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A forma como o ordenamento jurídico brasileiro incorpora os tratadosno âmbito interno é previsto na Constituição. Sobre o assunto, Jaime Leônidas descreve:

(...) a competência para celebrar tratados, acordos e atos internacionais é pri- vativa do Presidente da República. A esses, além dos plenipotenciários,é con- ferida a prerrogativa de celebração das normas de Direito Internacional, que após são remetidas ao Congresso Nacional, a quem é incumbido, nos termos do art. 49, I, da Constituição Federal69, decidir acerca de sua aprovação por meio de Decreto Legislativo. Após a expedição do Decreto Legislativo, o ato retorna ao Executivo, que está incumbido de ratificá-lo. Conforme dispõe Amaral, é por meio da ratificação que o Presidente da República transmite aos demais Estados-membro o intuito de incorporar o tratado na ordem jurídica interna. A ratificação se manifesta por meio do depósito do instrumento de ratificação. Por fim, o Presidente da República faz publicar um decreto no qual

68 MOREIRA, Thiago Oliveira. A aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela jurisdição

brasileira. Natal: EDUFRN, 2015, p. 94

69 Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

se dará publicidade e marcará o início da vigência e eficácia do tratado inter- nacional em terrae brasilis.70

Há ainda que se destacar que o ato de ratificação, que ocorre na seara da política inter- nacional, é de competência do Poder Executivo, sendonesse momento estabelecido o compro- misso perante a Sociedade Internacional:

Para a celebração dos tratados internacionais devem ser observadas algumas fases em seu processo de elaboração: negociação, elaboração do texto, assina- tura, ratificação, promulgação, publicação e registro. (...) Enfatizar a impor- tância da ratificação quanto as etapas para elaboração dos tratados internacio- nais, imperioso destacar que ela (ratificação) torna o tratado obrigatório inter- nacionalmente por se tratar de ato pelo qual a autoridade nacional competente informa às autoridades correspondentes dos Estados cujos plenipotenciários concluíram, com os seus, um projeto de tratado, a aprovação que dá a este projeto e o que faz doravante um tratado obrigatório para o estado que esta autoridade encarna nas relações internacionais. Ao ratificar um tratado inter- nacional de direitos humanos o Estado se vincula ao mesmo. Assim, é dever do Estado garantir mecanismos no plano interno que estejam afinados com as normas internacionais, que passam a fazer parte do ordenamento jurídico in- terno do Estado.71

Devemos observar um tema que é intrínseco a esse procedimento de internalização e que o influencia diretamente, acentuando o espaço de interseção entre jurisdição internacional e seus instrumentos de negociação, qual seja a questão dos Tratados Internacionais que versam sobre Direitos Humanos:

A EC 45 acresceu o §3º ao art. 5º da Constituição Federal, dispositivo esse que estabelece que os tratados e convenções internacionais sobre direitos hu- manos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Nessa toada, igualou-se os tratados internacionais de direitos humanos aprovados por um procedimento mais rígido ao status de emenda constitucional, sendo parâmetro, portanto, para o controle de conven- cionalidade. Exemplo de tratado internacional que recebeu a roupagem de emenda à Constituição é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com De- ficiência, ratificado por meio do Decreto 6.949/09. A partir da promulgação da EC 45, que criou a possibilidade de se incorporar tratados internacionais sobre direitos humanos como se emendas à Constituição fossem, surgiu o se- guinte questionamento: qual é a posição hierárquica dos tratados internacio- nais de direitos humanos que não foi incorporado por meio do procedimento mais dificultoso próprio das emendas constitucionais? A doutrina e a jurispru- dência convergiram o entendimento de que nessas hipóteses os tratados inter- nacionais de direitos humanos possuem natureza supralegal. A tese da

70 ALVES, Jaime Leônidas Miranda. A hierarquia dos Tratados Internacionais em matéria tributária na ordem constitucional. Revista Tributária e de Finanças Públicas, 2016, v.130, p. 5

71 GUERRA, Sidney. Avanços e retrocessos sobre o controle de convencionalidade na ordem jurídica brasileira: uma análise do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. Revista de Direito Constitucional Internacional

supralegalidade foi, inclusive, defendida pelo Min. Gilmar Mendes, no julga- mento do RE 466.343, em 22.11.2006.72

Insta destacar que o entendimento capitaneado pelo Ministro citado não é pacífico na Doutrina, conforme define Flávia Piovesan, explicado por Antônio Pereira Maués:

Piovesan entende que deve ser estendido aos tratados internacionais que ver- sam sobre matéria de direitos humanos o status inobstante o processo de in- corporação da norma não ser aquele previsto no art. 5.º, § 3.º da Constituição. A autora vai além e defende que os tratados internacionais sobre direitos hu- manos aprovados anteriormente à edição da EC. 45 possuem status de emenda à Constituição. É o que defende Piovesan: Uma vez mais, corrobora-se o en- tendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados anteriormente ao mencionado parágrafo, ou seja, anteriormente à EC 45/2004, têm hierarquia constitucional, situando-se como normas material e formal- mente constitucionais. Esse entendimento decorre de quatro argumentos: a) a interpretação sistemática da Constituição, de forma a dialogar os §§2.º e 3.º do art. 5.º, já que o último não revogou o primeiro, mas deve, ao revés, ser interpretado à luz do sistema constitucional; b) a lógica da racionalidade ma- terial que devem orientar a hermenêutica dos direitos humanos; c) a necessi- dade de evitar interpretações que apontem a agudos anacronismos da ordem jurídica; e d) a teoria geral da recepção do Direito brasileiro” (2007, p. 73).

Destaca-se que, conforme trabalhado no item 1.3 deste capítulo, sobre os tratados inter- nacionais que não tenham conteúdo de direitos humanos é que são incorporados à ordem jurí- dica interna com status de lei ordinária, conforme decidiu o STF no julgamento do RE 80.004.5, criando uma hierarquia para tratados internacionais.

O RE 80.004 foi interposto, por Belmiro da Silveira Goés contra Sebastião Leão Trindade. Na época, a Constituição Federal vigente era a de 1967, e o fundamento do recurso estava no art. 114, III, d26. A discussão versa sobre a validade ou não de uma nota promissória assinada pelo recorrente, que não foi devidamente registrada pelo recorrido para ser eficaz, segundo exigia o De- creto-Lei 427/69. Em primeiro grau de jurisdição o recorrido moveu ação de cobrança de título, mesmo sem ter feito o registro da nota promissória. A ação foi julgada improcedente por vício de forma, devido à falta de cumprimento do requisito imposto pelo decreto referido. Houve recurso de apelação que reformou a decisão de primeiro grau. O Tribunal de São Paulo ao julgar o recurso entendeu que a falta de registro era apenas uma formalidade e não requisito essencial para a validade do ato, dando procedência ao pedido. O acórdão do Tribunal paulista seguiu a doutrina da primazia do direito interna- cional, diversamente do julgado de primeiro. grau que seguiu a corrente con- trária – primazia do direito interno. Sendo assim o apelado impetrou o recurso extraordinário ao STF devido à divergência jurisprudencial. Conforme o pa- recer do Procurador Geral da República, o mérito do recurso está em dois pon- tos: na validade do Decreto-Lei 427/69 frente à Convenção de Genebra sobre

72 ALVES, Jaime Leônidas Miranda. A hierarquia dos Tratados Internacionais em matéria tributária na ordem constitucional. Revista Tributária e de Finanças Públicas, 2016, v.130, p. 7

títulos cambiais (considerada Lei Uniforme) e a possibilidade de cobrança do título sem registro conforme o Decreto, bem como a responsabilidade do ava- lista em efetuar o pagamento.27 A conclusão do parecer, após longa funda- mentação sobre apenas a validade ou não da obrigação do avalista, declara que o se o título de crédito for nulo, não há que se falar em obrigação cambiária para o avalista. O parecer não aborda o conflito de leis declarando que o mesmo não foi objeto de pré-questionamento, desta forma, afirma o Procura- dor, não há o que recorrer sobre esse assunto.73

Outrossim, a ausência de regras de tratamento levanta mais uma questão que causa con- trovérsia, que é o tratamento peculiar concedido pelo Código Tributário Nacional aos tratados internacionais de natureza tributária, em seu artigo 98 “Os tratados e as convenções internaci- onais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.

Aqui nesse caso, há uma adesão à teoria monista absoluta (assunto que será trabalhado no próximo capítulo) pelo legislador infraconstitucional de forma expressa. Isto é, não há dife- renciação entre ordem nacional e internacional, apenas aplicação automática da normativa in- ternacional de cunho tributário. Destaca-se que as categorias dos tratados são distintas, as que cuidam de conteúdo de Direitos Humanos e as que pactuam sobre conteúdo tributário.

Como observamos, a parte final do art. 98 dita expressamente a matéria de direito tribu- tário, então, a celeuma consiste no afastamento ou não de um critério temporal para resolver conflitos entre referido tratado internacional e lei ordinária ulterior, a depender do status hie- rárquico que o tratado receba74.

Discute-se, ainda, a constitucionalidade acerca do art. 98 do CTN, que ao pretender es- tabelecer a supremacia dos tratados internacionais tributários sobre a legislação interna teria usurpado da competência da Constituição Federal de impor limites ao legislador ordinário sobre esta matéria, pugnando-se pela vigência do princípio da especialidade, uma vez que os Tratados Internacionais prevalecem sobre a legislação pátria visto que são especiais em relação à lei ordinária.75

Ora, observamos, que mesmo mediante comando expresso da lei ordinária, existe dis- cussão decorrente da aplicação da legislação no âmbito interno. Então, a problemática que

73 NOSCHANG, Patrícia Grazziotin. A Teoria de Triepel e o Recurso Extraordinário 80.004 Revista Ius Gentium: Teoria e Comércio no Direito Internacional, 2009, vol. 2, p. 97-114. Disponível em http://www.iusgen- tium.ufsc.br/revista/ed2/5_Patricia_Noschang.pdf Acesso em 16 out 2019.

74 ALVES, Jaime Leônidas Miranda. A hierarquia dos Tratados Internacionais em matéria tributária na ordem constitucional. Revista Tributária e de Finanças Públicas, 2016, v.130, p. 8.

envolve esse tema é mais profunda do que a mera aplicação de um dos critérios para solução de antinomia possa resolver, como o da hierarquia ou especialidade.

Em face do exposto, a jurisdição internacional, o direito internacional e o seu manejo pelas instituições internas estão em constante interação, sobretudo, em razão dos instrumentos de hard law, que se referem às obrigações legais que vinculam as partes envolvidas e podem ser questionadas perante uma Corte Internacional. Logo, faz-se necessário um diálogo entre os prismas internacionais e nacionais, observando os parâmetros do SIPDH, composto pela CIDH e Corte IDH, diante do dever estatal de proteção aos direitos humanos por meio da aplicação dos tratados internacionais pela Jurisdição interna, a despeito de questões procedimentais, como a incorporação desses Tratados no ordenamento jurídico interno.

2 O DIREITO INTERNACIONAL SOB OLHAR DO DIREITO INTERNO: A

VINCULAÇÃO DO JUDICIÁRIOAO DIREITO INTERNACIONAL

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