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Para fins de não deixar pontos soltos na trajetória deste trabalho, proponho que possamos conectar novamente as reflexões para entendermos o que vamos desenvolver agora. Pois bem, no primeiro capítulo abordamos um percurso contextual das cotas, do encontro de saberes em âmbito nacional e regional e a minha inserção no projeto com o objetivo de criar um território favorável para, no segundo capítulo, trazer reflexões mais teóricas, fundamentadas no contexto histórico, social e político brasileiro. Essas reflexões percorreram questões sobre o histórico de racialização que enraíza a lógica de superioridade-inferioridade na relação do branco com o negro e do branco com o indígena; sobre o racismo estrutural, desenvolvemos os aspectos de efetivação e manifestação dessa estrutura; sobre o medo na sociedade, falamos da sua presença subjetiva e sociológica para a manutenção das relações de poder; sobre a universidade embrutecida, pontuamos sua lógica de triunfo e de fracasso; e, finalmente, sobre o medo na aprendizagem, trabalhamos a educação do aluno a partir da ideia da falta e da incapacidade, permeadas pelo discurso do mérito e da excelência.

Nesse último ponto, ainda fizemos um pequeno desenho para mostrar a relação entre território e política, política e epistemologia e epistemologia e pedagogia (e o recomeço do ciclo). Colocamos o medo no centro como meio de marcar a produção e reprodução, na universidade embrutecida, de relações de poder. O medo, por mais que haja, muitas vezes, no intuito da imobilidade de ações e afetos, na impossibilidade de se ver o outro, de se ver a relação entre as coisas, ainda não podemos falar de uma inexistência relacional, pois não se mover, não se falar, não se afetar, não se relacionar é também uma relação; uma relação que evita relações.

Para entender o que proponho, basta pensarmos a ideia de distanciamento entre o professor e o aluno no processo de aprendizagem: o professor detém o poder, ao aluno resta a obediência; ao professor, por seus devidos títulos, merece respeito, ao aluno, pela falta deles, tem que respeitar. Nesse caso, as palavras desviam o sentido que se pensa comumente a respeito de relação, já que respeito aqui, é a distância necessária que deve haver entre aquele que manda e aquele que obedece. Nessa distância, na verdade, não há respeito, há medo. Ele está atuando na ausência da relação, dessa maneira, é relacional.

Trouxe esse exemplo apenas para reafirmar a ideia do capítulo anterior de que as instâncias presentes no meio universitário (território-política-epistemologia-pedagogia). Por mais que as relações entre si sejam ocultadas ou as relações de proximidade e de afeto sejam devidamente evitadas, pelo fato de estarem extremamente embrutecidas pelas estruturas hierárquicas, ainda é possível perceber, através da produção do medo, a funcionalidade dessa relação.

Feito o percurso de como chegamos até aqui, podemos, mais tranquilamente, preparar o terreno para as questões a serem abordadas nesse capítulo. Parece perceptível que, no capítulo anterior, foi construído uma análise teórica ampla e geral das estruturas de poder nas raças, nas sociedades, nas universidades e nas aprendizagens. O que pretendo, nesse momento, é, a partir da experiência concreta dos mestres dos saberes populares no espaço universitário, perceber a presença da curiosidade no combate ao medo. A partir do método etnográfico de observação, enquanto estudante e monitor da disciplina concedida pelos mestres, procuro mostrar como na crítica da universidade embrutecida; na preparação do ambiente; no estímulo para conhecer o desconhecido; os mestres rompem com a distância entre professor e estudante e a relação de autoridade presente deixa de ser pautada pelo medo, pois o respeito não está mais na ordem a ser obedecida, mas na produção coletiva do conhecimento, rumo ao desconhecido. Além disso, deixo claro que pretendo fazer dialogar, nesse e no próximo capítulo48, as

anotações feitas durante as aulas dos mestres, com a minha própria experiência no projeto e com outros autores para fins de pensar os alcances do projeto em seu intuito de flexibilização do espaço universitário.

Rememorando o contexto do Encontro de Saberes na UFF, o curso foi realizado em duas disciplinas, uma pelo Instituto de Artes e Comunicação Social, e a outra foi uma disciplina conjunta do Instituto de Educação com o Instituto da Psicologia. Na primeira, a disciplina contou com o mestre Ogan Kotoquinho, no módulo ‘’Ritmos e Performances do Terreiro’’, com o mestre Expedito do Pifo e do Reisado e o aprendiz Zé Nilton, no módulo ‘’Ritmos e Performances no Reisado e na Palhaçaria’’ e o mestre Edimilson Santini, no módulo ‘’Ritmos e Performances do Cordel’’. Na segunda disciplina, contamos com a presença do mestre Manoel Seabra, Antônio Nascimento (Toninho do Canecão), Maria de Fátima da Silveira Santos e a aprendiz Luciana

48 No próximo capítulo pretendo trabalhar a noção de cuidado, e da necessidade de aliança com a

curiosidade, no processo de realização do projeto e na relação dos estudantes, professores e estrutura

Adriano da Silva, no módulo ‘’Corpo e Aprendizagem no Jongo’’, com o mestre Pai Roberto de Nzazi, com a mestra Mãe Arlene de Katendê e com a mestra Mãe Márcia de Sakpatá, no módulo ‘’Corpo e Aprendizagem no Terreiro’’, com o mestre Augustinho, e a mestra Marciana Para Mirim, no módulo ‘’Corpo e Aprendizagem Guarani Mbyá’’ e, por fim, com os mestres Altamiro e Dona Dica, no módulo ‘’Corpo e Aprendizagem Caiçara’’.

Acho importante, já de início, esclarecer que, pelo fato das disciplinas estarem ocorrendo simultaneamente (às sextas-feiras, das 14h às 18h), foi impossível, mesmo que desejável, para mim, acompanha-las. A minha presença física, então, situou-se apenas na segunda disciplina mencionada, que tem como recorte49 o corpo e a aprendizagem nos saberes tradicionais.

Dito isso, gostaria, também, de compartilhar uma indecisão proveitosa para o início desse capítulo. A princípio, tive dúvidas se, para trazer a riqueza da experiência de ter um mestre do saber tradicional como professor na universidade, exporia suas reflexões por tradição, pois assim poderia trazer de forma mais ampla o conteúdo abordado por cada mestre, ou se exporia por temas, cruzando as tradições e percebendo onde se encontravam nas questões levantadas. Inicialmente achava a segunda menos interessante, pois fiquei receoso de cair, sem querer, em modelos clássicos de interpretação que violentaram tanto essas tradições50.

Porém, logo depois, fui amadurecendo as possibilidades de percurso e vi que na primeira opção essa amplitude, a qual me referi, seria ilusória, pois é impossível, em uma aula de quatro horas, em três sextas-feiras (16 horas de aula no total) abranger, ainda mais nas tradições em que eu não tinha um contato prévio, complexas tradições milenares – além da possibilidade real de me perder e possivelmente não me achar em meu propósito de escrita. Já angustiado, comecei a pensar melhor e conversar com amigos sobre a possibilidade de desenvolver o texto pela segunda opção. Por mais que ache ainda muito difícil colocar no papel as complexas, ricas e poderosas falas dos mestres, creio que estava equivocado ao pensar que posso violenta-las ao cruzar as tradições entre si, a minha experiência e outros autores. Agora, mais calmo, consigo

49 Esse recorte é totalmente ilusório, pois as falas dos mestres não são divididas em disciplinas. Os saberes de diversas instâncias se atravessam, se compõem e se cruzam.

50 Entrevista com o Prof. José Jorge de Carvalho, 2015. A entrevista ainda não foi publicada, mas o professor faz referência ao modo historicamente violento das análises interpretativas científicas sob os grupos afros e indígenas.

perceber melhor que a força do conhecimento, principalmente no Encontro de Saberes, está na relação que se é possível entre mundos diferentes. Minha intenção aqui não é aprofundar em nenhuma tradição, nem em nenhuma grande teoria, mas perceber o quão interessante, além do bom e do ruim, é o encontro e a soma de modos diferentes de ser, pensar e sentir e de como essas diferenças não precisam necessariamente se opor para a construção de algo, como é comum em uma lógica que preza pela dicotomia. Creio que o que foi dito, e ativamente ouvido, ali nas salas de aula, é não apenas para ter sido dito ali, mas ser compartilhado para além daquele espaço. Acredito que todas aquelas manifestações do racismo, do poder e do medo são estruturas muito bem solidificadas que nós, em nossa heterogeneidade e formas de ver o mundo, temos a missão de enfrentar.

3.1. Possibilidades de uma outra universidade:

Pois bem, para pensar a possibilidade de se construir uma universidade mais democrática, inclusiva e que os saberes possam de fato estar presentes nesse meio, é preciso, todo momento, lembrar a nós e aos outros o que não queremos. Não pretendo criar uma escala do que é mais importante pensar, pois, por mais que sejam movimentos diferentes, poder e resistência não são dicotômicos como se pode imaginar, mas se dão por uma rede complexa de acontecimentos e sujeitos inseridos em seus contextos de agência. Podemos dizer, então, que, para construir uma universidade e uma sociedade mais plural, no sentido de combater violências físicas e simbólicas e de, de fato, incluir fisicamente e epistemologicamente os diferentes sujeitos, é preciso identificar e estar consciente dos caminhos que não têm isso em sua agenda. Não é difícil colocar em prática essa ideia, porém, ela exige um esforço coletivo de sensibilizar o pensar, o fazer e o sentir na direção daquilo que chamamos no capítulo 1 de comum.

Nesse sentido, os mestres e os aprendizes dos saberes tradicionais são certeiros quando refletem sobre o espaço universitário. Para chamar atenção para o que querem construir, partem de críticas profundas sobre o histórico de violências que o espaço em que estavam naquele momento causou e causa ao seu povo. Sandra Benites, Guarani e mestranda em antropologia no Museu Nacional, na primeira aula do Encontro de Saberes, no módulo ministrado pelos jongueiros, emocionada com as falas deles, traz uma série de questões, como:

As populações tradicionais são os invisíveis dos invisíveis [...] A generalização acadêmica faz com que todo mundo seja igual. Ninguém respeita e discute o valor do outro [...] nós que nunca passamos o que o outro passa que falamos como deve ser a escola para ele. É assim aqui. (BENITES, 2017)

Dialogando com a fala de Sandra, percebemos algo que, principalmente no capítulo anterior, desenvolvemos com mais afinco: (1) na academia o nada comentado apharteid social e racial que foi construído impede a presença dessas pessoas e torna-se um ambiente monoespistêmico; (2) a academia age por homogeneização e universalização, como vimos em Passos e Kastrup, e, assim, na incisiva de eliminação da expressão da diferença; e (3) a universidade não conclama todos os que nela estão e os que nela não estão para uma construção conjunta do que é importante estar presente ali. Além de perguntarmos universidade para quem (o que é fundamental), é possível, na passagem de Sandra, perguntar universidade para quê, com que propósito. Ao chamar atenção para a valorização do outro dentro da academia, ela revela a necessidade urgente, para os povos tradicionais, de sua expressão no mundo, e a universidade, estando nesse lugar de legitimidade de fala e produção de verdades, precisa ser pressionada no reconhecimento da ‘’verdadeira igualdade’’ (RANCIÉRE, 2015, p. 125).

Luciana da Silva, jongueira quilombola, formada em Educação do Campo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), na mesma aula em que Benites trouxe essas reflexões, compõe a conversa com o relato a respeito dos ‘’gritos de dor para quem construiu as universidades. Elas foram feitas pelos nossos, mas não para os nossos’’ (SILVA, 2017). E de fato, os negros, sob o peso da imposição da escravidão, e os indígenas, sob o peso da imposição da servidão, foram sistematicamente explorados para produzir mercadorias para o mercado mundial51 e para servir de mão de obra, hoje em dia, quando não gratuita52, barata, para trabalhos braçais (QUIJANO, 2005, p. 247). É nesse sentido que quando há a realização de grandes e importantes construções, apenas os nomes daqueles que planejaram, pensaram e arquitetaram que são lembrados. Os que morrem de cansaço ou de acidente, os que são explorados e forçados a estarem ali, ninguém nunca vai saber quem foram, quais eram suas origens e suas histórias.

51 Para reforçar essa passagem é válido dizer que Luciana ainda diz: ‘’foi aí que entrou o maldito dinheiro na relação entre as pessoas’’.

52 Trabalho escravo na atualidade: https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/trabalho-

Essas pessoas são jogadas ao aspecto físico, retirando-lhes a capacidade cognitiva, intelectual e epistêmica, enquanto, aos acadêmicos, restam-lhes pensar. Vivendo em uma lógica de muros, onde há dentro e o fora, o lado de cá e o lado de lá, não é de se espantar que a universidade tem naturalizado a sua função: constata sua inteligência superior ora pelo discurso de que essas populações são de fato inferiores e que do lado de lá devem permanecer; ou de que elas não são, de forma inata, inferiores, mas que não sabem como as pessoas que já fazem parte da universidade sabem e, assim, sua função seria instruí-las – o que também é uma forma de se colocar em posição de superioridade (RANCIÈRE, 2005).

Luciana abre uma fissura nessa lógica quando questiona de forma contundente: ‘’que história é essa de alguém querer contar a minha história’’? Como vimos em Sandra, primeiramente, não se dá o devido valor ao outro e, agora, em Luciana, isso se fortalece quando o branco, ou melhor, a branquitude acadêmica, age pela desvalorização daquele que vive a história (prática), para valorizar o seu próprio lugar de fala e contar a história (teoria) do outro. Podemos pensar essa questão, também, a partir da provocação de Luciana: ‘’de que vale a teoria sem a prática’’?

Vemos, então, que a presença dos mestres, física e epistemologicamente, é, de forma pontual e marcada, um ato político. As suas falas carregam esse aspecto do início ao fim. Para perceber melhor isso, basta ouvir o que o Mestre Toninho do Canecão, presidente da Associação da Comunidade Negra do Quilombo da Fazenda de São José da Serra, nos relata sobre o passado de seu povo: ‘’a gente já nascia anulado’’ ou ‘’a gente pensava que a cor da pele era um fardo’’. Hoje, sendo uma pessoa que propicia a ponte entre as formulações políticas dos movimentos negros e as tradições quilombolas, enfatiza a luta incessante que vem travando para o devido reconhecimento do território53

e da expressão do jongo no quilombo onde mora.

Se, para Luciana, ‘’é através dele [do jongo] que a gente chega nas escolas, nas universidades’’, creio que quando se trata da relação entre a universidade e a manifestação cultural dos povos tradicionais, o Pai de Santo Roberto de Nzazi54 parece concordar com esse percurso. Pai Roberto ainda acrescenta questões acerca de uma mudança de perspectiva que a presença dessas tradições faz acontecer e deixa bem claro

53 No dia 5 de agosto de 2017, depois de muita luta, a justiça concluiu a desapropriação em favor do Quilombo de São José da Serra: http://diariodovale.com.br/cidade/justica-federal-conclui-desapropriacao- em-favor-do-quilombo-sao-jose-da-serra/

quando destaca o marco que estava sendo o Encontro de Saberes naquele momento para ele e para os candomblecistas de um modo geral:

No passado não era assim como tá acontecendo hoje, aqui. Os acadêmicos iam lá e ficavam no cantinho nos observando. No passado, fomos muito usados para legitimar o que muitos acadêmicos falavam de nós. Hoje, as pessoas estão vendo que o Candomblé tem muito a passar. Essa história que nós todos estamos fazendo aqui é uma história viva. E tenho certeza que é assinada em baixo pelos nossos mais velhos. Não é um ensinamento de uma apostila, é um conhecimento vivido. (2017)

O que estava acontecendo ali, não se via e pouco se vê acontecendo. É importante marcar isso pelo fato dessas pessoas estarem falando o que sentem que devem falar, sem qualquer tipo de tutela, por um tempo maior, e como diz Pai Roberto, a importante sensação de ‘’estar sendo ouvido’’. Isso fazia com que aqueles momentos tivessem algo de especial. Não teve um único mestre que não agradeceu e demonstrou felicidade em estar presente ali, de falarem por eles mesmo, além de chamarem atenção para a vontade de continuidade dessa parceria. O retorno, de estudantes e professores, foi recíproco e pareceu ficar claro, pelo menos para mim, que a possibilidade de uma outra universidade só é real se essas pessoas pensarem juntos essa construção. Como vai ser isso e como se dará essa continuidade parece ser, de fato, a questão que está sendo colocada. Nesse momento, desenvolverei mais a respeito da atuação dos mestres nas salas de aula e de como essas aulas transformaram os modelos ocidentais de se pensar o território universitário e da sala de aula, a política, o conhecimento e o aprendizado tradicionalmente ocidental em que vivemos na academia.

3.2. Preparação e transformação do território:

Afim de deixar o meu apoio teórico a respeito do conceito de território ainda mais presente no percurso dessa escrita, trago novamente Rogério Haesbaert, uma vez que o autor não entende tal noção enquanto dicotomias entre poder-apropriação, material-simbólico, posse-pertencimento:

Portanto, todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar “funções” quanto para produzir “significados”. (2004, p. 3)

Território, aqui, é o conjunto de complexas e múltiplas relações que os sujeitos estabelecem entre si e necessariamente o conjunto de forças, de relações de poder,

existentes. Sandra Benites dialoga de forma muito interessante quando, no Encontro de Saberes, disse que ‘’o território se constrói de acordo com o contexto. Quem sabe um dia cada um não se reconhece como diferente? Eu me fortaleci aqui na cidade quando eu fortaleci minha identidade de Guarani e mulher. Eu fui percebendo meus limites’’. Quando Sandra diz essas palavras, me faz pensar a respeito da dimensão dialógica e negociável que é o território. Por ter esse aspecto político, o território, em seu respectivo contexto, entra em relação com as diversas forças que o compõe. Dessa maneira, se relacionar com alguém é relacionar, também, o conjunto de territórios que carregamos conosco.

Percebo, na vinda dos mestres, uma preocupação com esse aspecto territorial, no sentido em que Haesbaert fala de que ‘’toda relação social implica uma relação territorial’’ (2007, p. 334), já que, naquela sala, haviam pessoas com diferentes trajetórias e, consequentemente, que percorreram territórios diferentes. Além de um encontro de saberes, houve antes um encontro de territórios.

Maria de Fátima (Fatinha), liderança jongueira de Pinheiral-RJ, atua nessa ideia quando marca o ponto, o que diz respeito a uma reverência ao jongo, à tradição, aos mais velhos e à cultura negra (‘’Saravá o lugar em que estamos’’). Logo após marcar o ponto, Luciana pede para que todos levantem, deem as mãos e, juntos, falem ‘’eu pego sua mão na minha, para que juntos possamos fazer, o que eu não posso fazer sozinha’’. Não se concebe a possibilidade de abrir um espaço de diálogo a respeito do jongo senão se marca a produção coletiva desse fazer. A individualidade acadêmica é radicalmente rompida em prol do território comum. Como se pode, em um momento dedicado formalmente ao aprendizado, construir o conhecimento de forma conjunta? Por mais que os mestres, sabedores de tal conhecimento estejam ali, têm a convicção de que o que sabem não podem saber sozinhos. É nesse sentido que Luciana chama atenção para importância do círculo no processo de aprendizagem e de comunicação: ‘’ele proporciona o olhar giratório’’.

A roda é aberta, os tambores ressoam no auditório da Faculdade de Educação do bloco D e as pessoas levantam para bater palma. Quem sabe, canta e quem não sabe contribui com sorrisos. No jongo, não é só sair e entrar, tem que pedir licença, afinal ‘’pra entrar na casa de alguém não se pede licença’’ (FATINHA, 2017)? Poucos se arriscam a entrar na roda e Fatinha deixa as pessoas confortáveis dizendo que até a última aula todo mundo estará dançando pelo menos um pouquinho. A roda, que foi

aberta, precisa ser fechada. Se a roda é uma casa, como nos fala Fatinha, quando saímos dela, é preciso fechá-la.

É incrível como seu Augustinho, cacique e pajé Guarani Mbya da aldeia de Araponga em Paraty-RJ, marca, no mesmo sentido, o território da sala de aula: ‘’essa

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