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Direito internacional e a proteção dos direitos humanos: sobre a necessária implementação do diálogo entre as cortes nacionais e internacionais

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE - ICM

DEPARTAMENTO DE DIREITO - MDI

LUCIANA MORENO TORO VIDAL

DIREITO INTERNACIONAL E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: SOBRE A NECESSÁRIA IMPLEMENTAÇÃO DO DIÁLOGO ENTRE AS CORTES

NACIONAIS E INTERNACIONAIS

MACAÉ 2019

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LUCIANA MORENO TORO VIDAL

DIREITO INTERNACIONAL E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: SOBRE A NECESSÁRIA IMPLEMENTAÇÃO DO DIÁLOGO ENTRE AS CORTES

NACIONAIS E INTERNACIONAIS

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção de grau de bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Drª. Letícia Virginia Leidens

MACAÉ 2019

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DIREITO INTERNACIONAL E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: SOBRE A NECESSÁRIA IMPLEMENTAÇÃO DO DIÁLOGO ENTRE AS CORTES

NACIONAIS E INTERNACIONAIS

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção de grau de bacharel em Direito.

Aprovada em 05 de dezembro de 2019

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Profª. Dra. Letícia Virginia Leidens (Orientadora) - UFF

__________________________________________________ Profª Dra Fernanda Andrade Almeida - UFF

__________________________________________________ Profº Mestre Eduardo Castelo Branco - UFF

Macaé 2019

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DEDICATÓRIA

Gratidão à todas as mulheres que lutaram e lutam pelos nossos direitos: eu honro nossas histórias de coragem.

Aos que estiveram comigo ao longo dessa jornada chamada graduação em Direito, aos que contribuíram para minha educação e crescimento: meu muito obrigada!

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Artigo VI. Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa pe-rante a lei.

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RESUMO

O trabalho consiste na análise da atuação e diálogo do judiciário brasileiro frente à Jurisdição Internacional e sua proteção aos direitos humanos, especialmente, da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Isso porque se verifica que não há uniformidade no uso dos instrumentos internacionais e no tratamento de decisões oriundas da jurisdição internacional pelos tribunais internos, o que dificulta a promoção e proteção dos direitos humanos no Brasil, como também, a criação de vários debates que comprometem a questão. O problema da pesquisa gira em torno do questionamento: quais os parâmetros determinantes para a implementação de decisões in-ternacionais e aplicação dos instrumentos inin-ternacionais pelos tribunais internos, bem como para que o diálogo das cortes e fontes ocorra de forma efetiva no ordenamento brasileiro? A pesquisa se utiliza do método de abordagem dedutivo, partindo de uma análise geral adstrita às convenções e normativas internacionais para o particular, de modo aplicado. Utiliza-se da téc-nica de pesquisa a partir da revisão bibliográfica. Propõe-se um resgate de alguns conceitos e discussões importantes para o diálogo entre plano interno e internacional, por meio do Direito Internacional, sobretudo estudo dos fundamentos para aplicação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Estado brasileiro.

Palavras-chave: Corte Interamericana de Direitos Humanos; Direito Internacional; Jurisdição Internacional.

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ABSTRACT

The present project consists in the analysis of the acting of the Brazilian judiciary when com-pared with the International Jurisdiction and its emphasis on human rights protection, particu-larly when considering the Interamerican Court of Human Rights. Herein, we understand that there’s no uniformity in the use of international instruments by the internal courts, specially when considering decisions originated from the international jurisdiction. This poses as a chal-lenge to the promotion and protection of human rights in Brazil, and also interferes with the creation of debates that may regard this question. The main objective of this project is to deter-mine which parameters are the most important for the implementation of international decisions and for the use of international instruments by the internal courts. The research method consists on a deductive analysis, from the broad point of view: convention and international norms; to the particular: application of the theory. A bibliographic review was conducted. We propose a recapitulation of important concepts and discussions which are crucial for the dialogue between national and international perspectives, by using the International Law. Particularly, we study the foundations for the applications of the Human Rights International Treaties as consented by the Brazilian state.

Keywords: International Jurisdiction; Inter-American Court of Human Rights; International law

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH Corte Interamericana de Direitos Humanos - Corte IDH Corte Internacional de Justiça – CIJ

Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH Direito Internacional Público – DIP

Emenda Constitucional - EC Habeas Corpus – HC

Organização das Nações Unidas – ONU Organização dos Estados Americanos – OEA Organização Internacional do Trabalho - OIT Organizações Internacionais – OIs

Órgão de Solução de Controvérsias da Organização mundial do Comércio – OMC Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos - SIPDH

Superior Tribunal de Justiça –STJ Supremo Tribunal Federal –STF

Tratado Interamericano de Assistência Recíproca – TIAR Tribunal Internacional do Direito do Mar – TIDM

Tribunal Penal Internacional – TPI

Tribunal Permanente de Revisão do Mercado Comum do Sul – Mercosul Tribunal Regional Federal – TRF

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1- TJRJ/ Total de julgados por palavra-chave e por competência ... 53

Figura 2 TJRJ/ Porcentagem do total de julgados, indicando a porcentagem da expressão “Direito Internacional”, “Corte Interamericana de Direitos Humanos” e a soma das denominações da CADH. ... 53

Figura 3: TJRJ/Total geral em comparação com total de competências (Civil e Criminal) .... 54

Figura 4: TRFs/Comparativo entre menções de palavras-chave ... 55

Figura 5: TRFs/Comparativo dos totais de menções das palavras-chaves ... 55

Figura 6: STJ/Número de julgados por palavra-chave ... 56

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

1 NOTAS INICIAIS ACERCA DA JURISDIÇÃO INTERNACIONAL...14

1.1 O direito internacional e a jurisdição internacional como instrumentos de diálogo...14

1.2 O contexto do sistema regional e a corte interamericana de direitos humanos...23

1.3 Casos emblemáticos que evidenciam o papel da jurisdição internacional...26

1.3.1 A questão da supralegalidade – a posição do STF e o status dos tratados internacionais no Brasil...34

1.4 Problemas decorrentes da incorporação dos Tratados...36

2 O DIREITO INTERNACIONAL SOB OLHAR DO DIREITO INTERNO: A VINCULA-ÇÃO DO JUDICIÁRIO AO DIREITO INTERNACIONAL...41

2.1 Teorias monista e dualista em relação ao direito internacional...41

2.2 O cumprimento das decisões advindas da jurisdição internacional - Corte interamericana de direitos humanos...44

3 DIÁLOGO DAS CORTES E DIÁLOGO DAS FONTES – UMA AMOSTRAGEM...48

3.1 Diálogo das fontes...48

3.2 Diálogo das cortes...49

3.3 Uma amostragem de menções de expressões que envolvem o direito internacional...50

3.1.1 Apresentação dos resultados...52

3.1.1.1 TJRJ...52

3.1.2 TRFS...54

3.1.3 STJ...56

3.4 Comentários acerca da amostragem...57

CONSIDERAÇÕES FINAIS...58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...61 ANEXO 1...69 ANEXO 2...70 ANEXO 3...71 ANEXO 4...72 ANEXO 5...73

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico buscará abordar conceitos de Direito Internacional, Jurisdição Internacional e Direitos Humanos, sob a ótica do judiciário brasileiro. O trabalho consiste na análise da atuação e diálogo do judiciário brasileiro frente à Jurisdição Internacional e sua proteção aos direitos humanos, especialmente, da Corte Interamericana de Direitos Hu-manos. Isso porque se verifica que não há uniformidade no uso dos instrumentos internacionais e no tratamento de decisões oriundas da jurisdição internacional pelos tribunais internos, o que dificulta a promoção e proteção dos direitos humanos no Brasil, como também, a criação de vários debates que comprometem a questão.

Propõe-se um resgate de alguns conceitos e discussões importantes para o diálogo entre plano interno e internacional, por meio do Direito Internacional, sobretudo estudo dos funda-mentos para aplicação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Estado brasileiro.

A importância da pesquisa é pautada no aumento das interações entre Estados, pessoas, produtos, o que privilegia a posição dos Direitos Humanos, além da discussão que abre cami-nhos e organização para compreender de forma mais profunda as questões atinentes aos ele-mentos do direito internacional a fim de chamar atenção para a questão da ligação entre insti-tutos do direito internacional, jurisdição internacional e doméstica com vistas a promoção dos direitos humanos, uso e aderência no sistema judiciário interno, despertando a curiosidade da comunidade acadêmica, juízes, advogados e sociedade civil.

A escolha do tema surgiu como desdobramento da participação no grupo de pesquisa “Direitos Humanos e Jurisdição Internacional: as condenações da República Federativa do Bra-sil na Corte Interamericana de Direitos Humanos”1, do qual a subscritora foi pesquisadora bol-sista em iniciação científica pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal Fluminense - PIBIC/UFF e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, que teve como uma das conclusões o papel crucial do

1 Trata-se da análise acerca da contribuição da jurisdição internacional na propagação da cultura dos direitos hu-manos para possíveis melhorias, a partir do efeito da responsabilização estatal pela violação de direitos huhu-manos, emanada por uma Corte Internacional. Propõe-se um estudo dos casos em que a República Federativa do Brasil foi condenada até o momento pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, a fim de catalogar os direitos vio-lados, principalmente, pontuar as razões do cumprimento parcial dessas decisões pelo Estado brasileiro e os efeitos da condenação para o sistema. Acredita-se que a análise propiciará o delineamento dos principais fatores positivos e negativos da jurisdição internacional e seu contributo para a otimização e aperfeiçoamento do trato dos direitos humanos na sociedade brasileira e internacional a partir do viés da simbologia de uma condenação numa corte internacional. Projeto contemplado no Edital do Programa de Fomento à Pesquisa FOPESQ/UFF 2017.

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judiciário nacional para o cumprimento parcial das decisões oriundas da Corte Interamericana de Direitos Humanos, além do interesse na realização de mestrado e doutorado na área de direito internacional assim como atividade docente.

O problema da pesquisa gira em torno do questionamento: quais os parâmetros deter-minantes para a implementação de decisões internacionais e aplicação dos instrumentos inter-nacionais pelos tribunais internos, bem como para que o diálogo das cortes e fontes ocorra de forma efetiva no ordenamento brasileiro? A pesquisa se utiliza do método de abordagem dedu-tivo, partindo de uma análise geral adstrita às convenções e normativas internacionais para o particular, de modo aplicado. Utiliza-se na técnica de pesquisa a partir da revisão bibliográfica. No primeiro capítulo será abordado o trato do Direito internacional e da Jurisdição in-ternacional como instrumentos do necessário para o diálogo entre âmbito interno e externo, principalmente no contexto do Sistema Regional, no qual o Brasil está inserido e os aspectos da aceitação da Jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH. Tendo em vista que a aplicação dos institutos de direito internacional não é matéria tratada do ponto de vista aplicativo, de modo uniforme e recorrente nos tribunais brasileiros, apresen-tamos casos emblemáticos que evidenciam o papel propulsor de temas relativos, principal-mente, à temática de Direitos Humanos, que envolvem a jurisdição internacional. Destacare-mos, ainda, que a interação entre jurisdição nacional e internacional culminará em debates teó-ricos acerca da hierarquia dos tratados internacionais no Brasil, como o da supralegalidade, que está ligado, em certo aspecto, com as questões que decorrem do procedimento de incorporação dos tratados no ordenamento jurídico.

Já no segundo capítulo trabalharemos qual é a visão dada pelo direito interno ao direito internacional e quais os fundamentos, tanto de ordem interna quanto internacional, são o esteio para essa ótica. Além disso, adentramos na abordagem das teorias monista e dualista para ex-plicar a questão da incorporação dos tratados e, também, alguns posicionamentos da jurisdição nacional. Por fim, apresentamos a questão do cumprimento das Sentenças advindas da Corte IDH e alguns efeitos para o diálogo entre as Cortes.

O terceiro capítulo analisará os temas do diálogo das Cortes e diálogo das fontes como como ferramentas para o intérprete do direito propiciando maior uso do Direito Internacional. Optou-se por uma avaliação quantitativa por amostragem, acerca da enumeração do número de julgados que envolvem o direito internacional por alguns tribunais domésticos, para uma possível visualização prática da recorrência do fenômeno. Para tanto, utilizaremos palavras-chaves selecionadas na pesquisa de jurisprudência nos canais digitais dos tribunais

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selecionados. Pretende-se com tal conteúdo formar uma base para um futuro projeto de mestrado da autora e fomentar a discussão do diálogo entre fontes e cortes.

Tais ferramentas se propõe a guiar os operadores do direito na prática jurídica oferecendo métodos de atuação, com vistas traçar posicionamentos comuns sobre proteção e promoção aos direitos humanos dos casos concretos julgados e em ordenamentos jurídicos diferentes.

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1 NOTAS INICIAIS ACERCA DA JURISDIÇÃO INTERNACIONAL

1.1 O Direito Internacional e a Jurisdição internacional como instrumentos de diálogo

A jurisdição é uma expressão da soberania estatal e constitui atributo de todo membro do poder judiciário e se estabelece como o poder/dever genérico de aplicar a lei ao caso concreto solucionando conflitos de interesses2. Contudo, a fim de observar como a jurisdição se aplica

na seara internacional é necessário aludir o que é o Direito Internacional e estar a par de alguns de seus institutos contemporâneos. São observados os elementos formadores do direito interna-cional, como princípios, costumes, normativas gerais e específicas, a ausência de um poder central ou supranacional para impor a aplicação dos tratados internacionais, especialmente de direitos humanos ainda compromete a funcionalidade do direito internacional.

O Direito internacional, na concepção clássica, regia o Direito de Guerra entre os Esta-dos e, com o decurso da história mundial, acabou abarcando outras relações, que não as estri-tamente estatais, conforme explica Thiago Moreira:

O Direito Internacional passou por diversas fases e períodos evolutivos ao longo da história, tendo inclusive recebido diversas nomenclaturas, como (...) ‘Direito das Gentes’ (talvez a mais famosa), mas foi a partir do final do século XIX e começo do XX que ele amadureceu como fruto da multiplicação de tratados e com o surgimento de diversas Organizações Internacionais. Com esse novo paradigma, a noção conceitual do que vem a ser Direito Internacio-nal sofreu algumas alterações. O que antes regrava apenas as relações entre Estados, principalmente questões de guerra e paz, agora tem outros sujeitos envolvidos, como as já citadas Organizações Internacionais e os próprios in-divíduos, bem como outras importantes temáticas envolvidas, como a prote-ção ao ser humano (de forma individual ou coletiva – proteprote-ção das minorias), a defesa do meio-ambiente, a ajuda humanitária, dentre outras.3

Adicionalmente, observa-se que a ausência de um poder central ou supranacional signi-fica que não há predomínio da vontade individual de um Estado sobre o outro, fato evidenciado pela prática da negociação e da solução pacífica das controvérsias entre os Estados, que buscam o bem comum da sociedade internacional4 e todos seus atores, com foco na convivência e

2TIBURCIO, Carmen. Extensão e limites da jurisdição brasileira: competência internacional e imunidade de

jurisdição. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 21

3 MOREIRA, Thiago Oliveira. A aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela jurisdição

brasileira. Natal: EDUFRN, 2015. p. 30

4 Para fins deste trabalho entende-se que “o conceito de sociedade internacional é, assim, um conceito em mutação, que poderá ser modificado no futuro com a presença de novos atores nas relações internacionais. De qualquer sorte, ainda é correto afirmar que, dentre os atores que atualmente a compõem, os Estados são aqueles que detêm a maior importância, dado que somente com o seu assentimento outras entidades podem ser criadas (v.ġ., as

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harmonização das relações entre os povos5. Entende-se por bem comum a manutenção da paz entre os povos, da integridade da soberania nacional e a valorização do ser humano com base em parâmetros universais de tratamento que buscam garantir a dignidade da pessoa humana, por meio de direitos básicos. Tal entendimento acerca da promoção dos direitos humanos é esposado por Thiago Moreira:

Com efeito, pode-se afirmar que a tutela dos referidos direitos [humanos] é um dos traços comuns que une os Estados em torno de um objetivo maior que é a consagração dos direitos mais básicos dos seres humanos. A sociedade internacional, na intenção de alcançar o objetivo acima elencado, caminha a passos firmes no sentido de consolidar o Direito Internacional como um con-junto de normas que regem não só as relações entre os Estados, mas também entre os novos sujeitos (Organizações Internacionais e os indivíduos), e que tem por finalidade satisfazer o desejo de paz universal e promoção dos direitos humanos em todos os recantos do globo.6

A prática da negociação tem como marco histórico a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 1945, após o término da segunda Guerra Mundial, que consolidou o Direito Internacional contemporâneo, refletindo-se também, no desenvolvimento dos mecanis-mos jurisdicionais de resolução de controvérsias, os quais buscam promover a busca efetiva da paz em detrimento da utilização da força, em atenção à justiça internacional7 dos litígios. Para tanto, foi necessário criar um espaço ou mecanismo, pelo qual os Estados pudessem dialogar em posição de igualdade a fim de negociar questões para promoção de direitos e se desenvolver no âmbito econômico, bem como estipular a responsabilização internacional em relação, prin-cipalmente, ao descumprimento dos Tratados pelos Estados: a jurisdição internacional. Nas pa-lavras de Paulo Hugo Weberbauer:

Estabelecido o significado de Jurisdição como o poder de determinado órgão (daqui por diante denominado Tribunal ou Corte) em monopolizar a coerção (emprego da força socialmente legitimada) e utilizá-la como instrumento de pacificação, resta delimitar o âmbito de que viria a ser a jurisdição internaci-onal e, mais importante, a questão da titularidade dessa modalidade de juris-dição. A constatação mais óbvia definirá que a jurisdição internacional é, jus-tamente, a jurisdição no plano das relações internacionais, tanto as que

organizações interestatais) ou certos direitos podem ser reconhecidos (v.ġ., o direito de acesso aos indivíduos às instâncias internacionais de direitos humanos, somente possível quando um Estado ratifica o tratado em que esse direito é assegurado)”. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 53

5 ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de Direito Internacional Público. Vol. I, cit., p. 2 apud MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 10ª ed., atual. e ampl. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 124-129

6 MOREIRA, Thiago Oliveira, op. cit., p. 29

7 SOUZA, Nevitton Vieira. Jurisdição internacional e as dificuldades de execução de sentenças internacionais no Brasil. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 15, n. 3, 2018, p.345

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envolvem indivíduos de diferentes nacionalidades, como os conflitos entre su-jeitos do Direito Internacional (Estados e organizações internacionais). O mais importante em adequar o conceito de jurisdição no plano internacional é a questão de quem tem titularidade de tal forma jurisdicional, ou seja, quais as variações detêm a jurisdição internacional, ou função pacificadora internacio-nal. Análise que recairá sobre três variáveis: 1) a jurisdição internacional nos tribunais nacionais; 2) a jurisdição internacional regional e comunitária; 3) a jurisdição internacional universal.8

Outro ponto que deve ser explanado acerca da jurisdição internacional é o multilate-rismo, que se caracteriza como mais uma ferramenta de fortalecimento do diálogo interestatal, que visa o bem comum da sociedade internacional. Assim o define Celso Lafer:

O multilateralismo se diferencia do bilateralismo e do unilateralismo. Nas re-lações bilaterais cada Estado negocia, à luz da lógica da reciprocidade especí-fica dos seus interesses, com cada um dos seus parceiros, um a um. É um ingrediente indispensável da política externa de um Estado, à luz dos seus ob-jetivos particulares, que favorecem em maior ou menor grau a tradução de necessidades internas em possibilidades externas. Por maior que seja a rede de relações bilaterais de um país, elas nunca dão conta dos desafios de sua inserção num mundo finito e de interdependências. (...) O multilateralismo é a procura de soluções para a convivência internacional. Objetiva a elaboração e a aplicação de normas e pautas de conduta, elaboradas coletivamente pelos Estados para reger suas recíprocas relações num mundo interdependente. Cria, no âmbito institucional de múltiplas organizações internacionais, que operam, como um terceiro entre as partes, tabuleiros diplomáticos. Estes são um espaço para o potencial de articulação interestatal necessária para lidar com os desa-fios da sociedade internacional contemporânea, que alcança a todos na era di-gital.9

Ademais, cabe destacar acerca do papel da jurisdição internacional,vez que as sentenças internacionais são diferentes das sentenças estrangeiras, pois as primeiras são provenientes de uma jurisdição nacional considerada estrangeira ou alienígena sob a ótica jurídica nacional10, ao passo que as sentenças internacionais são provenientes de órgãos internacionais aos quais o Estado se vinculou e reconheceu a jurisdição internacional espontaneamente. Ou seja, o reco-nhecimento da jurisdição internacional estabelece o compromisso de observar e dar

8 WEBERBAUER, Paul Hugo. O Estado-Nação e a jurisdição internacional: análise das barreiras para imple-mentação de uma jurisdição compulsória no direito internacional. Recife, 2006. 174 f. Dissertação (Mestrado em Direito Público) – Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Pernambuco, 2006. p. 113

9 LAFER, Celso. O Brasil e o multilateralismo. Academia Brasileira de Letras. Disponível em

http://www.aca-demia.org.br/artigos/o-brasil-e-o-multilateralismo. Acesso em 09 nov 2019.

10 SOUZA, Nevitton Vieira. Jurisdição internacional e as dificuldades de execução de sentenças internacionais no Brasil. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 15, n. 3, 2018, p. 345.

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cumprimento aos atos emanados desses órgãos, sob pena de responsabilização internacional11. Sobre tal responsabilização, assevera Thiago Oliveira:

No campo do direito internacional público ou mesmo de um direito mundial emergente, além de se observar o alargamento do conteúdo dos direitos hu-manos, identifica-se a criação de instrumentos que permitem que tais direitos sejam assegurados na hipótese de violações praticadas pelo próprio Estado. Trata-se da responsabilidade internacional por violação aos direitos humanos, que estabelece mecanismo de tutela, tanto em sede convencional quanto não convencional, com destaque para a jurisdição exercida por Cortes e Tribunais Internacionais, como é o caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Tribunal Penal Internacional, ambos com papel altamente relevante na proteção dos direitos humanos.12

Destarte, com objetivo de organizar essa estrutura de tribunais internacionais, que tem como escopo fundamental o acesso à justiça, com vistas a realização de todos os atos essenciais ao exercício da jurisdição internacional e a prestação da tutela jurídica, as jurisdições interna-cionais se dividem em âmbito e alcance global e regional. O que se busca é agrupar os países de acordo com suas características geográficas e econômicas no intuito de facilitar as negocia-ções entre eles. Atualmente, o Brasil está vinculado à jurisdição internacional de seis tribunais e órgãos internacionais13, quais sejam, a Corte Internacional de Justiça – CIJ14; o Tribunal In-ternacional do Direito do Mar – TIDM15; o Órgão de Solução de Controvérsias da Organização mundial do Comércio – OMC16; o Tribunal Penal Internacional – TPI17; Tribunal Permanente de Revisão do Mercado Comum do Sul - Mercosul18; e, Corte Interamericana de Direitos

Hu-manos - Corte IDH19.

11 AZAR, Aïda. L’exécution des décisions de la Cour internationale de justice. Bruxelas: Bruylant: l’Université de Bruxelles, 2003 apud SOUZA, Nevitton Vieira. Jurisdição internacional e as dificuldades de execução de senten-ças internacionais no Brasil. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 15, n. 3, 2018 p. 346

12 MOREIRA, Thiago Oliveira. A aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela jurisdição

brasileira. Natal: EDUFRN, 2015. p. 90

13 SOUZA, Nevitton Vieira. Jurisdição internacional e as dificuldades de execução de sentenças internacionais no Brasil. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 15, n. 3, 2018 p.345

14 BRASIL, Decreto n. 19.841, de 22 de outubro de 1945. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de-creto/1930-1949/D19841.htm Acesso em 09 nov 2019

15 Idem, Decreto n. 1.530, de 22 de junho de 1995.. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de-creto/1995/D1530.htm Acesso em 09 nov 2019

16 Idem, Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de-creto/Antigos/D1355.htm Acesso em 09 nov 2019

17 Idem, Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de-creto/2002/d4388.htm Acesso em 09 nov 2019

18Idem, Decreto n. 4.982, de 09 de fevereiro de 2004. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D4982.htm Acesso em 09 nov 2019

19 Idem, Decreto n. 4.463, de 08 de novembro de 2002. Disponível em

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Assentados os contornos sobre jurisdição internacional na prática, insta salientar que as práticas de direito internacional são predominantemente costumeiras ante a impossibilidade de todas estarem positivadas até a Convenção de Viena de 1969. O fundamento do Direito Inter-nacional Público – DIP é explicado no desenvolvimento de duas principais doutrinas: Volunta-rista e Objetivista. A primeira encontra suporte na vontade coletiva dos Estados, uma vez que eles, de forma expressa ou tácita, consentem e se relacionam mutuamente. Ao passo que a se-gunda argumenta que a obrigatoriedade advém do conjunto de princípios e normas superiores ao ordenamento jurídico estatal, considerando que a existência da sociedade internacional de-pende de valores superiores que devem se sobrepor às questões domésticas estatais20.

Outro fundamento abordado é o do princípio do pacta sunt servanda “que impõe aos Estados o dever de respeitar a sua própria palavra e cumprir com a obrigação aceita no livre exercício de sua soberania”21, baseada nos princípios jurídicos que estão acima da vontade dos

Estados, não sendo a vontade, no entanto, desconsiderada, mas contida na boa-fé dos atos con-vencionais. Tal norma está positivada na Convenção de Viena sobre Tratados de 1969.22

Oprincípio pacta sunt servanda, na perspectiva clássica do direito das gentes, regula as relações entre Estados, e, na concepção contemporânea, entre Estados e outros atores da comu-nidade internacional, quais sejam as Organizações Internacionais – OIs e os indivíduos. Na visão clássica do Direito internacional o poder e as negociações eram apenas dos Estados, ao passo que após a entrada de novos atores no cenário internacional e consequente relativização desse poder da política internacional, que, em certa medida, foi compartilhado com as OIs, acarretaria uma forma de enfraquecimento do papel estatal.

Não obstante tal perspectiva, adota-se aqui a perspectiva de que todos os sujeitos do DIP são essenciais para o desenvolvimento das relações internacionais e soluções para situa-ções-problema em comum, tanto em âmbito comercial e quanto no de proteção à expansão dos direitos humanos. Alguns exemplos de dificuldades enfrentadas por países transfronteiriços, nos quais a legislação interna não se mostra suficiente para resolução da questão são ondas de migrações decorrente de desastres ambientais e guerras, apatridia e turismo reprodutivo. Tais

20 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 10ª ed., atual. e ampl. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 124-129

21 WHITTON, John B. La règle “Pacta sunt servanda”, in Recueil de Cours, vol. 49 (1943-III), pp. 147-276 apud MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 10ª ed., atual. e ampl. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 127

22 Artigo 26 Pacta sunt servanda: Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé. BRASIL, Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Disponível em http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm. Acesso em 24 nov 2019.

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questões revelam, também, a importância da jurisdição internacional como meio de comunica-ção através do multilateralismo.

Outra categoria que integra a lógica internacional são regras jus cogens, de natureza imperativa, que sobressaem às outras obrigações internacionais, pois devido a sua simbologia e importância, não é possível derrogá-las por vontade das partes. Nas palavras de Mazuolli, “o

jus cogens, por sua vez, representa uma categoria de normas imperativas de Direito

Internacio-nal geral da qual nenhuma derrogação é possível, a não ser por outra posterior da mesma natu-reza”23.

Para nós, pode-se dizer que integram o jus cogens ou a ordem pública inter-nacional, grosso modo: a) o costume internacional geral ou comum, a exemplo das normas protetoras dos próprios fundamentos da ordem internacional, como a proibição do uso da força fora do quadro da legítima defesa; as normas sobre cooperação pacífica na proteção de interesses comuns, como a da liber-dade dos mares; as normas que proíbem a escravatura, a pirataria, o genocídio, a tortura e a discriminação racial; as regras protetoras da liberdade religiosa; as normas de direito humanitário, que se aplicam aos casos de conflitos arma-dos protegendo os civis em tempo de guerra, militares postos fora de combate, feridos, prisioneiros, doentes e náufragos, bem como as normas proibitivas da guerra de agressão; as normas protetoras dos direitos dos Estados e dos povos (como as relativas à igualdade, integridade territorial, livre determinação dos povos, dentre outras) etc.; b) as normas convencionais pertencentes ao Direito Internacional geral, a exemplo dos princípios constantes da Carta das Nações Unidas, como os da solução pacífica dos conflitos, da preservação da paz, da segurança e da justiça internacionais; as relativas à liberdade contratual e à inviolabilidade dos tratados (como o pacta sunt servanda e a boa-fé) etc.; e c) o Direito Internacional especial, de fonte unilateral ou convencional sobre di-reitos e garantias fundamentais do homem, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, os dois Pactos de Nova York de 1966 (Pacto In-ternacional dos Direitos Civis e Políticos e Pacto InIn-ternacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) e, no sistema regional interamericano, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) de 1969.24

Portanto, elas demonstram aceitação geral pela sociedade internacional e visam a pro-teção dos interesses individuais e coletivos dos Estados, bem como balizar as desigualdades entre os tais interesses. Nesse sentido, comenta Thiago Moreira:

(...) Pode-se afirmar que foi no pós-guerra, que efetivamente surgiu o fenô-meno da internacionalização dos Direitos Humanos, sendo claramente ori-undo da combinação entre o reconhecido caráter universal dos direitos e sua positivação, seja nas tratativas internacionais, seja no reconhecimento dos

23 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 184

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Direitos Humanos como norma jus cogens. Nesse molde, consolidam-se a cri-ação de diversos tratados internacionais que positivam, a nível global e regio-nal, principalmente os valores éticos derivados do postulado da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, emerge a criação de um denso corpo normativo internacional de proteção e promoção dos Direitos Humanos.25

As normas de natureza cogente, jus cogens, estão comumente atreladas às de hard law, que, conforme define Steven Kennett “Direito Internacional consiste em regras ou obrigações juridicamente vinculantes que possam ser interpretadas e executadas por cortes ou outros tribu-nais”.2627 No entanto, importante destacar que a diferença entre elas consiste na característica da inderrogabilidade que é inerente apenas às normas jus cogens.

Por outro lado, existem normas de soft law, de caráter não vinculante, cuja flexibilidade possibilita uma margem de apreciação em se tratando de seu cumprimento pelo Estado. Ob-serva-se que:

A margem nacional de apreciação, entendida como o reconhecimento de uma reserva de atuação do Estado de acordo com suas peculiaridades em relação às normas internacionais, apresenta-se como uma das ferramentas de concili-ação entre a noção tradicional de soberania estatal — com as inúmeras esco-lhas no âmbito interno — e as disposições inscritas nos tratados Internacionais de Direitos Humanos, muitas vezes redigidas com um alto grau de abstração.28 Um exemplo de norma soft law é a Declaração Universal dos Direitos Humanos -DUDH, que destaca o compromisso dos países signatários com a proteção internacional dos direitos humanos e abriu os caminhos para a assinatura de instrumentos com a natureza de hard

law e momentos posteriores. Acerca dos regramentos soft law, lecionam Gilberto Schäfer e José

Eduardo Previdelli:

Uma conceituação adequada do que seja soft law – que, em português, pode ser traduzida por direito plástico, direito flexível ou direito maleável –, pode-se afirmar que na sua moderna acepção ela compreende todas aquelas regras cujo valor normativo é menos constringente que o das normas jurídicas tradi-cionais, seja porque os instrumentos que as abrigam não detêm o status de “normas jurídicas”, seja porque os seus dispositivos, ainda que insertos no

25 MOREIRA, Thiago Oliveira. A aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela jurisdição

brasileira. Natal: EDUFRN, 2015. p. 58

26 KENNETT, Steven A. Hard Law, Soft Law e Diplomacia: O paradigma emergente para Cooperação Intergo-vernamental para avaliação Ambiental. Alberta Law Review, v. 31, n. 4, p. 644. Disponível em < https://www.al-bertalawreview.com/index.php/ALR/article/view/1192>. Acesso em 09 nov 2019.(Tradução nossa).

27 Hard law consists of legally binding rules or obligations which may be interpreted and enforced by courts or other authoritative tribunals. (redação original)

28 SCHÄFER, Gilberto; PREVIDELLI, José Eduardo Aidikaitis; GOMES, Jesus Tupã Silveira. A margem nacio-nal de apreciação na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista de Direito Internacionacio-nal, Brasília, v. 15, n. 2, 2018 p. 327

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quadro de instrumentos vinculantes, não criam obrigações de direito positivo aos Estados, ou não criam senão obrigações pouco constringentes Portanto, um dos maiores problemas desse tipo de norma se encontra na falta de ele-mentos que garantam a sua efetiva aplicação.29

Sendo assim, observamos que a existência desse direito maleável está intimamente li-gada à prática do multilateralismo, já abordada anteriormente, visto que

A necessidade de adaptação da ordem internacional contemporânea a essas novas temáticas emergentes no Direito Internacional, ligada à flexibilidade que a regulação e a acomodação dos interesses ali presentes demandam, faz que surjam inúmeras dúvidas e perplexidades em relação ao caráter jurídico desses aludidos textos, emergidos da prática da diplomacia multilateral no sé-culo XX, que integram o que se convencionou chamar de soft law ou droit

doux (direito flexível), em contraponto ao conhecido sistema da hard law ou droit dur (direito rígido).30

Em conclusão, as diferenças mais marcantes entre soft e hard law não habitam somente o âmbito jurídico, mas perpassam o âmbito da política internacional:

O direito existe na soft law, mas com conteúdo jurídico mais fácil de ser tra-balhado, seja nos foros internacionais, seja no seio de organizações internaci-onais, sem um comprometimento estrito a regras rígidas previamente estabe-lecidas pelas partes. Mas não se pode negar que a incerteza jurídica nessa seara ainda é grande e a pretendida coerência desse sistema ainda não está à vista. Trata-se de um domínio entre a política internacional (em que prevalece a falta de preocupação com legalidades por parte dos Estados e de seus negociadores) e o Direito Internacional Público (que nem sempre tem condições de impor seus métodos para adequar certo fenômeno às suas rubricas já conhecidas). (...) Assim, não obstante a consideração corrente de ser a soft law um conjunto de normas sem valor propriamente “jurídico”, ou com valor normativo menor que o das normas tradicionais (ou ainda, segundo alguns, com conteúdo vari-ável), nem por isso deixa ela de ter a sua significância em Direito Internacio-nal. O que difere a soft law das demais normas jurídicas são dois motivos: a) o fato de ser ela um produto jurídico ainda inacabado no tempo, pois voltada para a assunção de compromissos futuros (tratando-se, então, de um compro-misso programático); e b) o fato de estar governada por um sistema de sanções distinto daquele aplicável às normas tradicionais, sendo o seu cumprimento mais uma recomendação que propriamente uma obrigação dirigida aos Esta-dos.31

Nesse diapasão, as OIs trabalham sobretudo, para proteger indivíduos e grupos em situ-ação de vulnerabilidade, para estabelecer modelos de comportamento com enfoque na primazia da dignidade da pessoa humana, utilizando-se, principalmente, dos instrumentos de hard law.

29 SCHÄFER, Gilberto; PREVIDELLI, José Eduardo Aidikaitis; GOMES, Jesus Tupã Silveira, op. cit., página 194-195

30 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 159

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Sendo assim, observando as definições trazidas, pode-se afirmar, mediante conclusão lógica, que as decisões oriundas da jurisdição internacional pertencem ao grupo da hard law, pois, além de constituírem normas jus cogens, conforme explicado previamente, são oriundas de um Tri-bunal Internacional cuja jurisdição foi previamente aceita pelos Estados-parte.

Apesar deste arcabouço lógico-jurídico apresentado, é comum que os Estados descum-pram com as obrigações pactuadas nos instrumentos de hard law, ainda que sua execução seja compulsória, incluindo-se aqui as decisões que determinam a responsabilização internacional e são provenientes das Cortes Internacionais. Nesse ponto reside discussão que ocupa o campo de interseção entre direito e relações internacionais, trata-se da ausência do poder de coerção das Cortes Internacionais em relação às Sentenças por elas exaradas.

Os motivos para o cumprimento integral, parcial ou inadimplemento dessas decisões devem ser estudados sob um prisma multidisciplinar e não estritamente jurídico32, sobretudo a perspectiva da geopolítica e das relações internacionais. Sobre essa questão na perspectiva bra-sileira, relata Charlotth Back:

devido ao paradigma do institucionalismo pragmático, os formuladores da po-lítica externa brasileira se utilizam de algumas premissas básicas do realismo, como a visão do sistema internacional como anárquico, o princípio da autoa-juda e a centralidade parcial do Estado nas relações internacionais, para arqui-tetar estratégias de inserção internacional tipicamente grocianas, como a coo-peração e a adesão a regimes e das instituições internacionais. (...) O Brasil se mostra como defensor histórico do direito internacional, em razão da agrega-ção progressiva de princípios de política externa como o juridicismo, o res-peito às instituições internacionais e a preferência pelo multilateralismo, ao mesmo tempo em que, em algumas ocasiões, age privilegiando o auto inte-resse estatal. Por atuar tanto sob aspectos pragmáticos como sob aspectos ide-alistas, em momentos em que as decisões políticas passam pela escolha entre interesses e princípios.33

32 Para uma análise pormenorizada desse assunto ver: LEIDENS, Letícia Virgínia; VIDAL, Luciana Moreno Toro. Jurisdição Internacional e Direitos Humanos: uma análise da decisão do caso Gomes Lund e outros vs. Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos. In: Érika Leahy e Juliane Tedesco Andretta (Org.). Litígio

Estraté-gico e Hard Cases em Direito Internacional e o Diálogo com as Cortes Brasileiras. Curitiba: Instituto Memória,

2019. p. 91-105 e LEIDENS, Letícia Virgínia; VIDAL, Luciana Moreno Toro. Jurisdição Internacional e a cultura dos direitos humanos: comentários ao caso Gomes Lund e outros. Anais do XVII Congresso Brasileiro de

Di-reito Internacional, 28 a 31 ago. 2019, João Pessoa/PB. In: Belo Horizonte, Arraes Editores, 2019. P. 212-

33 BACK, Charlotth. O Brasil e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Revista de Direito

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Diante de todo o exposto, o Direito Internacional e a Jurisdição Internacional são ins-trumentos importantes para estabelecer diálogo entre os diferentes atores da sociedade interna-cional e se configuram como ferramentas de proteção e promoção aos direitos humanos. 1.2 O contexto do sistema regional e a Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Organização dos Estados Americanos - OEA34, organismo internacional de âmbito regional, tem como objetivos “conseguir uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência”, conforme expressa o artigo 1 da Carta da OEA35. Outro ponto

estabele-cido foi a relação da nova organização com o sistema universal (Nações Unidas), criado três anos antes do interamericano. O mesmo artigo 1º da Carta da OEA estipula: "(...) Dentro das Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos constitui um organismo regional".

Os pilares que sustentam esses objetivos são: i) democracia, ii) direitos humanos, iii) segurança no trabalho e iv) desenvolvimento, que são efetivados por meio do diálogo entre os Estados integrantes do grupo, utilizando-se para tanto, de diálogo político, acervo jurídico, me-canismos de acompanhamento e cooperação.

Sendo assim, os Estados Americanos36 buscam estabelecer maior integração entre si e instituições especializadas em diferentes esferas; pautar questões jurídicas com o fortaleci-mento dos vínculos entre o Estado e o setor privado num ambiente pacífico de cooperação e segurança regional.

Conforme esclarece o artigo 2 da Carta, os propósitos essenciais da organização são: a) Garantir a paz e a segurança continentais; b) Promover e consolidar a democracia representa-tiva, respeitado o princípio da não-intervenção; c) Prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica das controvérsias que surjam entre seus membros; d) Organizar a ação solidária destes em caso de agressão; e) Procurar a solução dos problemas políticos, jurídicos e econômicos que surgirem entre os Estados membros; f) Promover, por meio da ação cooperativa, seu desenvolvimento econômico, social e cultural; g) Erradicar a pobreza crítica,

34 Em inglês: Organization of American States (OAS).

35 A assinatura da Carta da OEA ocorreu no ano de 1948, em Bogotá, Colômbia e entrou em vigor em dezembro de 1951. A Carta de 1948 foi modificada, mediante Protocolos de Reforma, em quatro ocasiões: Buenos Aires, 1967; Cartagena das Índias, 1985; Washington, 1992; Manágua, 1993.

36 Antígua e Barbuda , Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, El Salvador, Equador, Estados Unidos da América, Guatemala, Granada, Guiana, Haiti, Hondu-ras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Saint Kitts e Nevis, Santa Lú-cia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Uruguai, Trinidad e Tobago e Venezuela.

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que constitui um obstáculo ao pleno desenvolvimento democrático dos povos do Hemisfério; e h) Alcançar uma efetiva limitação de armamentos convencionais que permita dedicar a maior soma de recursos ao desenvolvimento econômico-social dos Estados membros.

No entanto, tal integração não surgiu do dia para noite. Em uma breve digressão histó-rica, que remete ao ano de 1889, os Estados americanos resolveram se reunir em conferências especializadas e criar um sistema compartilhado de normas e instituições, em princípio, para incentivar relações comerciais mais benéficas, expandir mercados e estabelecer um mecanismo de solução pacífica das controvérsias entre eles. Essas conferências foram o embrião daquilo que futuramente se chamaria Sistema Interamericano.

Destaca-se que no contexto geopolítico do fim da Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria ocorreu a Conferência Interamericana para Manutenção da Paz e Segurança no Continente, realizada no Rio de Janeiro, Brasil, em 1947, que possibilitou a assinatura o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca - TIAR, cujo teor visa assegurar a autodefesa coletiva legítima no caso de um ataque de potência estrangeira de fora da região e decidir ações conjun-tas no caso de um conflito entre dois Estados partes do tratado. Além dos temas relacionados ao Direito Internacional Público, adotaram-se, também, várias convenções de direito internaci-onal privado, notadamente a Convenção interamericana de Direito Internaciinternaci-onal Privado e seu Anexo: o Código Bustamante de Direito Internacional Privado.

Atualmente, a OEA conta com os com os seguintes órgãos: Assembleia Geral; Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores; Conselhos (Conselho Permanente e Con-selho Interamericano de Desenvolvimento Integral); Comissão Jurídica Interamericana; Comis-são Interamericana de Direitos Humanos; Secretaria Geral; Conferências Especializadas; Or-ganismos Especializados e outras entidades estabelecidas pela Assembleia Geral.37

No intuito de salvaguardar os direitos sociais essenciais ao povo do continente ameri-cano, a Convenção estabeleceu dois órgãos competentes para conhecer das violações aos direi-tos, conforme o artigo 1 da Carta da OEA: “Artigo 1 – Natureza e Regime Jurídico. A Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma instituição judicial autônoma, cujo objetivo é a aplicação e interpretação da Convenção Americana de Direitos Humanos”.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é um órgão principal e autônomo do SIPDH e da OEA, representando todos seus países membros e está integrada por sete membros independentes eleitos pela Assembleia Geral, que atuam pessoalmente, não representam

37 Disponível em http://www.oas.org/legal/spanish/organigramaOEAesp.pdf Acesso em 10 nov 2019. Ver anexo 1 (Organograma da OEA) do presente trabalho.

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nenhum país específico. A CIDH se reúne em Períodos Ordinários e Extraordinários de sessões várias vezes ao ano38. Mazuolli aprofunda a explicação sobre esse órgão:

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (com sede em Washington, D.C., nos Estados Unidos) foi criada pela 5ª Reunião de Ministros das Rela-ções Exteriores em Santiago, Chile, em 1959, tendo o seu primeiro estatuto sido aprovado em 25 de maio de 1960 pelo Conselho da OEA, emendado em junho do mesmo ano, data em que iniciou as suas atividades. Trata-se de órgão importantíssimo da OEA e um dos que têm atuação mais visível dentro da organização, notadamente quando assume as queixas individuais de cidadãos de Estados membros e dá início ao procedimento de responsabilização inter-nacional do Estado por violação de direitos humanos. A Comissão é, ao mesmo tempo, órgão da OEA e órgão da Convenção Americana sobre Direi-tos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), servindo de instância para a promoção e proteção dos direitos humanos dos cidadãos do continente ameri-cano.39

A Corte Interamericana de Direitos Humanos - CorteIDH constitui ponto essencial e objeto na discussão do presente trabalho, pois é ela quem detém a competência para exarar as Sentenças Internacionais sobre violações de direitos humanos. Dessa forma, constitui uma das vias de acesso à Jurisdição Internacional.

Tal acesso é regulado, atualmente, por cinquenta e sete instrumentos jurídicos40 que tratam de diferentes temas - promoção e proteção dos direitos humanos; prevenção da discri-minação; crianças; povos indígenas; pessoas com deficiência; orientação sexual e identidade de gênero; administração da justiça; tortura e desaparecimento; trabalho; nacionalidade; asilo; re-fúgio e pessoas desaparecidas; e, uso de força e conflito armado.

O Brasil ratificou quarenta e nove desses instrumentos41, entre convenções e protocolos,

oriundos da OEA, dentre os quais se destaca a Convenção Americana de Direitos Humanos - CADH, popularmente conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, que foi adotada em 1969 e entrou em vigor em 1978. Assim coloca Priscila Fillus:

O pacto baseou-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos, buscando consolidar ideais de liberdade pessoal, justiça social, de forma a garantir di-reitos humanos essenciais, sob condições que tornassem o ser humano sem temor, livre e capaz de gozar de direitos culturais, políticos, sociais, civis e econômicos. Através da ratificação da Convenção Americana de Direitos

38Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O que é a CIDH? Disponível em

https://cidh.oas.org/que.port.htm. Acesso em 24 nov 2019.

39 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 891

40 Corte IDH. Disponível em http://www.corteidh.or.cr/instrumentos.cfm Acesso em 15 out 2019.

41_________. Disponível em

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Humanos, garantias foram ampliadas, como a criação da audiência de custó-dia, através da qual todo preso em flagrante deve ser levado à presença de uma autoridade judicial, dentro do prazo de 24h. para que tal autoridade avalie se a prisão em flagrante foi efetuada dentro da legalidade e se há necessidade de manutenção da prisão.42

Em atenção aos aspectos abordados até aqui, percebe-se que o contexto do sistema re-gional e a Corte IDH propiciam o diálogo entre o pactuado em matéria de direitos humanos e a promoção desse pacto no âmbito doméstico, por meio da jurisdição internacional. Tendo em vista que muitas vezes há violações de direitos humanos e não há prestação jurisdicional satis-fatória por parte do Estado, os casos são levados à Corte IDH, culminando em sentenças de responsabilização internacional. Tais sentenças tem como objetivo reparar e garantir a não re-petição das violações, devendo ser dada a elas total execução, constituindo-se, ainda, como fonte de direito e guia hermenêutica para atuação dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Todavia, o cumprimento acaba ocorrendo apenas de forma parcial43,acarretando, assim, em uma dissonância no diálogoefetivo entre âmbito internacional e doméstico.

1.3 Casos emblemáticos que evidenciam o papel da jurisdição internacional

Assentado o conceito sobre jurisdição internacional, em especial da estrutura do sistema regional interamericano, importante entender como o tema vem sendo tratado nos tribunais do-mésticos brasileiros. Para tanto, parte-se da apresentação da escolha de quatro casos emblemá-ticos que evidenciam os pontos de encontro entre direito internacional e jurisdição nacional e internacional, pois foram temas oriundos de convenções internacionais e causaram controvér-sias acerca de sua aplicação no âmbito interno. São eles: desacato, uso de algemas (súmula vinculante nº 11), depositário infiel (súmula vinculante nº 25), e, transporte internacional de pessoas (código de Defesa do Consumidor versus Convenções de Varsóvia44 e Montreal 45).

42FILLUS, Priscila Mara. O Pacto de São José da Costa Rica e a Prisão do Depositário Infiel. In: Érika Leahy e Juliane Tedesco Andretta (Org.). Litígio Estratégico e Hard Cases em Direito Internacional e o Diálogo com

as Cortes Brasileiras. Curitiba: Instituto Memória, 2019. p. 146

43 Conclusão estabelecida a partir dos estudos do Grupo de Pesquisa “Direitos Humanos e Jurisdição Internacional: a condenação da República Federativa do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos”. VIDAL, Luciana Moreno Toro. LEIDENS, Letícia Virgínia Leidens. Direitos Humanos e Jurisdição Internacional: a condenação da República Federativa do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista PIBIC. Universidade Fe-deral Fluminense, Niterói, 2018, Ciências Sociais Aplicadas, p. 60-61. Disponível em http://www.revistapi-bic.uff.br/images/Revista/CSA_FINAL.pdf. Acesso em 30 nov 2019.

44 BRASIL. Decreto nº 20.704 de 24 de novembro de 1931. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/decreto/1930-1949/D20704.htm. Acesso em 23 nov 2019.

45 BRASIL. Decreto nº 5.910, de 27 de setembro de 2006. Disponível em

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O primeiro caso, sobre uso de algemas e tratamento adequado de presos foi o que deu origem à Súmula Vinculante nº 11:

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsa-bilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.46

O substrato de tal discussão reside no uso abusivo de algemas por autoridades policiais, mediante cenas de prisões de figuras públicas que eram transmitidas pelos meios de comunica-ção, fato que levantou questionamentos como qual é função das algemas, uma forma de con-tenção do preso a fim de evitar fuga ou violência, ou uma forma antecipada de punição? O que caracteriza a prisão, o ato de algemar o preso ou a voz de prisão?47.

Tanto a CADH, quanto a Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB se expressam sobre a proibição do tratamento indigno do preso. Assim expressa o artigo 5º da CADH acerca da proteção dos direitos e garantias individuais

Direito à integridade pessoal 1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

Bem como a literalidade artigo 5º da CRFB:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi-lidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)

Portanto, há que notar a influência do entendimento internacional na interpretação rea-lizada pelo Supremo Tribunal Federal – STF ao decidir que o uso desnecessário das algemas fere o princípio da dignidade humana e assentando. A Corte IDH há tempos vem assentando a

opinio iuris de que as algemas só devem ser usadas diante de necessidade comprovada, como

46 BRASIL. STF. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1220 Acesso em 09 nov 2019.

47 CAVALLARI, Orlando. Estado e a violação dos Direitos Humanos: O uso das algemas e o abuso de autoridades.

Hegemonia – Revista Eletrônica de Relações Internacionais do Centro Universitário Unieuro. UNIEURO,

Brasília, nº 8, 2011, p. 4-86. Disponível em http://www.unieuro.edu.br/sitenovo/revistas/downloads/hegemo-nia_08_02.pdf. Acesso em 09 nov 2019.

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o caso concreto, quando o emprego da força pelas autoridades policiais só é legítimo, em va-lorização da dignidade humana do preso.48 Portanto, nesse aspecto avaliamos que houve uma aproximação de interpretação entre a corte nacional e a jurisdição internacional, pois o STF, ao editar a súmula vinculante, tornou obrigatória a aplicação de um certo entendimento jurídico no Brasil, que nasceu da interpretação da CADH, ou seja , de uma conversa entre a jurisdição nacional e internacional por meio de um instrumento, qual seja, um Pacto Internacional.

O segundo caso discute a questão da legislação aplicável quando da ocorrência de inde-nização pelos danos materiais e morais causados pelo a falha na prestação de serviços do trans-porte aéreo de pessoas e cargas, se o Código de Defesa do Consumidor – CDC ou as Conven-ções de Varsóvia e Montreal. O STF fixou tese em sede de repercussão geral, no anos de 2017, segundo a qual as Convenções de Varsóvia e Montreal têm prevalência em relação ao CDC, posicionando-se quanto à aplicabilidade das disposições da Convenção de Montreal ao trans-porte internacional de pessoa, bagagem ou carga, realizado em aeronaves, mediante remunera-ção.

Nos termos do art. 178 da Constituição da República49, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm pre-valência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. 50

Logo, entendeu-se pela aplicação das Convenções em detrimento do CDC, uma vez que o Brasil assumiu o compromisso internacional de aplicá-las em seu ordenamento jurídico. In-clusive, o próprio texto da Convenção de Montreal determina que ele mesmo deve prevalecer sobre outras normas que sejam aplicáveis ao transporte aéreo internacional, como é o caso do CDC, respeitando o princípio da especialidade. Ademais, com base no critério da especialidade, a Convenção de Montreal derroga expressamente a aplicação do CDC na matéria em comento, porque não existe hierarquia entre elas.

48 Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Justiça, Comissão de Anis-tia, Corte Interamericana de Direitos Humanos. Tradução da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Brasília: Ministério da Justiça, 2014. Disponível em http://www.corteidh.or.cr/sitios/libros/todos/docs/por2.pdf. Acesso em 13 nov 2019.

49 Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. (Re-dação dada pela Emenda Constitucional nº 7, de 1995)

50 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 636.331-RJ. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4040813&nu-meroProcesso=636331&classeProcesso=RE&numeroTema=210# >. Acesso em 13 nov 2019.

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Uma observação necessária sobre a questão do dano moral, visto que a Convenção de Montreal não enumera de forma taxativa as hipóteses de indenização por situações decorrentes de transporte aéreo internacional. A citada convenção unifica certas regras que tratam de trans-porte aéreo internacional. Possível, então, que os Estados signatários legislem sobre a matéria, se não houver conflito entre a lei interna, no caso do Brasil, o CDC, Convenção de Montreal e a Constituição. Assim, cabível aplicação do CDC no que tange aos aspectos do dano moral não previstos na Convenção, além da própria proteção Constitucional relegou ao direito à reparação por danos materiais e morais51, sendo inclusive, cláusula pétrea.

Nesse sentido, percebemos uma adesão à normativa internacional pela Corte interna, pois mais uma vez existe uma análise entre legislação internacional e interna. Apesar de não tratar de matéria de Direitos Humanos, mas sim de Direito Internacional Privado, o caso exem-plifica como é vasto o campo de aplicação das normativas internacionais, e como o assunto permeia diversas facetas da vida do indivíduo, havendo espaço para aplicação diálogo entre Cortes, utilizando-se dos princípios de Direito Internacional.

Agora, saindo do âmbito civil internacional, passamos à análise de um exemplo do âm-bito penal, terceiro caso, sobre crime de desacato52. A grande controvérsia se inicia com uma série de decisões conflitantes do Superior Tribunal de Justiça. No ano de 2016, no REsp 164008453, a 5ª turma do STJ, exercendo o controle de convencionalidade54, considerou atípica a conduta relativa ao tipo penal do crime de desacato de forma unânime. Sidney Guerra comenta a argumentação do julgado e destaca o posicionamento de cunho internacional:

Ao passar à análise dos dispositivos em confronto, art. 13 da CADH e art. 331 do CP, o Relator destacou o posicionamento da CIDH, que atesta a prevalên-cia do art. 13 da CADH, notadamente por meio do Relatório sobre a Compa-tibilidade de Leis de Desacato e a Convenção Americana sobre Direitos Hu-manos (1995), bem como o Caso “Palamara Iribarne”, em que a Corte IDH

51Art. 5º, incisos V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem e X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constitui-cao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 24 nov 2019.

52 Art. 331 do Código Penal - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Dispo-nível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 24 nov 2019. 53 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1640084. Disponível em

http://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Mi-dias/arquivos/Noticias/RECURSO%20ESPECIAL%20N%C2%BA%201640084.pdf. Acesso em 17 out 2019. 54 O controle de constitucionalidade consiste no confronto do ato normativo com a Constituição, ao passo que no controle de convencionalidade há cotejo do ato normativo e uma Convenção Internacional. GUERRA, Sidney. Avanços e retrocessos sobre o controle de convencionalidade na ordem jurídica brasileira: uma análise do posici-onamento do Superior Tribunal de Justiça. Revista de Direito Constitucional Internacional e Comparado v.2, n. 2 de 2017

(32)

condenou o Chile, afirmando que a imputação do crime de desacato violou o direito à liberdade de expressão.55

Dito isto, importante observar o artigo 13 CADH - Liberdade de pensamento e de ex-pressão, que é o fundamento da CIDH e da Corte IDH para rechaçar o crime de desacato e, foi também utilizado pelo STJ no caso em comento:

1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua esco-lha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressa-mente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:

a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comu-nicação e a circulação de ideias e opiniões.

Todavia, em julgamento do ano de 2018 a Terceira Seção do STJ (responsável pela matéria penal)56, estabeleceu que desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela é crime de desacato. Em suma, o Tribunal entendeu que a manutenção do tipo penal desacato no sistema jurídico é uma proteção aos agentes públicos contra eventuais ofensas e que tal tipo penal não macula a liberdade de expressão; sendo os excessos passíveis de punição.

Tal lógica continuou privilegiada no ano de 2018, visto que o ministro Celso de Mello (STF), em decisão monocrática, indeferiu pedido de Habeas Corpus – HC nº 15414357, no qual a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro pedia o trancamento da ação penal pela prática do crime de desacato com fulcro na incompatibilidade do crime de desacato com a liberdade de expressão e de pensamento, prevista na CRFB (artigo 5º, incisos IV e IX58) e CADH (artigo

55 GUERRA, Sidney. Op. cit.. p. 82

56 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 379.269. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/pro- cesso/dj/documento?data_pesquisa=20/08/2018&seq_publicacao=15581&seq_documento=19669933&ver-sao=impressao&nu_seguimento=00001&parametro=null>. Acesso em 17 out 2019.

57 BRASIL. 2018. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 154143. Disponível em < http://portal.stf.jus.br/pro-cessos/detalhe.asp?incidente=5371206> Acesso em 17 out 2019.

58 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propri-edade, nos termos seguintes: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; IX - é livre a

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