerente à ação humana foi “externalizada” na modernidade, ou seja, as informações de que os atores sociais se valem para a reflexividade que vem “de fora”.

Um sistema, portanto, como intensificador da reflexividade, responde interna e externamente às expectativas criadas pelos discursos (comunicações) gerados no âmbito de outros sistemas sociais. Essa resposta do sistema vai de acordo com o tipo de mensagem que recebe: se sistemas afins, pouca complexidade; se sistemas diferenciados, muita complexidade; se sistemas fechados, redução da complexidade; se sistemas abertos, aumento da complexidade. Em qualquer deles, há sempre o fechamento operacional do sistema, no sentido de Luhmann, haja vista ser ele um redutor automático da complexidade.

Apesar de ser um sistema fechado, a pós-graduação responde a certos anseios. Só para ilustrar, as novas competências da Capes é um exemplo de entrada (léxicos novos), cuja resposta o sistema ainda não deu. É preciso que essas competências sejam implementadas. É um risco que se assume para testar, a posteriori, a reflexividade no sistema.

O sistema nacional de pós-graduação pode, portanto, ser considerado um sistema perito por envolver excelência técnica ou competência profissional para organizar áreas específicas do conhecimento. Segundo Vieira (2007, p. 13), os sistemas peritos sustentam a era dos consultores, cujos trabalhos desfrutam de grande poder e exercem influência na vida diária das pessoas.

Os sistemas peritos trazem para a modernidade o binômio risco/confiança. O risco existe porque o discurso técnico subjacente a esse tipo de sistema tem de enfrentar outros sistemas sociais e com eles manter a troca comunicacional. A questão é que esses sistemas não correriam tal risco, se os sistemas peritos não fossem confiáveis, não fossem legítimos (THOMPSON, 1995). Logo, esse binômio é uma via de mão dupla.

Nessa perspectiva, haveria códigos binários de comunicação? Do ponto de vista semântico, parece que sim. Há meios simbolicamente generalizados de comunicação, que são os códigos binários, os quais precisam de critérios ou de programas que orientem a comunicação. São eles que capacitam os sistemas para se reciclarem com relação ao meio-ambiente. É nesse ambiente de codificação que operam elementos interdiscursivos e intertextuais.

138 Só a título de ilustração, “poder”, na teoria de Luhmann aparece com o código binário (poder/não-poder) do subsistema social da política, por exemplo, tornando provável a aceitação das ações de Alter como premissa e vínculos para as ações de Ego50. O poder, portanto, não é considerado como característica ou qualidade de alguém que o detenha, ou seja, é um meio da comunicação que permite coordenar seleções e criar, com isso, as correspondentes expectativas.

Assim, a idéia de sistema não é fechada, pois a comunicação em Luhmann é a própria seletividade que se constrói na própria comunicação. Ele mesmo afirma: “A tese do fechamento operacional dos sistemas autopoiéticos não declara explicitamente que esses sistemas poderiam existir sem o meio externo” (LUHMANN, 2005, p. 173).

Essa seletividade, sem dúvida, requer a análise de questões ideológicas, porque o processo de escolha é, necessariamente, ideológico. O problema, portanto, não está na verdade, mas na seletividade, que é inevitável, mas também desejada e regulamentada (LUHMANN, 2005, p. 56).

A Teoria Social do Discurso também trabalha com a seletividade, pois há a presença clara de códigos binários no processo discursivo (comunicacional) entre os sistemas. Um desses códigos binários, só a título de ilustração, é a relação entre o que é hegemônico e o que não é hegemônico, como uma faceta da ideologia. Contudo, o estabelecimento de um código binário especificamente com o conceito de ideologia é mais complicado, pois todo discurso, por mais que não queira ser, é, necessariamente, ideológico.

Um ponto fulcral dessa orientação seletiva dos sistemas aponta para a possibilidade ou não de um sistema conseguir manter a sua unidade funcional sofrendo pressão do ambiente externo. E mais, como se processa a concepção luhmanniana do fechamento auto-referencial dos sistemas baseados no sentido. Isso porque, ao contrário do que se pensa, Luhmann vê a comunicação como um processo multiplicador, interdiscursivo.

A resposta a essa dúvida pode ser dada pela Teoria Social do Discurso por meio da análise das categorias lingüísticas explícitas e implícitas no discurso. Aliás, um dos pontos investigativos dessa teoria é exatamente o

sentido emanado dos diversos tipos de discurso (no sentido mesmo de gênero). E esse aspecto da Teoria é o que se tenta resgatar ao longo desta tese por meio das orientações já delineadas no capítulo metodológico.

Em continuidade às idéias até aqui expostas, um exemplo atual em sede de avaliação institucional, diz respeito às novas competências da Capes, em que o sistema deverá responder com um código (binário) que atente para as seguintes especificidades:

As novas competências da Capes estão alicerçadas no desafio de fazer com que a produção científica chegue às salas de aula, na educação básica e na graduação, e ao mundo da produção tecnológica, de modo a incrementar a produtividade do trabalho. Esses objetivos, aliás, são o sustentáculo do atual Plano de Desenvolvimento da Educação51.

Esse código ainda está para ser construído, é um desafio, até mesmo porque o sistema não provou o risco. E qual seria o risco? Carregar o ônus de responder ao próprio sistema de forma positiva ou negativa às influências externas, de modo a manter a sua unidade como sistema previamente construído.

A avaliação do PQI remete, sem dúvida, para a necessidade de uma nova cultura institucional, cuja gestão de projetos planejados e acompanhados pelo colegiado se apóie na coordenação compartilhada e descentralizada feita pelos coordenadores em colaboração com as diferentes instituições e sujeitos envolvidos nos projetos e nos programas. Esse posicionamento é que, no futuro, poderá dar legitimidade ao sistema.

Esse perfil avaliativo adotado pela Capes para o PQI é uma tentativa de inovar. O papel dos consultores passa a ser secundário em relação a esse Programa especificamente, o que, de certa forma, constitui perda de poder. Esse novo cenário, sem dúvida, contribui para a remodelagem da identidade da Capes pela substituição de um sistema de avaliação clássico (sistema perito) para um sistema de avaliação aberto (participação conjunta da comunidade acadêmica). Ao menos assim, a avaliação perde um pouco do seu caráter subjetivo.

51 Trecho retirado do Capítulo 1.

140 Contudo, isso não retira a responsabilidade de quem avalia. O que de fato ocorre é uma democratização das idéias, das opiniões, que passam a ser compartilhadas, não no sentido de um discurso hegemônico. É nesse processo democrático que o tema responsabilidade se insere com mais força, pois quanto maior o acesso à informação maior a responsabilidade pela sua autoria.