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Conforme vimos no capítulo anterior, a questão da incorporação dos Tratados Interna- cionais perpassa pelo procedimento de incorporação dos Tratados ao Ordenamento Jurídico brasileiro, o que causa controvérsias sobre sua hierarquia frente aos novos desdobramentos le- gislativos sobre o assunto. Diante disso, devemos entender as teorias Monista e Dualista acerca da relação entre os ordenamentos internacional e nacional, pois se constituem como pano de fundo teórico para tais controvérsias.

Antes de adentrar nas definições sobre cada corrente, insta salientar que as Teorias fo- ram cunhadas em certo momento histórico e são frutos dele, o começo do século XIX. Ne mo- mento, o direito, lato sensu, lutava para se consolidar como ciência na esteira do desenvolvi- mento de outras ciências, fixando-se como consequência do positivismo científico e da impres- cindibilidade de concretizar a metodologia científica do direito ao exemplo das ciências natu- rais.76

Estabelecida essa premissa, pode-se dizer, genericamente, que a teoria dualista, capita- neada por doutrinadores como Triepel e Anzilotti, leciona que direito interno e internacional são duas ordens distintas, sendo necessário que os Tratados passem por processo de internali- zação para terem aplicabilidade no ordenamento doméstico. Ao passo que a teoria monista, capitaneada por Hans Kelsen, defende a concepção de que os ordenamentos, em realidade, co- existem de forma interdependente.

A respeito da teoria Dualista, o que nos interessa de fato é como o Estado irá aplicar em seu próprio ordenamento os regramentos provenientes da esfera internacional, ou seja, apenas quando elas se tornarem parte do ordenamento interno, ao serem incorporadas. Desse modo, não haverá conflito de normas, uma vez que as fontes são diferentes, logo, não há que se falar em hierarquia. Depreende-se, então, que a norma internacional só será eficaz se a norma interna assim permitir. Sobre o assunto, explica Patricia Noschang que:

76 MAGALHÃES, Breno Baía. O sincretismo teórico na apropriação das teorias monista e dualista e sua questio- nável utilidade como critério para a classificação do modelo brasileiro de incorporação de normas internacionais.

A teoria de Triepel é apresentada pela obra “Direito interno e Direito Interna- cional” (Völkrrecht und Landesrecht). É o primeiro autor que se dispõe a ana- lisar os problemas das relações entre o Direito Interno e o Direito Internacio- nal, apontando a diversidade das relações jurídicas, das fontes, dos sujeitos, bem como a responsabilidade do Estado. Para Triepel essas diversidades estão divididas em dois ordenamentos jurídicos, o ordenamento jurídico interno e o ordenamento jurídico internacional. que são ordenamentos distintos e que não se relacionam entre si, porém se tangenciam. O Estado é o sujeito de Direito Internacional que atua na sociedade internacional em forma de coordenação em relações recíprocas com os outros Estados, partindo do princípio de que todos são iguais. Nessas relações surgem os tratados, que emanam exclusiva- mente da vontade dos Estados em firmar um compromisso internacional, for- mando assim a norma internacional. Desta forma, as relações do Estado com os indivíduos não podem ser consideradas no mesmo patamar, pois tal relação se dá por subordinação. A norma estatal que advêm do Estado se aplica verti- calmente aos indivíduos que desta forma não estão aptos a firmar tratados e vivem sujeitos ao ordenamento jurídico interno do Estado.77

Já no que tange à Teoria Monista, cujo expoente é Hans Kelsen, existe apenas uma esfera de caráter uno, que compreende os ordenamentos interno e internacional. Na hipótese de conflito, há destaque para o direito internacional e aplicação direta de suas normas, pois não existe necessidade de conversão dos Tratado em lei nacional, pois já há convivência entre am- boscom a incorporação do tratado no ordenamento brasileiro. Aprofundando a definição desta teoria, Breno Baía Magalhães diz:

O monismo, por sua vez, se caracterizaria por: 1) todas as normas jurídicas estarem subordinadas entre si, dispostas hierarquicamente; 2) os ordenamen- tos jurídicos não serem autônomos; 3) inexistir conflito entre normas porque o ordenamento é unificado e unitário, portanto, sempre prevaleceria a norma superior hierarquicamente e 4) não ser necessária a transformação do ato in- ternacional em normas internas. Os autores atestam, ademais, existir duas sub- divisões do projeto monista: a) monismo com primazia do direito interno, que se caracteriza da seguinte maneira: i) por conta da ausência de uma autoridade supra estatal que regule as interações entre os ordenamentos, competiria a cada Estado determinar livremente suas obrigações internacionais, conformando- as como juiz único de sua execução e ii) o direito internacional existe, apenas, em função dos Estados, apesar de importante e b) monismo com primazia do direito internacional: i) ordem jurídica interna deriva da ordem internacional que é suprema e ii) apesar da possibilidade de conflitos, a preponderância os ordenamentos são complexas e não se encaixam na categorização estanque e excludente das teorias tradicionais, focadas em contextos políticos e sociais superados. 78

77 NOSCHANG, Patrícia Grazziotin. A Teoria de Triepel e o Recurso Extraordinário 80.004. Revista Ius Gen-

tium: Teoria e Comércio no Direito Internacional, 2009, vol. 2, p. 97-114. Disponível em < http://www.iusgen-

tium.ufsc.br/revista/ed2/5_Patricia_Noschang.pdf>. Acesso em 16 out 2019.

78 MAGALHÃES, Breno Baía. O sincretismo teórico na apropriação das teorias monista e dualista e sua questio- nável utilidade como critério para a classificação do modelo brasileiro de incorporação de normas internacionais.

Sedimentados esses conceitos, podemos afirmar, então, que o procedimento brasileiro de incorporação dos tratados está em certa consonância com o dualismo de Triepel79. Ao estudar a Teoria dualista, com objetivo de entender se essa seria a posição prevalecente na jurisprudên- cia dos tribunais brasileiros, André Lupi afirma “os tribunais brasileiros interpretam restritiva- mente a vigência das normas internacionais no âmbito interno” e que há tendência dos tribunais em “ver os tratados como restrições à soberania nacional, e, para defendê-la, tendem a negar vigência interna aos tratados quando encontram num ou noutro lado fato que os autorize a assim proceder”.80 A conclusão é também compartilhada por Bruno Magalhães ao analisar sincre-

tismo teórico na apropriação das teorias monista e dualista:

Dito de outra forma, a classificação do Brasil como um país monista ou dua- lista, tal como atualmente é feita, falha em demonstrar explicitamente se nosso ordenamento constitucional está contido, ou não, no direito internacional (tese do ordenamento único) ou se adota um modelo de aplicabilidade direta ou de transformação das normas internacionais. Em suma, as teses do ordenamento único não acompanham, necessariamente, um modelo de incorporação. Dessa forma, além de uma leitura superficial do âmbito teórico da dicotomia, os au- tores nacionais confundem o referido âmbito com as abordagens descritivas do monismo e do dualismo, focadas na diferença entre os processos de incor- poração das normas internacionais, sem que, no entanto, discutam sobre a tese mais ampla acerca da unidade dos ordenamentos.81

Portanto, observa-se que a temática das teorias monista e dualista é controversa no DIP. Tal controvérsia reverbera na aplicação do DIP pela jurisdição nacional, pois se baseia nos fundamentos de ambas as teorias para, ora justificar a aplicação dos Tratados, ora para justificar a não aplicação e acaba deixando de lado a questão da unidade das esferas nacional e interna- cional. Diante disso, o acerto teórico e conceitual de institutos do DIP também constitui impor- tante elemento para o diálogo entre Cortes82.

79LUPI, André Lipp Pinto Basto. O Brasil é dualista? Anotações sobre a vigência de normas internacionais no ordenamento brasileiro. Revista de informação legislativa, v. 46, n. 184, p. 43. Disponível em https://www12.se- nado.leg.br/ril/edicoes/46/184/ril_v46_n184_p29.pdf. Acesso em 15 nov 2019. P. 43

80LUPI, André Lipp Pinto Basto. Op. cit. p. 30

81 MAGALHÃES, Breno Baía. O sincretismo teórico na apropriação das teorias monista e dualista e sua questio- nável utilidade como critério para a classificação do modelo brasileiro de incorporação de normas internacionais.

Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 12, n. 2, 2015 p. 77-96

82 LUPI, A. L. P. B. O Brasil é dualista? Anotações sobre a vigência de normas internacionais no ordenamento brasileiro. Revista de informação legislativa, v. 46, n. 184, p. 43. Disponível em https://www12.se- nado.leg.br/ril/edicoes/46/184/ril_v46_n184_p29.pdf. Acesso em 15 nov 2019.

2.2 O cumprimento das decisões advindas da Jurisdição Internacional – Corte

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