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O que pode a aliança entre a curiosidade e o cuidado? : o encontro de saberes e os possíveis enfrentamentos do medo na universidade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

ESTEVÃO DE FIGUEIREDO RIBEIRO

O QUE PODE A ALIANÇA ENTRE A CURIOSIDADE E O CUIDADO? O ENCONTRO DE SABERES E OS POSSÍVEIS ENFRENTAMENTOS DO MEDO

NA UNIVERSIDADE

NITERÓI - RIO DE JANEIRO 2017

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

Bibliotecário: Nilo José Ribeiro Pinto CRB-7/6348 R484 Ribeiro, Estevão de Figueiredo.

O que pode a aliança entre a curiosidade e o cuidado? : o encontro de saberes e os possíveis enfrentamentos do medo na universidade / Estevão de Figueiredo Ribeiro. – 2017.

129 f. : il.

Orientador: Joana Miller.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Antropologia) – Universidade Federal Fluminense, Departamento de Antropologia, 2017.

Bibliografia: f. 119-126.

1. Encontro de Saberes. 2. Universidade Federal Fluminense. 3. Medo – Aspecto histórico. 4. Curiosidades. 5. Cuidados. I. Miller, Joana. II. Universidade Federal Fluminense. Departamento de Antropologia. III. Título.

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ESTEVÃO DE FIGUEIREDO RIBEIRO

O QUE PODE A ALIANÇA ENTRE A CURIOSIDADE E O CUIDADO? O ENCONTRO DE SABERES E OS POSSÍVEIS ENFRENTAMENTOS DO MEDO

NA UNIVERSIDADE

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Graduação em Antropologia, como requisito parcial para obtenção do titulo de bacharel em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense – UFF

Orientadora Prof.ª Dr.ª Joana Miller

NITEÓRI – RIO DE JANEIRO 2017

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Brincava com amigos que esse momento é o mais complicado da monografia, pois são muitas mãos que constroem nossa caminhada e provavelmente algumas pessoas ficaram de fora do papel, mas não de fora do coração.

É impossível falar de agradecimento e não citar logo de imediato aqueles que sempre cuidaram do sorriso que levo em meu rosto: minha mãe Beatriz e meu pai Fernando. Além de formarem a pessoa que sou, nesse trabalho, colocaram diversas questões, tivemos muitas conversas e fizeram leituras críticas. Vou parar porque se não essa página vai toda para vocês.

Minha família que sempre esteve comigo: a cada um de vocês sou grato por exalar uma vontade doida de continuar vivendo e ver a gente envelhecer junto: Peu, Nico, Lara, Tonho, Vic, Tamara, Vitório, Camila, Tom, Ana, Dora, João, Lélia e Haroldo; Marilúcia, Gabi, Xanda, Assis, Laura e Carol.

Um especial agradecimento a todos e a cada um dos mestres (e aprendizes) que passaram pela universidade: Seu Augustinho, Dona Maciana, Pai Roberto, Mãe Márcia, Mãe Arlene, Seu Maneco, Mestre Toninho do Canecão, Mestra Maria de Fátima, Dona Dica, Seu Altamiro, Mestre Expedito, Ogan Kotoquinho e Mestre Edimilson. O tempo de aprendizado com vocês não tem preço, tem valor. A luta continua e é importante saber em que lado estamos.

Grato ao Grupo de Estudos Encontro de Saberes na/da UFF. Vocês não conseguem nem imaginar o quão importante foi uma experiência dessas na vida de um estudante como eu. Grato a todos os professores e estudantes que aceitaram os passos e descompassos da aprendizagem compartilhada.

Agradeço a todos os mestres, aprendizes, professores e estudantes que conheci em Juiz de Fora. Foi lá que nasceu meu interesse por tudo que mora nessas páginas. Em especial ao Léo e ao Neto que carinhosamente me receberam.

Aos professores Emílio Nolasco, Johnny Alvarez, Daniel Bitter, Rogério Haesbaert e Elaine Monteiro que participaram, incentivaram e provocaram de alguma forma a produção dessa escrita.

Agradeço Joanna Miller, orientadora, que, mesmo não sendo sua linha de pesquisa, foi receptiva, carinhosa e movimentou questões importantes.

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Agradeço as aldeias Guarani de Maricá (RJ), Itaipuaçu (RJ), Paraty (RJ) Pirajuí (MS) e Potrero-Guaçu (RJ). Aos goles do chimarrão, às fumaças do pytenguá, às conversas em volta da fogueira e às histórias que movimentaram minha atitude em relação as coisas do mundo.

Aos amigos de Niterói, Rio das Ostras e Oriximiná que passaram de alguma forma pelo Grupo de Etnoeducação Patrimonial em Oriximiná – Pará. Aprendo com vocês a cada dia que passamos juntos. Seja trabalhando, seja comendo um peixe e tomando uma cerveja. A companhia de vocês me dá vigor.

Um especial agradecimento aos amigos Kaiah Akwira e Marcelo Barbosa pela amizade, pelas conversas e pelas importantes contribuições que me deram para esse trabalho.

Aos amigos que despertaram em mim modos de fazer com que a antropologia e a vida sejam uma coisa só e que talvez o objetivo seja realmente confundi-las: Diego, João, Luan, Lucas, Ícaro, Ikaro, Tiago, Ruanna, Wallyson, Keply.

Uma especial ‘’gratitude’’ e ‘’gratinada’’ para ela que mexe com a minha cabeça e que ‘’amorvimenta’’ o mistério do afeto. Suas contribuições pairam por esse trabalho, Mônica.

Por fim, agradeço a terra que sempre pisei, mesmo estando aqui no Rio: Marabá. É tanta gente que sou grato, que cito apenas aqueles que foram importantes no processo da escrita: Lu, Haroldo, Catarina, Clau, Kelver, Meyre, Firmino, Eryka, Dani, Wanxo, Pedro, Endi, Igor, Nieves, Dudu.

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Introdução...7

Capítulo 1: contextualização: o território da escrita e a escrita do território 1.1. – Cotas na UNB...12

1.2. – Encontro de Saberes: contexto nacional...14

1.2.1. – Encontro de Saberes: características e metodologia...19

1.2.2. – Encontro de Saberes na/da UFF...21

1.3. – Minha experiência no Encontro de Saberes...28

Capítulo 2: Universidade embrutecida: a produção do medo 2.1. – Racismo estrutural...32 2.1.1. – Racismo – política...37 2.1.2. – Racismo – economia...42 2.1.3. – Racismo – subjetividade...44 2.2. – Medo na sociedade...47 2.2.1. – Medo e poder...48 2.3. – Universidade embrutecida...52 2.4. – Medo na aprendizagem...56

Capítulo 3: Curiosidade e universidade: método de abertura para o desconhecido 3.1. – Possibilidades de uma outra universidade...64

3.2. – Preparação e transformação do território...67

3.3. – Um diálogo entre Mãe Márcia e Dom Juan: medo do desconhecido e julgamento; medo e clareza...76

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3.4.1. – curiosidade e atenção...83

Capítulo 4: O cuidado na curiosidade e uma possível universidade descolonial 4.1. – O saber no jogo político...89

4.1.2. – O saber no jogo político de Dom Juan...92

4.2. – humus: humildade e humanidade...93

4.3. – O segredo, a responsabilidade e o cuidado no aprendizado...100

4.4. – Curiosidade sem cuidado: a produção do exótico...106

4.4.1. – Questões práticas na avaliação da disciplina...107

4.4.2. – ‘’Um tempo específico para cada coisa’’...108

4.4.3. – A recepção e o exótico...110

4.5. – A luta continua: uma universidade descolonial...115

Considerações finais...117

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Resumo

Esse trabalho é fruto de uma experiência chamada Encontro de Saberes que aconteceu em 2017, na UFF. O projeto tem como objetivo trazer mestres dos saberes tradicionais à universidade e fazer com que sejam reconhecidos enquanto professores doutores. Primeiramente, vamos buscar entender, por conexões teóricas, a produção e a reprodução histórica do medo, nosso inimigo (CASTAÑEDA, 1968 & MÃE MÁRCIA, 2017), na sociedade, nas relações de poder, para assim, chegar em nosso campo: a universidade. Depois vamos trilhar caminhos, a partir do método etnográfico, de como os mestres dos saberes tradicionais lutam para vencer esse inimigo, além de diversas outras estratégias, pela transformação e pelo uso diferenciado do território (HAESBAERT, 2004). Além disso, vamos pensar a relação entre as instâncias que José Jorge de Carvalho (2010), idealizador do projeto, diz que o Encontro de Saberes pretende atuar: na institucional (ao que chamamos de territorial), na política, na epistemológica e na pedagógica. Por fim, queremos analisar como essas instâncias são operadas na lógica da universidade embrutecida (RANCIÈRE, 2015) pela produção ocidental do medo e na lógica dos mestres dos saberes tradicionais, através da curiosidade e do cuidado. A problemática que queremos propor se aproxima, no contexto da experiência do projeto, dos seus erros e acertos em busca de uma universidade descolonial (QUIJANO, 2005). É uma tentativa de refazer o caminho para construir futuros possíveis (SEGRERA, 2005).

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Introdução

O presente trabalho é baseado na minha experiência enquanto membro e monitor de um projeto chamado Encontro de Saberes na/da UFF. O projeto tem como objetivo trazer mestres dos saberes tradicionais para dentro do espaço acadêmico para seu devido reconhecimento. A ideia é fazer com que os mestres possam falar por si mesmos em uma disciplina optativa regular da graduação. Ele foi formulado pelo mesmo co-autor das cotas, José Jorge de Carvalho, professor da Universidade Federal de Brasília (UNB). O idealizador do projeto afirma que, se as cotas são raciais, o Encontro de Saberes seria uma cota epistemológica (2010). No primeiro semestre de 2016, a Universidade Federal Fluminense (UFF), a qual faço graduação em antropologia, criou um grupo de estudos de docentes e discientes que, mais tarde, no primeiro semestre de 2017, veio realizar a primeira versão do projeto.

É partindo desse contexto que pretendemos refletir sobre, primeiro, a produção e reprodução do medo em seu aspecto amplo para, depois, perceber como ele atua na construção das relações dentro da academia. Para isso, articularemos as instâncias institucional (a qual, por motivos de percurso teórico, preferimos chamar de territorial), política, epistemológica e pedagógica, pois, segundo Carvalho (2014), são a elas que o Encontro de Saberes quer tencionar. Segundo, pretendemos fazer uma abordagem etnográfica das aulas dos mestres para pensar a noção de curiosidade, pelo viés que Paulo Freire (1996) propõe. Para se aliar à curiosidade vamos desenvolver, em terceiro lugar, reflexões que giram em torno da palavra cuidado, como meio de evitar sobreposição de curiosidades (FREIRE, 1996). Essa aliança, atuando nas instâncias comentadas acima, pretende abrir possibilidades de enfrentamento da produção do medo na universidade.

O primeiro capítulo tem o intuito de contextualizar o movimento do Encontro de Saberes para que possamos entender a sua relevância, os motivos que levaram à sua existência, o movimento que gerou e gera no espaço acadêmico e quais são as questões elencadas. Cronologicamente, o capítulo aborda o surgimento do programa de cotas em Brasília, a institucionalização do Encontro de Saberes em aspecto nacional, na parceria entre diversas universidades, que nos levará para o contexto do projeto na UFF para, finalmente, entender como foi o meu envolvimento pessoal com o projeto.

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No segundo capítulo há uma proposta teórica para entender a produção do medo não enquanto algo sentido individualmente, mas enquanto algo que organiza, circula e manipula relações. Nele, estão, em primeiro lugar, abordagens que se propõem a pensar o racismo estrutural pela sua ação nos aspectos político, econômico e subjetivo (ALMEIDA, 2016). Entendendo que o racismo age por meio do medo e do ódio, ou do medo projetado (BENTO, 2002), vamos trazer questões que vão pensa-los em sua íntima relação com o poder no meio social e de como, historicamente, ele foi se estabelecendo enquanto agenciador de relações.

Assim, vamos chegar na ação do medo no espaço acadêmico, o que faria da universidade um lugar embrutecido (RANCIÈRE, 2002). A lógica de aquisição interminável de capital simbólico (BOURDIUE, 1977) geraria um modelo de ganhadores e perdedores. Pautada pelo modelo produtivista e meritocrático, sugerimos que isso faria com que a aprendizagem se constituísse a partir de relações de submissão (ordem para progredir) na escala hierárquica fixa entre os agentes do campo. O ‘’amor da dominação’’ (RANCIÈRE, 2002) tem, segundo o que propomos, o medo em seu cerne e produz sentido nas instâncias territorial, política, epistemológica e pedagógica no meio universitário.

O terceiro capítulo se diferencia do segundo no momento em que propõe uma dobra: enquanto um aborda as relações de poder, o outro, a partir da etnografia das aulas dos mestres dos saberes populares, vai pensar apontamentos de resistência, ou pelo menos caminhos possíveis. Ele pretende abordar o Encontro de Saberes em sua potência no impacto, no tensionamento, no questionamento e na expressão de outros modos de conhecer e aprender.

Nomeado ‘’curiosidade e universidade: método de abertura para o desconhecido’’, o capítulo vai se basear na crítica dos mestres em seu carácter epistemológico, mas também metodológico. Percebendo uma peculiar importância dada pelos mestres para a preparação e transformação, de diferentes maneiras de acordo com a tradição em questão, do território, os mestres rompem com uma lógica ocidental de transmissão de conhecimento. Afirmamos também nesse capítulo que o Encontro de Saberes, antes, é um encontro de territórios pois é preciso operar uma abertura no território (HAESBAERT, 2004), físico e simbólico, da academia e, claro, dos acadêmicos, para que possa haver essa desejada coexistência.

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A curiosidade, abordada por Freire (1996), é um método de aprendizado que se realiza na abertura para o novo, na tentativa de vencer as preconcepções que temos quando nos deparáramos com o desconhecido. Propomos que a relação entre a curiosidade e a atenção é um fator importantíssimo para quem quer conhecer algo e, estratégico (pois o uso do conhecimento, e como é usado, tem carácter político), para enfrentar os inimigos do homem (CASTAÑEDA, 1968). Dessa forma, o medo que antes ocupava o centro na relação entre as instâncias no meio universitário fica menos expressivo para que a curiosidade passa também o habitar.

O que percebemos, porém, é que, por mais que a curiosidade seja importantíssima na produção de relações consigo, com o outro e com o mundo, é cabal que se tenha ‘’cuidado para não meter os pés pelas mãos e o nariz onde não é chamado’’ (Mãe Arlene, 2017). Primeiramente, quisemos enfatizar e aprofundar, por via de Foucault (2008), Boaventura (2010) e Castañeda (1968), que a produção do saber não se encontra solta, muito pelo contrário, ela é envolta de um contexto, de um território, de uma terra que o permite emergir. É aí que associamos que uma vez que o saber é contextual é exigido dele um determinado uso; nesse uso mora o jogo político, mora o poder. Insistimos que saber é contextual justamente para continuar dialogando com o terceiro capítulo, trazendo um território para tal produção.

Sendo assim, segundamente, nos propomos a pensar a palavra humildade no sentido em que a sua própria etimologia sugere: humus, terra. Ou seja, a humildade, não pensada enquanto carência, mas enquanto algo que não se deve ser carente (FREIRE, 1996), é um princípio que deve existir enquanto uma assunção da nossa própria ignorância e de nossa incompletude enquanto alguém que ‘’só vive para aprender’’ (CASTAÑEDA, 1968, p. 64).

Em terceiro lugar, propomos nos aproximar da noção que dá título ao capítulo, o cuidado. Ao pensar a importância do segredo e a responsabilidade que se deve ter na processualidade do aprendizado, vamos abordar o cuidado enquanto uma dedicação de tempo, atenção e preparo físico, mental ou espiritual; um cultivo (ALVAREZ, 2007). Em quarto lugar, vamos abordar alguns relatos dos estudantes e dos mestres na avaliação da disciplina e ver que a curiosidade quando age sem um cuidado pode acabar sobrepondo (a produção do exótico) o conjunto de curiosidades da coletividade. Em quinto e último lugar, vamos pensar questões afim de surjam ainda mais caminhos para pensarmos uma possível universidade descolonial.

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É visível, não apenas pela proposição do tema e pelos caminhos que acabamos escolhendo para trilhar, mas também pela variada bibliografia de autores que não se encontram em apenas um campo de saber, que o percurso desse trabalho se distancia, por vezes, de uma abordagem clássica antropológica – curso em que estou me formando. Isso não foi um deslize, foi uma escolha. Isso não impossibilita que, nessa escolha, não possam haver alguns deslizes. Nos arriscamos, porém, justamente por achar que isso se diz coerente com a proposta do Encontro de Saberes: docentes e discentes de diferentes cursos; visitantes que trabalham nos mais diferentes ramos; crianças; e, claro, os mestres e aprendizes dos saberes tradicionais que dificilmente produzem conhecimento na presença de barreiras entre um campo de saber e outro – como se dá, por exemplo, na ausência de diálogo entre os departamentos de nossas universidades. Se a proposta do projeto é inter, trans e multi (CARVALHO & FLORÉZ, 2014) disciplinar, acreditamos que foi importante a tentativa, nessa monografia, de fazer um movimento que se esforça em ser ao menos coerente com o processo vivido.

Por fim, cremos que algumas questões importantes podem ser levantadas, já que ‘’o que existe [...] não é o desenvolvimento de uma ideia universal rumo ao futuro, que se identifica com o progresso, o que existe são bifurcações que permitem construir vários futuros’’ (SEGRERA, 2005, p. 221). As questões de tensão, questionamento e proposição, assim se manifestam: o que aprendemos? Como aprendemos? Quem diz o que é importante e como devemos aprender? Como podemos democratizar o ensino e a produção de conhecimento? Como podemos pensar em uma produção de conhecimento coletiva e contextualizada? Qual a importância da terra e da natureza no saber das comunidades? E no nosso? O que podemos aprender com essa experiência? Como podemos compartilhar o aprendizado? Como podemos continuar e aprender com os erros que só o encontro é capaz de produzir? Cada vez que me faço uma pergunta, mais perguntas aparecem. Para melhor entendimento do propósito deste trabalho, podemos dizer que, no final das contas, todas podem ser resumidas na seguinte questão: como o Encontro de Saberes, e também cada um de nós que passamos por tal experiência, podemos construir uma universidade descolonial, realmente democrática, onde os territórios e os saberes possam, de fato, constituir um movimento de troca de mútuo fortalecimento?

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Capítulo 1 – contextualização: o território da escrita e a escrita do território1

1.1. Cotas na UNB:

Para iniciar algumas problematizações, reflexões e tensionamentos, creio que seja preciso contextualizar o processo acerca do percurso do projeto ‘’Encontro de Saberes’’. A ideia inicial é pensar o momento em que surge a proposta e de como ela foi se expandindo em âmbito regional, nacional e internacional para outras universidades. Acredito que entender a trajetória institucional percorrida pelo projeto e, assim, por todas as pessoas que tiveram envolvimento na formulação e na participação do mesmo em suas devidas universidades, é também entender os desafios burocráticos, econômicos, epistemológicos, pedagógicos, territoriais e, acima de tudo, políticos que surgem pelo caminho. Por isso mesmo, acredito que refazer o percurso é se fortalecer diante dos movimentos conservadores que vêm para se estabelecer e manter suas posições de poder, historicamente concedida a determinados grupos hegemônicos2.

Dito isso, vejo que seja imprescindível falar do programa de cotas antes de falar do Encontro de Saberes, pois esse último se vê enquanto continuidade do primeiro. Alerto, porém, que não pretendo me aprofundar na discussão das cotas, pois, entendendo que seja uma complexa e longa questão e que já rendeu muitos acontecimentos e debates desde de sua efetivação, receio perder o foco do trabalho3. No documentário ‘’Raça Humana’’4 (2009) é contextualizado o surgimento das cotas na

UNB (Universidade Federal de Brasília) devido ao famoso ‘’caso Ari’’. Ari é um estudante negro que foi selecionado pelo programa de doutorado em antropologia no ano de 1999. Ele havia cursado duas disciplinas e tinha sido aprovado com nota máxima

1 Entenderemos território, ao longo desse trabalho, na sua relação com a política: ‘’ Desde a origem, o território nasce com uma dupla conotação, material e simbólica, pois etimologicamente aparece tão próximo de terra-territorium quanto do terreo-territor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com dominação (jurídico-política) da terra com inspiração do terror, do medo – especialmente para aqueles que, com esta dominação, ficam alijados da terra, ou no “territorium” são impedidos de entrar. Ao mesmo tempo, por extensão, podemos dizer que, para aqueles que têm o privilégio de usufrui-lo, o território inspira a identificação (positiva) e a efetiva “apropriação” (HAESBAERT, 2004, p. 1).

2 Sobre hegemonia, colonialidade do saber e do poder e eurocentrismo, ver ‘’Colonialidade do saber’’ (CLACSO, 2005), organizado por Edgardo Lander.

3 Para aprofundar na questão, ver Carvalho (2006a) e (2006b), Carvalho e Segato (2002), Feres e Daflon (2007), Gomes (2003), Mello (2006), Silva (2005), Silvério (2002) e Siss (2002).

4 Todos os direitos autorais são da TV Câmara. Para assistir:

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nas duas. Quando foi fazer uma disciplina obrigatória, o professor o reprovou, sendo que nenhum outro estudante na história do programa havia sido reprovado antes. O professor ainda avisou Ari que, se fosse pedir revisão de nota, ele iria reprová-lo mais uma vez no ano seguinte. Como o caso tomou maiores dimensões, verificou-se que não havia argumentos cabíveis para a reprovação do discente. O que ficou evidente nesse relato era que, não só o professor, mas a universidade havia normalizado a ausência de pessoas negras no ambiente acadêmico e ter um estudante negro fazendo doutorado, podendo inclusive, mais tarde, tornar-se colega de trabalho do professor em questão, era algo inaceitável pelo mesmo.

Por um lado, não vejo que seja agradável um estudante ser lembrado menos por sua potência e mais por conta da violência que passou. Por outro, percebo que o fato de seu caso ter sido visibilizado propiciou uma pauta de luta árdua, inicialmente para o movimento negro: a presença de estudantes historicamente excluídos no ambiente acadêmico. O professor de Pensamento Negro na UNB, Sales Augusto, deixa claro, no filme, o que o ‘’caso Ari’’ havia sinalizado naquele momento:

‘’o simbolismo do caso Ari demonstra que a universidade no Brasil, não só a UNB, mas a universidade de maneira geral, não está acima do bem e do mal. Se essa sociedade é racista, em todas as esferas, esse racismo vai aparecer, assim como apareceu na UNB’’.

É aqui que a discussão deixa de ser tratada enquanto caso individualizado de racismo e começa a ser pensada e questionada enquanto estrutura, enquanto instituição, ou seja, o problema torna-se social e político. Essa é uma passagem importantíssima, pois vai movimentar diversos setores da sociedade que foram sistematicamente silenciados. Tendo em mente o que o professor Sales nos diz, é importante lembrar que havia um contexto favorável para esse questionamento, uma vez que já haviam reivindicações do movimento negro na marcha de Zumbi, em 1995, para implementação de políticas de ação afirmativa na educação e, em 2001, a terceira conferência mundial contra o racismo na África do Sul fazia menções à ausência de negros no espaço acadêmico.

Assustado com o ‘’caso Ari’’, José Jorge de Carvalho, professor em antropologia pela UNB, em parceria com a professora Rita Segato, formularam pela primeira vez, em 2002, a proposta de cotas na graduação para negros e indígenas. Esse susto ainda proporcionou um movimento de levantamento de dados estatísticos surpreendentes que evidenciam o completo apartheid social em que vive a universidade,

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como, por exemplo, o fato de que nenhuma universidade de referência nacional na pesquisa, na época, ter mais de 1% de negros no quadro de professores (CARVALHO, 2006b).

O movimento pró-cotas na graduação foi sendo visto urgente para os grupos de minorias, ao passo que a situação foi se tornando cada vez mais visível. E dizer que se tornou visível não é referente apenas à naturalização de segregação a qual a academia vivia (e ainda vive), mas também à repulsa clara e declarada de docentes e discentes brancos contra o movimento. Superando as adversidades foi que em 2003, finalmente, o programa de cotas foi aprovado com 20% das vagas para negros e 10% para indígenas. O documentário ainda mostra que mesmo depois de 6 anos da presença de cotas na UNB, em 2009, o partido Democratas (DEM) foi ao STF para pedir seu fim. É aqui que a discussão torna-se ainda mais latente, pois esse ataque às cotas deixa os lados mais visíveis e fica nítida a luta dos movimentos sociais e da negritude em prol de justiça e igualdade no espaço acadêmico. Em outubro de 2009, ONGs e cotistas protestaram contra essa incisiva e o coletivo em Defesa das Cotas, que já existia, se fortaleceu para enfrentar as ostensivas. Os cotistas e apoiadores tinham um grande ponto a favor: o reitor José Geraldo de Souza Júnior. Ele ajudou no processo por perceber e assumir a existência do apartheid social presente na universidade. Ainda em 2009, houve a votação do estatuto da igualdade racial na câmara dos deputados. Depois de uma considerável resistência de deputados conservadores, o estatuto não só foi aprovado como, ainda em 2009, 90 universidades já contavam com algum tipo de cota de acesso, em sua maioria, combinando a questão racial com a social.

1.2. Encontro de saberes – contexto nacional:

Ao falar de cotas, percebo o quanto esse movimento propicia um novo modo de se fazer pesquisa e ensino. No ano marcante e decisivo para as cotas em 2009, ainda houve a significante consolidação de um grupo de pesquisadores: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino e na Pesquisa (INCTI). O site é claro no seu intuito enquanto instituto:

[...] representa, no plano histórico da pesquisa em Ciências Sociais e Humanidades no Brasil, a consolidação de uma rede de pesquisadores, antes dispersa por todo o país, que por mais de uma década vem realizando

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pesquisas e produzindo conhecimento sobre as políticas de ações afirmativas nas universidades brasileiras5.

A consolidação de uma rede de pesquisadores foi a efetivação de interesses em comum: acesso e permanência de estudantes negros, indígenas e outros no meio acadêmico. No ensino e na pesquisa há o constante desafio de uma nova produção de conhecimento que aproxime as pessoas e, assim, os múltiplos conhecimentos que elas trazem em sua formação, acadêmica ou não. Tendo isso em mente é que os pesquisadores elencaram dois pontos de ação enquanto objetivo do instituto:

 Mapear, avaliar e interpretar o efeito das políticas de inclusão étnica e racial no ensino superior de recente implementação no Brasil, especialmente seu impacto nos campos político, epistemológico, sociológico e geopolítico.

 Produzir e disponibilizar um corpo de conhecimento que fundamente as propostas e diretrizes governamentais, políticas públicas e programas de ação específicos para a promoção da inclusão e a superação das desigualdades étnicas e raciais vigentes no ensino superior do Brasil e nos países da América do Sul com instituições coligadas ao Instituto.

Lendo os objetivos, me parece que fica mais claro o teor de iniciativa, mas também de continuidade e responsabilidade para com aqueles que ingressam na universidade. É importante lembrar que a desigualdade, o racismo e o separatismo existente nas universidades não se findam com as cotas. Essa ação afirmativa chega para tencionar as posições de poder e problematizar lugares de fala, de neutralidade científica e o próprio lugar do branco, da branquitude6.

Além de todas essas questões que foram abordadas, é interessante deixar claro a atuação e teorização interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar (conceitos que vamos aprofundar mais a frente) proposta pelos envolvidos do INCTI. José Jorge de Carvalho, pesquisador e coordenador do instituto, em uma entrevista na TV digital do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação7 (MCTI), fala de ‘’um tipo de pesquisa

em que eu tenho que transitar em várias ciências’’. Ele, que começou na física, migrou

5 Para saber mais: http://www.inctinclusao.com.br/incti/historia

6 Branquitude é a qualidade de ser visto e se ver como branco e ocupar posições simbólicas de poder que esse lugar sugere: ‘’posição do sujeito, surgida na confluência de eventos históricos e políticos determináveis’’ (STEYN apud SHOUCMAN, 2014, p. 84). O termo será melhor trabalhado no segundo capítulo.

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para musicologia e, mais tarde foi para antropologia, percebe, no decorrer de sua formação, a necessidade constante de propiciar uma abertura no conhecimento para o diálogo com diversas áreas. Fala também da importância do pesquisador ter consciência que sua formação não é tão linear e progressiva quanto parece, já que ‘’a dinâmica do saber é muito grande’’. Na experiência da implementação das cotas, por exemplo, Carvalho fala da movimentação de saberes históricos, sociológicos, antropológicos, cartográficos, mas também semiológicos, lógicos, matemáticos e estatísticos, pois, na academia, ‘’se você deseja triunfar sobre um matemático, é preciso fazer matematicamente pela demonstração ou refutação’’ (BOURDIEU, 1977, p. 32).

Pois bem, suponho que, nesse momento, temos um terreno favorável para abordar aquilo que será tema de análise, problematização e discussão nesse trabalho monográfico: o Encontro de Saberes. Enquanto as cotas se referem ao acesso à universidade, o Encontro de Saberes propõe aquilo que chama de cotas epistêmicas. Lembramos que o movimento das cotas, por propiciar a presença física de estudantes de graduação, gerou também um constante movimento de questionamento dessa estrutura, como grupos de estudos, de pesquisa, o próprio INCTI, a criação e o fortalecimento do movimento negro e indígena nos ambientes acadêmicos e etc. Algumas perguntas são frequentes ainda hoje nesses movimentos (e parece que serão por um tempo ainda): ‘’por que sempre e apenas lemos autores europeus, brancos e homens?’’, ‘’Por que somos constantemente constrangidos, corporal e intelectualmente?’’, ‘’Por que nos sentimos tão incapazes?’’ Ou ‘’por que o meu conhecimento, ou o conhecimento da minha comunidade, ou o conhecimento do meu povo não é devidamente reconhecido e valorizado?’’

É no contexto de todas essas frequentes perguntas que são, e devem ser feitas a todo momento, que o Encontro de Saberes surge: se no primeiro as questões se referem ao acesso dos estudantes à universidade, o segundo refere-se aos conhecimentos que esses estudantes antes excluídos do meio acadêmico trazem consigo e que, muitas vezes, remetem aos mestres dos saberes tradicionais, já reconhecidos por sua própria comunidade. O projeto Encontro de Saberes se pensa enquanto continuidade e fortalecimento das cotas. Ele coloca a questão de que tão importante quanto o apoio financeiro, a universidade precisa também ser criativa para elaborar meios de inclusão epistemológica, para, enfim, consolidar uma permanência mais eficaz dos estudantes.

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Um anfitrião, sentindo-se dono e possuidor de seu lar, pode receber sua visita e querer tratá-la de acordo com seu sistema de regras e normas obrigando-a a se curvar sob elas, ou pode, de maneira gentil e dialógica, puxar a cadeira e construir, junto com esse que chega, uma maneira interessante percorrer um caminho. Alguns transformaram a universidade pública em posse e querem definir seu acesso através de muros físicos e simbólicos. Outros, abrem seu campo de percepção para o desconhecido e se aventuram na construção do comum. O Encontro de Saberes tenta se aproximar mais do segundo modo de relação.

Para ficar ainda mais claro a proposta do projeto, deixemos os pesquisadores do INCTI falar sobre:

A meta do projeto é propiciar um espaço de experimentação pedagógica e epistêmica no ensino capaz de inspirar resgates de saberes e inovações que beneficiem a todos os envolvidos – estudantes, mestres e professores. Trata-se de um desafio de grandes proporções devido ao verdadeiro abismo que separa os dois mundos que pretendemos colocar em diálogo: o mundo acadêmico, altamente letrado e centrado exclusivamente nos saberes derivados das universidades ocidentais modernas; e o mundo dos saberes tradicionais, centrado na transmissão oral e que preserva saberes de matrizes indígenas e africanas e de outras comunidades tradicionais, acumuladas durante séculos no Brasil’’.

Percebemos, aqui, que a meta do projeto é referente especificamente ao ensino. O intuito é epistemológico e pedagógico. Como pode ser possível a coexistência de saberes acadêmicos, letrados e saberes baseados na transmissão oral? Como incluir tradições orais e transformar a escrita em algo mais potente e menos burocrático? Como sair da ideia de que a oralidade é algo menor? Esses saberes distintos podem entrar em diálogo? Como fazer isso acontecer? Perguntas como essas são disparadoras de reflexões incessantes acerca do curso, num intuito de tentar perceber os pontos fortes e frágeis do encontro. Uma vez que a oralidade ganha espaço na academia, isso não significa desvalorizar a potência da escrita ou dos acadêmicos, mas ter consciência de que nós não detemos a verdade na produção do saber. Penso que, na verdade, operamos um saber que se torna potente quando entra em relação com outros saberes.

É interessante perceber a produção de uma proximidade entre os sujeitos dos saberes envolvidos, pois creio ser essa uma ótima palavra para entender o que os mestres dos saberes tradicionais fazem quando estão dando suas aulas ou simplesmente conversando com os estudantes e outros professores pelos corredores da universidade.

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Enfim, trazer os mestres para universidade é responsabilizá-la em repensar o seu lugar de produção de conhecimento e abrir a porta da frente para aqueles que sempre entraram pelos fundos e subiram pelos elevadores de serviço.

Tendo em vista a recepção do mestre enquanto professor doutor, o projeto percebe que seja importante que esse mestre receba a hora aula, também, enquanto doutor. O reconhecimento, na perspectiva do projeto, deve passar pelo pagamento dos mestres (acompanhado com a devida titulação), pois, no modelo capitalista em que vivemos, considerar esse ato seria importante para colaborar com a validação e legitimação desse saber. Se ele está prestando um serviço, deve ser pago por isso. Esse ponto é importante, pois é bastante levantado pelos membros do grupo (e também pelo seu idealizador, José Jorge), relatando que muitos mestres já vieram às universidades enquanto palestrantes ou convidados, mas só recebiam ajuda de custo e raramente sua estadia ultrapassa mais de um dia nos espaços de fala da universidade. O projeto acredita que o reconhecimento desse saber, para propiciar uma igualdade cognitiva para com o saber científico, precisa passar pelo aspecto financeiro.

A primeira experiência do Encontro de Saberes foi realizada em 2010, em Brasília, na UNB, e, no mesmo ano, viveu, e ainda vive, um intenso processo de expansão em outras universidades do país que se tornaram aliadas desse movimento. Em 2010, a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal de Juiz de Fora, a Universidade Federal do Sul da Bahia, a Universidade Federal do Pará, a Universidade Estadual do Ceará e a Pontifícia Universidade Javeriana de Bogotá na Colômbia se abriram para efetivação do projeto. Mais tarde, em 2015 e em 2016, o “Encontros de Saberes” ainda pôde se expandir em outras Universidades, como na Universidade Federal de São Paulo, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Universidade Federal de Pelotas, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e na Universidade Federal Fluminense.

Acho interessante lembrar que quando falamos das universidades que aderiram ao projeto, não nos referimos às universidades enquanto instituições apenas, mas, também, às pessoas que acreditam na importância que é a vinda de saberes outros no ambiente acadêmico. A universidade é um campo de disputa intenso e incessante e para realizar ideias como essa, é preciso de uma disposição e de um envolvimento de interessados. O diálogo que o grupo constrói entre si e com as estruturas burocráticas

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são indispensáveis para implementação do projeto, não à toa que José Jorge tem visitado as universidades interessadas para agenciar pessoas que tenham interesse e para orientar no processo de construção do projeto, compartilhando sua própria experiência.

1.2.1. Encontro de Saberes: características e metodologia:

O conjunto de ações que a UNB e seus respectivos pesquisadores e parceiros movimentaram tem um intuito que Carvalho (2010, p. 242) define de uma unificação da ‘’lucha por la superación, de una sola vez, del racismo fenotípico y del eurocentrismo monoepistémico’’. Pontuando esse objetivo, podemos entender melhor duas perguntas que o projeto se propõe a questionar e, assim, se basear para traçar uma linha metodológica que contemple tal objetivo (Carvalho e Florez, 2014, p. 136): (1) para que queremos universitários indígenas e negros educados por esquemas brancos? (2) como construir uma Universidade aberta a todos os saberes criados e vigentes em nosso continente?

Nas problematizações acima percebe-se uma continuidade: se na primeira pergunta há um teor de reclamação, insatisfação e incômodo, no segundo há um teor provocativo que pede sugestões, caminhos, propostas. O projeto se propõe enquanto um caminho teórico-político no ensino. É nesse contexto que o Encontro de Saberes pretende assumir características indispensáveis à realização, as quais Carvalho (2010, p. 248) nos enumera:

a) la enseñanza debe ser políglota, y debe reflejar la pluralidad lingüística

de cada país;

b) la enseñanza debe alternar o combinar contenidos de tradición oral con contenidos basados en la escritura; c) los estudiantes deben ser negros, blancos, indígenas y demás minorías – todos idealmente en una proporción que sea igual al porcentaje de cada uno de los grupos étnicos y raciales que conformen la sociedad como un todo;

d) los protocolos pedagógicos deben ser variados y siempre sensibles a la realidad de cada disciplina o campo de saber; e) los profesores deben ser de dos tipos: los sabios profesores que tuvieron estudios formales en universidades occidentalizadas; y los sabios profesores, afros e indígenas, sin formación occidentalizada regular o ágrafos, como los chamanes, payés, taitas, babalaos, artesanos, maestros de oficios, artistas, etc; f) no debe haber exclusión ni jerarquía previa de los saberes de nuestras sociedades, ni por sus orígenes epistémicos, ni étnicos, ni raciales, ni geográficos, ni por su soporte oral o escrito, o por cualquier otro tipo; g) la autoridad relativa de cada saber será construida como resultado del encuentro de saberes.

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Creio que, quando o autor enumera o que chama de características do projeto, pode-se ler, também, condições de modus operandi, de forma de funcionamento, ou seja, um processo metodológico. Penso ser a parte mais difícil e desafiadora do projeto e de qualquer outra coisa que tenha como ponto de partida, ou como campo de acontecimentos, a academia: a passagem da teoria para a prática. Não é de se espantar, assim, que a cada nova versão do Encontro de Saberes em outro contexto universitário, ele ganha novas reflexões, novos desafios, novas lutas e, assim, novas formulações teóricas e práticas. Em outras palavras, ‘’não é necessariamente lendo livros teóricos que se produz teorias’’ (BOURDIEU, 2014, p. 304).

Para entendermos melhor a metodologia pensada por José Jorge, recorro a um meio que usei para abordar a questão em um artigo anterior (RIBEIRO, 2016. No Prelo). Percebendo não só as frequentes repetições, mas a importância dada aos prefixos inter, trans e multi, apertei ctrl + f para pesquisar onde aparecem, no texto de Carvalho e Floréz (2014), tais palavras. O resultado foi interessantíssimo, pois contempla de forma bem ampla um entendimento da metodologia do projeto que dialoga diretamente com as características enumeradas anteriormente por José Jorge.

O prefixo inter almeja se realizar no cruzamento entre as disciplinas acadêmicas. Se não quebra com as fronteiras simbólicas ou mesmo físicas, pelo menos tenta se tornar menos rígida, para que seja possível o diálogo. A primeira palavra que surge é a ‘’interculturalidade’’. Ela vem como possibilidade de deixar-se atravessar pela diferença; em seguida, vem o ‘’intercâmbio’’, termo entendido como potência criativa, lugar de onde deriva diversas formas de expressão; a ‘’interpretação’’, em um campo hermenêutico aberto, pretende garantir a ação de diferentes meios de sentir, pensar e fazer; e, por último, a ‘’intervenção’’, que quer dialogar com o questionamento feito no último parágrafo, fundamenta o movimento teórico-político, onde a prática e a teoria não se dicotomizariam, e sim onde uma seria apoio e instrumento de transformação da outra. A diversidade de cursos ali presentes diz muito da possibilidade do carácter inter entrar em ação: medicina, geografia, direito, engenharia ambiental, ciências sociais, filosofia, história, arquitetura, educação do campo, pedagogia, arqueologia, botânica, entre outras.

O caráter trans aparece enquanto uma radicalização do caráter inter. As palavras ‘’transformação’’ e ‘’transmissão’’ de saberes são de suma importância para a existência de uma possibilidade outra de ensino e educação nos espaços acadêmicos.

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‘’Transmissão’’ aparece na tentativa de combater o carácter de emissão, valorizada pela pedagogia ocidental eurocêntrica, no qual o poder de fala do professor parte em direção à página em branco que seria o aluno. A ‘’transmissão’’ aqui almeja um movimento de troca não hierárquica, ou pelo menos uma redefinição e tensionamento de hierarquias na relação entre os saberes. A ‘’transformação’’, nesse sentido, quer agir na relação com o outro, na possibilidade de uma nova existência, ali mesmo onde há o tensionamento de um interessante e instável jogo entre identidade e alteridade.

Por fim, o caráter multi é mencionado como caminho possível de fuga de uma epistemologia hegemônica: é a ‘’multiplicidade’’ entrando em ação no espaço. Ela pretende abrir caminhos e faz coexistir as diferenças. Os autores ainda trabalham com os termos ‘’multiétinico’’ e ‘’multirracial’’. Eles fazem referência à uma possibilidade de múltiplas epistêmes entrarem em campo e que a circularidade seja parte integrante do processo. É ainda nesse contexto que se fala de um aspecto ‘’multidimensional’’, de escalas de percepção muito variadas, onde há a tentativa de que haja diversos caminhos e que eles possam ser realçados, não ocultados.

Não penso nos termos mencionados acima enquanto auto referenciais, mas sim enquanto traços de um mesmo movimento, de uma mesma intenção, no intuito de construir um mesmo projeto: subversão dos modelos hierarquizados e assimétricos de poder presentes na estrutura institucional acadêmica. Enfatizemos, então, as perguntas-motores do projeto: que tipo de universidade queremos? Que tipo de ensino queremos? Ou de forma mais radical, o que queremos aprender nesses espaços: além de universidade para quem, universidade para quê? São essas perguntas que movem o Encontro de Saberes em âmbito nacional e que foram, também, o caminho para pensarmos, na Universidade Federal Fluminense (UFF), a versão do projeto, realizada no primeiro semestre de 2017, depois da visita do professor José Jorge ao campus do Gragoatá em março de 2016.

1.2.2. Encontro de Saberes na/da UFF:

O governo federal, em 2007, projetou uma expansão da rede federal de educação, intitulado Reuni. Ele visa ampliar e democratizar o acesso ao ensino superior de qualidade. Foi nesse contexto que a Universidade Federal Fluminense apresentou ao MEC o maior plano de expansão dentre as universidades federais do país. E, assim,

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projetou-se como a maior universidade federal do Brasil em número de estudantes de graduação até 2017 (MELLO apud SACRAMENTO, RANGEL e AMARAL, 2015, p. 10). Baseado nos dados de 2013, a UFF contava com 104 cursos de graduação, 154 cursos de pós-graduação lato sensu, 61 cursos de mestrado e 32 de doutorado. Além disso, essa universidade ainda conta com uma política de descentralização e flexibilização administrativa no interior. São 13 campis espalhados pelo Estado do Rio de Janeiro: Campos dos Goytacazes (Serviço Social), Santo Antônio de Pádua (Matemática – licenciatura), Volta Redonda (Escola de Engenharia Industrial e Metalúrgica), Angra dos Reis (Pedagogia), Itaperuna (Administração), Macaé (Administração e Ciências Contábeis), Miracema (Ciências Contábeis) e Nova Iguaçu (Administração, Ciências Contábeis e Direito). Ainda em 2012, esse movimento conjunto de ampliação, expansão e descentralização, levou a UFF de 66 cursos diurnos para 121 e de 19 cursos noturnos para 49.

Optei por trazer esses dados porque podem propiciar um entendimento maior do contexto institucional da UFF para, assim, localizá-la no cenário nacional das políticas de acesso-permanência que vou desenvolver agora. Das universidades que têm o sistema de cotas de acesso, a federal fluminense tem a segunda menor porcentagem (perdendo apenas para a federal de Larvas, UFLA) de política de cotas do Sudeste8. Ou seja, a quantidade de pessoas que tiveram acesso à UFF não é diretamente proporcional ao número de vagas destinadas às populações historicamente excluídas desse espaço. Pesquisando, encontrei uma notícia interessante (2016) do ‘’O globo’’9 que tem

como chamada o seguinte título: ‘’Dois em cada três alunos da UFF não se formam no prazo formal do curso’’. Isso totalizaria, pelos dados de 2011, 22.318 alunos de 35.890 que protelaram o prazo – lembrando que desistentes também entram nas estatísticas. A matéria afirma que, mesmo que tenha havido um crescimento de 64% no acesso à tal universidade pelo Reuni, só houve 10% de aumento no número de formados.

A incompatibilidade de acesso e permanência é algo surpreende e deve ser problematizada. Entrevistando algumas pessoas, como o pró-reitor de graduação, professores que pensam esses acontecimentos e um estudante, a matéria jornalística conclui que o pouco aumento de estudantes formados é por causa dos: (1) discentes de

8

Para ver o mapa e dados das ações afirmativas no Brasil: http://gemaa.iesp.uerj.br/mapa-da-acao-afirmativa/ e http://www.inctinclusao.com.br/

9 Matéria:

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renda mais baixa que entram, mas não tem respaldo para que permaneçam; (2) a carga-horária é muito grande e impossibilita principalmente quem trabalha em conciliar com estudos. Veja que separei os dois argumentos, mas eles se encaixam: o discente fica desestimulado quando é compelido a atrelar uma carga-horária imensa com uma rotina de trabalho desgastante. A Universidade propiciou o acesso, mas não garantiu ações afirmativas que possibilitassem a continuidade desses estudantes ali dentro.

É nesse contexto que podemos perguntar: A que custo se propaga uma ideia de acesso, descentralização para o interior e criação de novos cursos se não é garantida uma estrutura de acolhimento? Estamos abrindo as portas da casa chamada universidade e não estamos arrumando os (in)cômodos para sentirem-se, de fato, em casa? Enfim, do que adianta acesso sem permanência?

Na IX Semana de Psicologia da UFF, em 2016, houve uma roda de conversa nomeada ‘’Um diálogo: qual Universidade queremos?’’. O encontro aconteceu em uma sala do Bloco P do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF) que tem capacidade para, no máximo, 60 pessoas. Não foi suficiente: haviam pessoas sentadas no chão e em pé. Haviam, pelo menos, 90 pessoas na sala, entre estudantes e professores. A conversa girou em torno, principalmente, das dificuldades pelas quais estudantes historicamente excluídos (negros, indígenas, mulheres) passam ao entrar na universidade.

Alguns estudantes controlavam o tempo e a fila de inscritos para as pessoas trazerem suas questões e para que as falas se revezassem. Apareceram desde relatos mais íntimos, desabafos de violência até questionamento da estrutura universitária e do modos de aprendizagem. As falas eram bastante gestuais e os corpos também falavam. Algo que não se concordava era questionado e algo que se concordava era aplaudido. Os olhares estavam muito atentos ao que a próxima pessoa iria relatar. Nesse momento, ficou claro para mim que o problema não é pequeno. Ele foi, na verdade, minimizado pelo fato da própria universidade não conceber a devida atenção que o problema pede.

Pois bem, o Encontro de Saberes na/da UFF se diz parte desse movimento de insatisfação. No dia 18 de março de 2016, o professor José Jorge de Carvalho vem à UFF. Ele atrai uma quantidade enorme de interessados para o auditório do bloco O, Campus do Gragoatá. Os presentes, vindos de lugares completamente distintos e atuando de formas muito variadas, forçam as cadeiras e abrem uma roda de mais de cinquenta pessoas.

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A presença de José Jorge era no intuito de que falasse de sua experiência na militância em ações afirmativas no país, mas torna-se, ao contrário, um momento de escuta. O professor ouve atentamente os angustiados desabafos de docentes e discentes acerca do tratamento que recebem da instituição que ora ignora, ora nega a presença física e epistemológica desse outro no espaço acadêmico. Em um outro texto publicado pelo Grupo Encontro de Saberes na/da UFF (GE Encontro de Saberes na/da UFF, 2017), narramos a trajetória e consolidação do nosso coletivo e de como ‘’experiências solitárias’’ se cruzaram depois da vinda de José Jorge à UFF.

Passaram pelo “Encontros de Saberes da/na UFF” professores e estudantes das seguintes unidades e áreas de atuação: Instituto de Psicologia, Instituto de Artes e Comunicação Social, Faculdade de Educação, Centro Universitário de Rio das Ostras, Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior, curso de Filosofia, curso de Antropologia, curso de Ciências Sociais, curso de Geografia. Participam ainda pelo projeto integrantes de grupos e movimentos sociais e/ou de Comunidades Tradicionais. Seguem os projetos desenvolvidos por alguns dos professores do Grupo, para que possamos entender um pouco melhor o percurso e o encontro dessas experiências (GE do Encontro de Saberes, 2017, p. 291-292):

 No Departamento de Psicologia da UFF

Realizam-se duas disciplinas que apresentam afinidades teóricas e pedagógicas entre si. São elas: “Subjetividades Nativas” e “Sociedade Brasileira e África: subjetivações afro-descendentes”. Os professores da Psicologia assumem, juntamente com os professores externos colaboradores, as disciplinas em seus aspectos político-pedagógicos: planejamento, metodologias, avaliação. Ambas disciplinas visam trazer à tona universos cosmológicos distintos daqueles que serviram historicamente de pano de fundo para a criação dos saberes e práticas psicológicos. São estes objetivos das disciplinas que trazem a necessidade do diálogo interétnico e que explicitam os limites e impasses da formação em psicologia diante de universos que lhes são distintos. Cito aqui as ‘’experiências solitárias’’ e seus intuitos enquanto projetos de extensão, ensino e pesquisa

 No departamento sociedade, educação e conhecimento da Faculdade de Educação da UFF (SSE-FEUFF)

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A UFF desenvolve, há mais de 20 anos, atividades de pesquisa e extensão com Comunidades Jongueiras. Como resultado deste trabalho, foi criado, em 2008, o Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu, programa de ensino, pesquisa, e extensão, vinculado à PROEX, que articula ações de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial com comunidades localizadas em diversos municípios da região sudeste.

Um dos resultados do programa foi a articulação de uma Rede de Jovens Lideranças Jongueiras, no ano de 2010. De 2011 até 2014, o Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu foi contemplado nos editais do PROEXT/MEC/SESU para o desenvolvimento de projetos com a Rede de Jovens Lideranças Jongueiras. O programa conta com a parceria do LABOEP (Laboratório de Educação e Patrimônio Cultural) e do Observatório Jovem, núcleos de pesquisa e de extensão da Faculdade de Educação. E conta ainda com a colaboração do LABHOI (Laboratório de História Oral e Imagem), do Instituto de História.

Nas muitas atividades desenvolvidas, como seminários e oficinas realizadas dentro e fora do espaço da Universidade, procurava-se avançar, no sentido de que “quem falava do Jongo/Caxambu e das questões que afetam as comunidades eram os jongueiros e jongueiras”, com a participação em mesas, junto com professores, pesquisadores e autoridades. No segundo semestre de 2014, de forma ainda experimental, em parceria com a Rede de Jovens Lideranças Jongueiras, foi decidida a oferta da disciplina “Jongo: patrimônio afro-brasileiro na universidade”, completando a articulação ensino, pesquisa e extensão no âmbito do programa. No primeiro semestre de 2016, a disciplina foi novamente oferecida. Desta vez, como “Patrimônio negro na universidade”, ampliando o diálogo com outros detentores e detentoras do patrimônio cultural imaterial. Além do Jongo, contou com a participação da Capoeira e do Ofício das Baianas do Acarajé.

 No Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS)

O campo da produção Cultural apresenta aos professores e estudantes universitários o desafio de dialogar com grupos sociais com características das mais diversas. A implementação desse projeto será, no âmbito da UFF, a primeira experiência que pretenderá produzir caminhos alternativos para um diálogo interepistêmico que possa contemplar as relações entre práticas específicas de mestres brincantes, coletivos e comunidades populares rurais e urbanas de caráter tradicional e processos pedagógicos do campo acadêmico da Produção Cultural.

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O projeto parte do princípio de que é necessário que o ambiente universitário brasileiro possa contemplar os saberes e fazeres de comunidades e agentes culturais populares e tradicionais como elementos estruturantes da experiência acadêmica e de formação dos estudantes. Historicamente esses mestres brincantes, coletivos e comunidades têm visto seus conhecimentos seres inseridos na Universidade somente como objetos de pesquisa, seja por meio da produção bibliográfica ou através de variados eventos pontuais. O presente projeto pretende conferir um novo lócus para esses agentes culturais, entendendo que o reconhecimento desses sujeitos e seus saberes e fazeres relacionados, cumpre uma importante função política de legitimação de formas alternativas de conhecimento e vida a excludentes práticas epistêmicas

hegemônicas e/ou colonialistas.

Depois de várias sextas-feiras nos reunindo, nos conhecendo, conhecendo os projetos mencionados acima, lendo e discutindo textos de interesse comum, compartilhando eventos e aulas relacionadas ao Grupo, uma frase tornou-se comum ao grupo: ‘’temos que aprender errando’’. O grupo sentia que o assunto era urgente, que já não era possível apenas especular sobre como seria o Encontro de Saberes na UFF. Foi assim que o grupo se viu estreitando relações em sentido cooperativo e colaborativo nas “experiências solitárias’’ e se fortalecendo em caminho da construção de um objetivo comum: a institucionalização do Encontro de Saberes. No processo de entender esse objetivo comum, propiciamos alguns espaços de diálogo que favoreceram a caminhada e nos fizeram refletir e pensar melhor as ações seguintes:

a) Encontro com o Professor Leonardo Carneiro, coordenador do “Encontro de Saberes” na Universidade Federal de Juiz de Fora (Universidade que fica a três horas do Rio e já estava em sua segunda edição do Encontro de Saberes);

b) A roda de conversa “Descolonialidade, universidade, e a potência dos encontros de saberes”, com o Professor Carlos Walter Porto Gonçalves. Flávia Salgado fez a mediação e eu relatei um pouco de minha experiência em Juiz de Fora, na IX Semana de Psicologia da UFF;

c) A participação em diversas atividades do Festival Nacional de Cultura Popular Interculturalidades, promovido pelo Centro de Artes da UFF, como a Festa da Ramada do Quilombo Boa Vista Cuminã e São Joaquim de Oriximiná-PA, os Jongos e Tambores da Machadinha, do Quilombo São José da Serra, de Pinheiral, e o Caxambu de Miracema;

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d) A Mesa Circular Encontro de Saberes na UFF, com a participação de Lúcia Cavalieri, Emílio Nolasco, Elaine Monteiro e Lygia de Oliveira Fernandes, todos integrantes do GE; do Pró-reitor de Graduação, José Rodrigues Farias Filho; da Professora Carolina Bezerra (Universidade Federal de Juiz de Fora), e do Professor José Jorge de Carvalho (Universidade de Brasília). e) O 1° Encontro de Saberes na UFF. O Encontro tinha o intuito de discutir a

implementação de duas disciplinas, com quatro módulos cada uma, com mestres e aprendizes das tradições.

O último tópico da lista aconteceu no dia 08 de dezembro de 2016. A essa altura já tínhamos claro o que, como, quando, onde, mais ou menos quanto e quem queríamos para a realização do Encontro de Saberes. Lá, houve uma apresentação do professor Johnny Menezes, integrante do nosso grupo, que expôs o formato feito por nós. A apresentação era bem direcionada ao pró-reitor da Prograd (pró-reitoria de graduação) José Rodrigues Farias Filho, que concordou em financiar as idas à campo, hospedagem, alimentação, transporte e pagamento dos mestres e aprendizes tradicionais.

Com exceção dos feriados, paralizações e outros imprevistos, os módulos continham, em média, três aulas para cada mestre. Ao fim, as disciplinas ficaram divididas, por mais que se juntassem uma vez ou outra, dessa maneira:

Disciplina conjunta entre a pedagogia e a psicologia:  Módulo 1: Corpo, dança e espiritualidade no Jongo  Módulo 2: Corpo e espiritualidade no terreiro  Módulo 3: Corpo e espiritualidade Mbya  Módulo 4: Saberes caiçaras

Disciplina pelo Instituto de Artes e Comunicação Social:

Módulo 1: oralidade e tradição – terreiro Módulo 2: oralidade e tradição – reisado Módulo 3: oralidade e tradição – cordel  Módulo 410: oralidade e tradição – partido alto

(29)

Dividimos bem o dinheiro destinados aos trabalhos de campo e fizemos uma média de 2 idas para cada comunidade tradicional. Os docentes e discentes que já tinham um vínculo com determinado grupo, por conta de laços de confiança, ficaram de ir até eles para iniciar a conversa sobre o Encontro (isso não impossibilitava, claro, quem não tinha vínculo de ir também). Eu fui com o professor Emílio Nolasco e Sandra Benites (Guarani-Nhandeva) até a aldeia de Araponga, em Paraty, onde residiam Seu Augustinho e Dona Maciana. Ao fazermos a proposta, fomos sinceros de como prevíamos ser todo o processo, de que seriam pagos por isso e que poderiam sugerir e participar ativamente da construção do processo. Desde a primeira ida, recebemos um ‘’sim’’ como resposta, o que não foi muito diferente dos outros campos. E foi na força desse ‘’sim’’ que tivemos como retorno que no primeiro semestre de 2017 iniciamos os trabalhos práticos, em uma equipe de monitores e professores para realizar o acontecimento que é vinda dos mestres e, assim, do Encontro de Saberes: preparar memorandos para a alimentação no Restaurante Universitário, agendar vagas em hotéis ou preparar a casa de algum professor, recolher documentação, agendar o transporte, fazer grupos online de trabalho e das disciplinas, etc. Aprendendo errando, já que toda caminhada é feita de erros, foi que a disciplina regular na graduação se institucionalizou no primeiro semestre de 201711.

1.3. Minha experiência no Encontro de Saberes:

Nós, que estávamos no primeiro semestre de 2017, agora voltamos para o segundo semestre de 2015, onde vou traçar a trajetória do meu encontro com o projeto, de como fui me inserindo no movimento na UFF e de como o tema foi se tornando meu projeto de pesquisa e análise.

Em dezembro de 2015, minha mãe, Beatriz Ribeiro, me falou do curso que seu amigo de doutorado, Leonardo Carneiro, estava organizando na universidade federal de Juiz de Fora (UFJF). O contato foi feito e pude me hospedar na casa do professor durante os encontros. O curso foi dividido, como na UFF, em módulos: módulo agroecologia, módulo indígena e módulo quilombola. Só que, ao invés de haver encontros toda semana, eles aconteciam em alguns finais de semana ao longo do

11 Os ‘’erros’’ a que faço referência vão ser melhor desenvolvidos no capítulo 4. Em cima da noção de

cuidado, quero pensar, dentre outras coisas, possibilidades para evitar a produção do exótico no Encontro

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semestre. Houveram três encontros apenas com os professores da universidade: dois no início para a apresentação do curso e das amplas temáticas que seriam trabalhadas pelos mestres e um no final, para avaliação do curso, dos estudantes e do movimento como um todo. Com os mestres foram realizados três finais de semana, um para cada módulo. A minha presença, física e espiritual, nesses encontros fez com que eu mudasse minha concepção sobre Universidade. Passei a questionar a estrutura, a pedagogia ocidentalizada, a hierarquização epistemológica, o racismo, as relações de poder e a problematizar minha atuação ética: na posição de pessoa e de acadêmico. Na leitura de textos que nunca teria contato se não estivesse onde estava e no encontro com pessoas e seus modos de pensar o mundo e as relações, foi que fui me aproximando do movimento.

Temos que considerar que minha posição ali era privilegiada. Estava hospedado na casa de uma pessoa que organizava o Encontro e que vivia aquela organização com grande responsabilidade. Como estava nesse lugar, também pude conhecer e manter relativa relação antes, durante e depois das aulas com os outros professores parceiros de outros departamentos, como Daniel Pimenta, da Química, Carolina Bezerra, das Ciências Sociais e Gustavo Soldati, da Biologia. Além disso, o encontro que tive com os mestres também era diferente dos demais estudantes. Devido a minha proximidade com os professores e a abertura que tinha por ser de outro lugar, pude, assim, conhecer novas pessoas e me aproximar bastante dos mestres tradicionais. Isso pôde me propiciar afetos indizíveis com as pessoas e com o território mineiro e conhecer o movimento, até certo ponto, por dentro, entendendo, assim, parte de seu processo de institucionalização, de funcionamento e as concordâncias e discordâncias com o projeto original na UNB, do professor José Jorge de Carvalho.

Na época, fazia duas disciplinas na UFF: (1) Abordagens Culturais na Geografia, com o professor Rogério Haesbaert e (2) Antropologia da Música, com o professor Daniel Bitter. Elas foram de suma importância para que surgisse um artigo, no final do curso, intitulado ‘’Encontro de Saberes e a música no uso do território’’. No artigo narrei o movimento territorial, político, epistemológico e pedagógico quando os mestres, de maneiras bem variadas e diferenciadas entre si, utilizavam a música para movimentação dos corpos no território (2016, no prelo). O artigo em questão é também uma inspiração para essa monografia e me abriu caminhos para pensar questões ao mesmo tempo em que me inseria mais politicamente na institucionalização do mesmo,

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na UFF. Como dito anteriormente, a vinda de José Jorge à UFF, em 2016, fez com que experiências solitárias se encontrassem e, assim, com que minha inserção tivesse uma continuidade com aquilo que tinha me afetado no semestre anterior.

Ainda em 2016, fiz a seleção para duas bolsas na Universidade: (1) para o projeto de extensão chamado ‘’Etnoeducação Patrimonial em Oriximiná-PA’’ e (2) para o programa de monitoria chamada ‘’Prática Docente em Antropologia’’. Fiquei na lista de espera no primeiro e fui contemplado com a bolsa do segundo. Ainda sem bolsa, participo já por um ano e meio como voluntário do projeto de extensão e pude viajar uma vez à duas comunidades ribeirinhas na cidade de Oriximiná. A experiência de monitoria foi de um ano (no primeiro semestre de 2016 com a professora Ana Cláudia Silva e, no segundo, com o professor Daniel Bitter).

O motivo de ter mencionado esse meu momento na universidade tem um porquê. Penso que esses três movimentos em que eu estava inserido foram essenciais para me dar uma base dos três pilares aos quais a universidade considera fundamentais para o desenvolvimento acadêmico: extensão, ensino e pesquisa. Na XIX semana de monitoria da UFF, na segunda metade de 2016, fiz um slide narrando o surgimento do meu interesse pela monitoria que mostra, de forma bem clara, o movimento ao qual estou me referindo:

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