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Neste tópico abordaremos, em específico o cumprimento das decisões advindas da Corte IDH, por se tratar do contexto geográfico e do sistema regional no qual estamos inseridos, a fim de respeitar o recorte do tema e os limites metodológicos do presente trabalho.

Como já observamos anteriormente, os casos provenientes da jurisdição internacional causam debates sobre o âmbito de aplicabilidade por envolver não só o poder judiciário, mas também os poderes executivo e legislativo, tornando-se objeto de interesse de diversas áreas do conhecimento, ante a amplitude do rol de direitos humanos especialmente o jurídico. Outros- sim, há oportunidade para o exercício do Controle de Convencionalidade83, uma das ferramen- tas do diálogo entre Cortes.

Nesse sentido, ainda não se nota devida aplicação do Direito Internacional dos Direitos Humanos na Jurisdição brasileira. Um dos indicadores para tal afirmação consiste na responsa- bilização internacional da República Federativa do Brasil no âmbito da jurisdição interameri- cana, nove condenações, quais sejam: (I) caso Damião Ximenes Lopes, com sentença exarada no ano de 200684; (II) caso Gilson Nogueira de Carvalho, no ano de 200685; (III) caso Arley José Escher, no ano de 200986; (IV) caso Sétimo Garibaldi, no ano de 200987; (V) caso Julia Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia), no ano de 201088; (VI) caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, no ano de 2017; (VII) caso Cosme Rosa Genoveva, Evandro de Oliveira e Outros

83 Controle de convencionalidade consiste na atividade de averiguar se o direito interno viola ou não normas ori- undas de Tratados Internacionais, que é realizada por meio do julgamento de um caso concreto.

84 CORTE IDH. Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil. Sentencia de 4 de julio de 2006. Serie C No. 149. Disponível em

http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=319&lang=es. Acesso em 23 nov 2019.

85 Idem. Caso Nogueira de Carvalho y otro Vs. Brasil. Excepciones Preliminares y Fondo. Sentencia de 28 de noviembre de 2006. Serie C No. 161.Disponível em http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ficha_tec- nica.cfm?nId_Ficha=208&lang=es. Acesso em 23 nov 2019.

86 Idem. Corte IDH. Caso Escher y otros Vs. Brasil. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 6 de julio de 2009. Serie C No. 200. Disponível em http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/fi- cha_tecnica.cfm?nId_Ficha=277&lang=es. Acesso em 23 nov 2019.

87 Idem. Caso Garibaldi Vs. Brasil. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 23 de septiembre de 2009. Serie C No. 203. Disponível em www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ficha_tec- nica.cfm?nId_Ficha=282&lang=es Acesso em 23 nov 2019.

88 Idem. Caso Gomes Lund y otros ("Guerrilha do Araguaia") Vs. Brasil. Excepciones Preliminares, Fondo, Re- paraciones y Costas. Sentencia de 24 de noviembre de 2010. Serie C No. 219. Disponível em http://www.cor- teidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=342&lang=es. Acesso em 23 nov 2019

(Favela Nova Brasília), no ano de 201789; (VIII) caso Povo Indígena Xucuru e seus membros, no ano de 201890; e (IX) Caso Herzog, no ano de 201891.

Importa destacar que o único dos casos em que o Brasil foi condenado que teve cumpri- mento integral das penalidades foi o caso Escher92, já os demais se encontram parcialmente cumpridas, eis que pendentes de cumprimento diversas determinações.

Deve-se trazer à baila o caso Gomes Lund e outros93 que causou grande celeuma no país, pois levou o STF, por meio da ADPF 153a se manifestar sobre direito internacional e a questão do cumprimento de Sentenças oriundas de Cortes Internacionais. Em suma, decidiram pela aplicação da legislação interna em detrimento do esteio dos princípios e ferramentas de direito internacional. 94

Assim, uma atuação da jurisdição nacional voltada apenas às normativas internas, em especial do STF, impede visualização de novas possibilidades de atualizar a jurisprudência in- terna, via auxílio do direito internacional, ao utilizar o controle de convencionalidade e o diá- logo das Cortes. Consequentemente, ao negar essa atuação de fundamento internacional, coloca em xeque a contribuição da jurisdição internacional como alavanca para desenvolvimento dos direitos humanos, no Brasil. Nas palavras de Cançado Trindade:

Há que se observar, no entanto, que os tribunais de onde emanam as “decisões judiciais” aqui consideradas compreendem não apenas os tribunais

89 CORTE IDH. Caso Favela Nova Brasília Vs. Brasil. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y

Costas. Sentencia de 16 de febrero de 2017. Serie C No. 333. Disponível em < http://www.corteidh.or.cr/cf/Ju- risprudencia2/ver_expediente.cfm?nId_expediente=242&lang=es>. Acesso em 23 nov 2019

90 Idem. Caso Pueblo Indígena Xucuru y sus miembros Vs. Brasil. Excepciones Preliminares, Fondo, Repa-

raciones y Costas. Sentencia de 5 de febrero de 2018. Serie C No. 346. Disponível em http://www.cor- teidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ver_expediente.cfm?nId_expediente=249&lang=es. Acesso em 23 nov 2019 91 Idem. Ficha técnica. Disponível em http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Fi-

cha=277&lang=es. Acesso em 23 nov 2019

92 Idem. Caso Herzog y otros Vs. Brasil. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 15 de marzo de 2018. Serie C No. 353. Disponível em http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ver_expe- diente.cfm?nId_expediente=251&lang=es. Acesso em 23 nov 2019.

93 O caso Araguaia trata do desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre integrantes do grupo de resistência paramilitar - formado por integrantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) - e camponeses moradores da região do Bico do Papagaio, situada às margens do Rio Araguaia, como resultado das campanhas e operações empreen- didas nos anos de 1972 e 1975 com objetivo de erradicar o grupo conhecido como Guerrilha do Araguaia. No entanto, ao longo dos anos, a existência de tal Guerrilha foi negada pelo Estado, subsidiando a violação sistemática do direito à verdade e dos familiares de velarem seus entes queridos, evidenciando a sistemática de execuções e tortura.

94 A referida ação foi ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em outubro de 2008 (antes da condenação da República Federativa do Brasil no caso Guerrilha do Araguaia pela Corte IDH, que so- breveio no curso do processo, em 2010), buscando a interpretação conforme da Lei 6.683/1979 - conhecida como Lei de Anistia. No julgamento da ADPF 153, o STF decidiu pela constitucionalidade e vigência da Lei de Anistia – exatamente o oposto do que foi determinado pela Corte IDH na sua sentença, constituindo-se como maior óbice da jurisdição interna para o cumprimento integral da sentença internacional, uma vez que tal decisão gera efeito erga omnes no âmbito do Controle de Constitucionalidade.

internacionais, mas também os tribunais administrativos internacionais e os tribunais internos. Não se poderia deixar de considerar estes últimos, con- forme acentua o estudo de R. Falk, dada a ênfase “horizontal” do ordenamento jurídico internacional, de estrutura descentralizada, e em que são chamados a exercer importante função os tribunais nacionais, na área em que as ordens jurídicas nacional e internacional interagem.95

Tal comportamento de atuação da jurisdição nacional, isto é, voltado apenas às norma- tivas internas, é temerário do ponto de vista do direito internacional e do direito internacional dos direitos humanos. Isso quer dizer que a práxis dos tribunais é o principal meio que faz desenvolver o sistema jurídico brasileiro e, logo, coloca o judiciário como peça crucial para o desenvolvimento do tema, já que é ele o responsável pela aplicação das leis e teorias doutriná- rias no caso concreto, constituindo parâmetros de atuação aos operadores do direito e também doutrinas nacionais.

Posto isto, o judiciário tem papel primordial para a aplicação dos Tratados Internacio- nais de Direitos Humanos, em especial, porque “(...) o papel do direito internacional pós-mo- derno é exatamente o de impor limites ao poder discricionário dos Estados, mas, sobretudo, a partir de uma perspectiva rica, de diálogo constante e reflexão crítica sobre o conteúdo material dos direitos humanos”96. Nesse diapasão, o Direito Internacional oferece, por meio de suas fer-

ramentas, maiormente a jurisdição internacional, uma oportunidade de desenvolvimento e pro- moção de direitos humanos e reflexão de sua ligação íntima com os limites da atuação estatal para com os indivíduos. No entanto, para que a oportunidade possa ser aproveitada, é preciso dispor das ferramentas existentes e utilizá-las para realizar o necessário diálogo. Tiago Moreira explica o papel da magistratura nesse ponto específico:

Além do dever de aplicar as normas legais à luz da Constituição Federal e dos precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal e, em alguns casos, de outros Tribunais Superiores, os juízes encontram-se também adstritos em seus julgamentos às normas oriundas do Direito Internacional dos Direitos Huma- nos. Positivadas ou não, tais normas, juntamente com a interpretação dada pe- las Cortes e Tribunais Internacionais devem servir de parâmetro para os que exercem a jurisdição do âmbito doméstico brasileiro. Mesmo sendo inegável que normas emanadas do sistema jurídico internacional, como é o caso dos tratados internacionais de direitos humanos, são constitucionalmente reconhe- cidas como fonte do direito interno, ainda é bastante tímida a sua aplicação

95 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Princípios do Direito Internacional Contemporâneo. 2. ed. rev. atual. – Brasília: FUNAG, 2017, p. 90.

96 ALLE, Saulo Stefanone. Corte Interamericana de Direitos Humanos: Desafio para além da Jurisdição Conten- ciosa Obrigatória. p. 340. In: Direitos humanos fundamentais: 70 anos da Declaração Universal dos Direitos

Humanos e 20 anos do reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos e as mudanças na aplicação do direito no Brasil: coletânea de artigos – Brasília: MPF, 2019. Disponível em

pela magistratura brasileira. Talvez seja acertado destacar que o presente pro- blema pode ter sua origem na ainda deficiente formação profissional dos ope- radores do direito, que foram formados em uma concepção débil de que so- mente o direito estatal é relevante97

Portanto, há que se notar o importante papel dos juízes no manejo dos institutos do di- reito internacional e ainda, que a matéria seja tratada com seriedade, não apenas com a mera menção aos Tratados, mas toda a lógica do sistema internacional, com a devida atenção aos fundamentos teóricos e da argumentação jurisprudencial das Cortes Internacionais, a fim de privilegiar a posição que seja mais favorável ao desenvolvimento dos direitos humanos. Tendo em vista:

Com isso, os membros do Poder Judiciário passam a defenderem não apenas os direitos fundamentais previstos constitucionalmente, mas também os direi- tos humanos de origem jusinternacionalista. Dessa forma, todo Juiz, além de ser defensor da Constituição, o é também do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, pois somente ao agir desse modo, eles gozarão de uma legitimidade pro homine. Nota-se uma nova expansão da Jurisdição, em que juízes constitucionais e ordinários passam a serem paladinos dos direitos hu- manos.98

Assim sendo, as decisões advindas da Corte IDH constituem uma das ferramentas para promoção de Direitos Humanos no Brasil, além de oportunidade para se trabalhar as questões correlatas ao diálogo das Cortes. Uma das possibilidades consiste no exercício do Controle de Convencionalidade pelos juízes, que são chamados a exercer sua função jurisdicional diante da necessidade do cumprimento integral das penalidades resultantes da responsabilização interna- cional. Destarte, os tribunais nacionais são o canal de integração entre as ordens jurídicas naci- onal e internacional, podendo inclusive funcionar como alavanca para desenvolvimento dos direitos humanos por ser o locus de resolução de lides que envolvem matéria de direitos huma- nos.

97 MOREIRA, Thiago Oliveira. A aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela jurisdição

brasileira. Natal: EDUFRN, 2015. p. 212-213.

3 DIÁLOGO DAS CORTES E DIÁLOGO DAS FONTES – UMA AMOSTRAGEM

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