Cumprimento dos princípios constitucionais do devido processo legal, do

CPC/2015

Aqueles que combatem o bloqueio de ativos financeiros preteritamente à citação do devedor asseveram que os princípios constitucionais do devido processo

legal, do contraditório e da ampla defesa devem ser respeitados em primeiro lugar138

Como visto, o princípio do devido processo legal está disciplinado no inciso LIV, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, que determina que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Em outas palavras, não será afastada a liberdade nem os bens de um cidadão sem a anterior instauração de um processo estruturado para apurar os fatos.

Nesse processo, o contraditório e a ampla defesa devem ser assegurados aos litigantes, de acordo com o inciso LV do art. 5º da nossa Carta Magna.

Por contraditório, insta reforçar que é o chamamento da parte litigante ao

processo139.Tem-se, então, que a citação do réu é ato imprescindível em respeito ao

princípio constitucional do contraditório.

Valente destacar que a ideia de inexistência do contraditório no processo executivo foi superada, como esclarece trecho do artigo abaixo:

138 ISAIAS, Cristiano Becker; RIBEIRO, Darci Guimarães; VALENTIN, Gabriel (coords.). Processo, jurisdição e efetividade da justiça II [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UdelaR/ Unisinos/URI/UFSM

/Univali/UPF/FURG. Florianópolis: CONPEDI, 2016. ISBN: 978-85-5505-268-2 Modo de acesso:

www.conpedi.org.br, em publicações.

139 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 129.

Os antigos juristas afirmavam que o procedimento executório não permitia o contraditório porque não eram admitidas alegações, das partes, sobre a origem do título, haja vista que não se buscava uma sentença de mérito. É verdade, porém, que o objetivo do processo de execução não é analisar a origem ou o mérito do título, e sim que o crédito seja satisfeito, preferencialmente de maneira célere e efetiva.

Não obstante, atualmente, entende-se que o contraditório está presente em todos os atos do processo de execução, pois sua incidência é inestimável na esfera dos procedimentos tendentes à realização do direito e da justiça. Daí porque é imprescindível que o executado seja citado, para cumprir a obrigação e pagar sua dívida, ocasião em que ele poderá questionar a execução, instaurando-se o contraditório.140

Sendo assim, o contraditório deve ser garantido em todos os atos do processo executivo, o que revela a necessidade de citação do devedor, para pagar o débito executado.

Tanto é que, de forma expressa, o art. 238 do CPC/2015 fez questão de incluir o vocábulo “executado”, com a finalidade de demonstrar a importância da citação do

executado, que completa a relação141.

Nessa linha, oportuno colacionar as lições de Marcus Vinícius Gonçalves:

Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual. Só a partir dela, a relação processual se completa: é pressuposto processual de eficácia, como já visto. É tal sua importância que o legislador optou por conceitua-la (no art. 238), o que não faz, em regra, com os demais atos do processo. Ao incluir no conceito a alusão ao réu, executado ou interessado, a lei quis abranger os procedimentos de jurisdição tanto contenciosa como voluntária, uma vez que em ambos a citação é indispensável. Sempre que houver processo, seja ele de conhecimento ou de execução, há necessidade de citação.142

Segundo o autor, independente da ação, seja de conhecimento ou de execução, haverá necessidade de citação, porque é pressuposto de eficácia em relação ao réu (executado), consoante os arts. 240 e 312 do CPC/2015, além de condição de validade dos atos processuais subsequentes, nos termos do art. 239 do CPC, conforme exposto em tópico específico.

140SILVA, Tiago Cadorin da. Penhora e Aresto Online. O Aresto online como forma de imprimir celeridade e eficácia à execução fiscal. 2014. Monografia de Especialização (Curso de Preparação à Magistratura). Escola

de Magistratura do Paraná, Curitiba, Paraná, 2014. p.8. Disponível em:

http://www.emap.com.br/conteudo/biblioteca/monografias/Tiago%20Cadorin%20da%20Silva.pdf. Acesso em: 15 out. 2018.

141 ISAIAS, Cristiano Becker; RIBEIRO, Darci Guimarães; VALENTIN, Gabriel (coords.). Processo, jurisdição e efetividade da justiça II [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UdelaR/ Unisinos/URI/UFSM

/Univali/UPF/FURG. Florianópolis: CONPEDI, 2016. ISBN: 978-85-5505-268-2 Modo de acesso:

www.conpedi.org.br, em publicações. p.164.

142 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.329/330.

Além disso, na execução fiscal, a citação é o primeiro ato processual, para que o executado pague o nomeie bens à penhora, nos termos dos arts. 7, inciso I e 8 da LEF. Isto é, ao homologar a petição inicial do feito executivo, o magistrado deve

determinar a citação do devedor.143

Só depois, será possível efetuar o procedimento da penhora, de acordo com o art. 10 da Lei nº 6.830/1980, como ressalta Leonardo Carneiro da Cunha:

Somente depois, não havendo pagamento ou sendo ineficaz ou insuficiente a nomeação de bens, é que poderá haver a penhora on line. Na verdade, se o executado não paga nem nomeia bens, cabe ao juiz determinar a penhora de bens (Lei nº 6.830/1980, art. 10)144.

Com base nos artigos 7º, inciso II, 9º, 10º e 11 da Lei nº 6.830/1980, o advogado Fabrício Griebeler refuta o entendimento fazendário de bloqueio prévio à citação, conforme explicação abaixo:

(i) o artigo 7º, II, segundo o qual o despacho do juiz que deferir a inicial implicará ordem de penhora somente “se não for paga a dívida, nem garantida a execução, por meio de depósito, fiança ou seguro garantia”; (ii) os artigos 9º e 11, que preveem as garantias passíveis de oferecimento pelo executado e a ordem legal de preferência da penhora ou arresto, regras que se tornariam inócuas caso a Fazenda Pública sempre pudesse pedir a penhora on-line já na inicial e o juiz sempre a deferisse de plano;

(iii) o artigo 10, que prevê a possibilidade de penhora livre de bens do executado apenas se este não pagar a dívida nem oferecer garantia. ¹⁴⁵ Segundo Griebler, o inciso II do artigo 7º e o artigo 10 da LEF autorizam a penhora, desde que o executado não pague a dívida nem ofereça garantia, o que se mostra incompatível com a tese de bloqueio ou penhora antes da citação.

Já os artigos 9º e 11 da Lei nº 6.830/1980, ao preverem as garantias passíveis de oferecimento pelo executado e a ordem legal de preferência da penhora ou arresto,

restariam inúteis se fosse deferida a penhora online em momento anterior à citação.

143 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Impossibilidade da penhora online antes da citação na execução fiscal.

Opinião. 15 de junho de 2013. Disponível em:

https://www.leonardocarneirodacunha.com.br/opiniao/impossibilidade-da-penhora-on-line-antes-da-citacao-na-execucao-fiscal/. Acesso em: 01 de mar. 2019

144 Id., 2013.

145 GRIEBELER, Fabrício José Polli. O bloqueio de ativos financeiros antes da tentativa de citação em execução fiscal. Revista Consultor Jurídico. 23 de março de 2018. ISSN 1809-2829. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mar-23/fabricio-griebeler-bloqueio-ativos-financeiros-antes-citacao. Acesso em: 01 nov.2018.

Do mesmo modo, também se rejeita o entendimento fazendário, com base no art. 829 do novo Código de Processo Civil, o qual “aponta que (i) inicialmente haverá a citação e (ii) somente se não houver o pagamento pelo executado, no prazo de 3 dias, haverá a penhora”, como enfatizou o professor Luiz Dellore em artigo publicado

no portal eletrônico “JOTA”146.

Nesse diapasão, Leonardo Carneiro da Cunha147 conclui que “a penhora em

dinheiro pode ser determinada, mesmo que haja outros bens, mas é necessário, antes, garantir o direito do executado de pagar ou de nomear bens”.

Esse entendimento também é utilizado para o bloqueio ou arresto executivo:

Determinar a constrição do patrimônio do executado antes mesmo da regular citação, fere a ampla defesa e o contraditório, já que o atinge de surpresa. Tal constrição equivale a um arresto de ofício, sem autorização legal e sem demonstração do preenchimento de seus requisitos, o que atenta contra as garantias constitucionais do processo, os deveres de cooperação e os fundamentos do Estado Democrático de Direito148.

Portanto, o autor sustenta a impossibilidade do bloqueio/penhora online antes

da citação na execução fiscal, com base nos artigos 8º e 10º da Lei nº 6.830/1980 e também nos princípios da ampla defesa e contraditório, além de defender as garantias constitucionais do processo, os deveres de cooperação e os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Nessa mesma linha, o trabalho apresentado no CONPEDI sustentou que “não havendo citação válida, o executado não integrou a relação processual, razão pela qual não se deve deferir o pedido de bloqueio/penhora através do sistema BACEN

JUD”149.

Em outras palavras, o bloqueio de ativos financeiros, antes da tentativa de citação do devedor, viola frontalmente os princípios constitucionais, pois trata da privação de bens sem respeitar o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, bem como os arts. 7, 8, 9 e 10 da LEF e o art. 829 do CPC/2015.

146 DELLORE, Luiz. É possível penhora antes da citação? JOTA. 15 de agosto de 2016. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/novo-cpc/novo-cpc-e-possivel-penhora-antes-da-citacao-15082016. Acesso em: 03 nov. 2018.

147 Id., 2013.

148 Ibidem., 2013.

149ISAIAS, Cristiano Becker; RIBEIRO, Darci Guimarães; VALENTIN, Gabriel (coords.). Processo, jurisdição e efetividade da justiça II [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UdelaR/ Unisinos/URI/UFSM

/Univali/UPF/FURG. Florianópolis: CONPEDI, 2016. ISBN: 978-85-5505-268-2 Modo de acesso:

4.2 O art. 854 do CPC/2015 não autoriza o bloqueio de valores prévio à citação