• Nenhum resultado encontrado

Curiosidade Hist´orica: Um Modelo Matem´ atico para Detectar Falsifica¸c˜ oes em Obras de Arte

7.8 Problemas Envolvendo a “Lei de Decaimento Radioativo”

7.8.1 Curiosidade Hist´orica: Um Modelo Matem´ atico para Detectar Falsifica¸c˜ oes em Obras de Arte

Esta se¸c˜ao ´e um suplemento `as notas de aulas e sua leitura n˜ao ´e obrigat´oria no estudo das EDO’s. O conte´udo foi baseado principalmente na referˆencia:

Braun, M.Differential Equations and Their Applications. Short version. New York: Springer Verlag. 1978.

Ap´os o t´ermino da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os governos dos pa´ıses europeus, dentre eles o governo holandˆes, empenharam esfor¸cos em investiga¸c˜oes para localizar, prender e julgar criminosos de guerra e colaboradores dos nazis- tas. Nesse per´ıodo, foram encontradas pelo ex´ercito aliado, em uma mina de sal na ´Austria, uma enorme quantidade de obras de arte pilhadas dos pa´ıses ocupados pelos alem˜aes e escondidas l´a pelos nazistas. Imediatamente, foram convocados especialistas em arte, para a identifica¸c˜ao e o repatriamento das obras. Entretanto, havia uma pintura antiga adquirida pelo alto comandante nazista Hermann Wilhelm Goering, intitulada “Woman taken in adultery”, do famoso pintor holandˆes do s´eculo XVII Johannes Vermeer (1632 - 1675), que os especialistas desconheciam. Na busca efetuada pelo governo holandˆes, pela origem da obra, foram descobertos registros de uma empresa que atuou durante a guerra vendendo in´umeras obras de arte holandesas para os nazistas. Dentre as vendas, havia a da referida obra. Essa venda foi feita a Goering intermediada por um banqueiro que afirmou agir em nome de um pintor holandˆes chamado Henricus Antonius Van Meegeren de quem a obra procedia.

Hermann Goering “Woman taken in adultery”. Johannes Vermeer Van Meegeren Em 29 de maio de 1945, Van Meegeren foi localizado e preso sob a acusa¸c˜ao de colaborar com o inimigo por meio de venda clandestina de patrimˆonio cultural holandˆes, uma vez que ele n˜ao revelou a procedˆencia da obra. A senten¸ca para crimes de colaboracionismo com inimigos de guerra era a pena de morte.

Neste ponto, cabe ressaltar que n˜ao era raro surgirem “obras perdidas” de grandes pintores depois de muito tempo de sua morte, na posse de fam´ılias, geralmente, abastadas. Em particular, Vermeer n˜ao era muito conhecido no mundo da arte at´e o in´ıcio do s´eculo XX, quando seu talento fora, ent˜ao, reconhecido. ´E sabido que Vermeer morreu muito pobre e que, antes de morrer, trocava quadros por comida. Sua vi´uva, para sobreviver, vendeu todos os seus quadros remanescentes a pre¸cos irris´orios e, provavelmente, muitas de suas obras se perderam. Hoje, certamente, n˜ao restam mais do que cerca de 40 de suas pinturas. Sendo assim, os peritos em arte acreditaram, em um primeiro momento, que a obra “Woman taken in adultery” era um “Vermeer perdido”.

Entretanto, no dia 12 de julho de 1945, para tentar escapar da pena de morte, Van Meegeren surpreendeu o mundo ao revelar que a referida obra n˜ao era original. Ele mesmo a havia pintado entre 1941 e 1942, utilizando as t´ecnicas e o estilo de Vermeer, do qual ele era profundo conhecedor. Al´em disso, ele tamb´em revelou que a obra “The disciples at Emmaus”, confeccionada entre 1936 e 1937, e outros quatro “Vermeer’s”, al´em de dois “De Hoogh’s” (outro pintor holandˆes do s´eculo XVII) eram falsifica¸c˜oes de sua autoria.

Essas revela¸c˜oes, embora chocantes, n˜ao foram em um primeiro momento levadas muito a s´erio. As autoridades holandesas desconfiavam que Van Meegeren queria escapar a todo custo da morte e que, por isso, estava inventando essa hist´oria. Al´em disso, a obra “The disciples at Emmaus” foi atestada como original, um “Vermeer perdido”, ap´os uma an´alise detalhada de dois dias por um famoso historiador de arte chamado Abraham Bredius. No entanto, para comprovar a veracidade de sua hist´oria, Van Meegeren predispˆos-se a pintar, em sua cela, uma obra chamada “Jesus amongst the doctors” para demonstrar o quanto era habilidoso na imita¸c˜ao do estilo de Vermeer. Durante a execu¸c˜ao dessa obra, Van Meegeren colaborou com as autoridades, revelando suas t´ecnicas e procedimentos de falsifica¸c˜ao e envelhecimento de obras de arte.

“The disciples at Emmaus” Pintando na cadeia “Jesus amongst the doctors” N˜ao demorou muito para as autoridades levarem a s´erio a hist´oria de Van Meegeren. Ele, de fato, era muito habilidoso. Uma equipe de qu´ımicos, f´ısicos, t´ecnicos e peritos em arte foi montada para examinar as obras citadas por Van Meegeren (e outras de origem duvidosa) para comprovarem se as obras eram, de fato, falsas.

Naturalmente, as falsifica¸c˜oes n˜ao foram desvendadas t˜ao facilmente, uma vez que Van Meegeren conhecia muito bem as t´ecnicas empregadas pelos peritos. De fato, as telas utilizadas eram do s´eculo XVII e ele procurava utilizar os mesmos pigmentos de tinta que Vermeer utilizava, al´em de “cozer” as pinturas em forno para que assumissem o aspecto de envelhecidas pelo tempo. Van Meegeren comprava pinturas do s´eculo XVII de pouco valor e raspava a velha tinta endurecida para aproveitar a tela. Para o processo de envelhecimento da tinta, ele `as vezes utilizava fenoformalde´ıdo que ap´os o “cozimento” endurecia enormemente a tinta. Resqu´ıcios desse produto qu´ımico (que s´o foi descoberto no s´eculo XIX) foram encontrados pelos peritos em v´arias das obras de Van Meegeren. Al´em disso, pigmentos do moderno “azul cobalto” (que n˜ao existia na ´epoca de Vermeer) tamb´em foram encontrados em algumas das referidas obras. Radiografias foram empregadas para tentar descobrir se a tela era originalmente de uma outra pintura. Em particular, a obra “Woman taken in adultery”, comprada por Goering, era uma pintura de uma batalha com cavalos.

Radiografia de “Woman taken in adultery”

Ap´os essas evidˆencias, em 2 de outubro de 1947, a acusa¸c˜ao de colabora¸c˜ao com o inimigo contra Van Meegeren foi comutada pela de fals´ario e ele foi condenado a mais um ano de pris˜ao. Como ele esperava ser liberto sem condena¸c˜ao, Van Meegeren recusou-se a terminar a obra “Jesus amongst the doctors” que estava pintando na cela, n˜ao mostrando, na pr´atica, como seria o processo de envelhecimento da obra. Entretanto, Van Meegeren j´a havia colaborado enormemente com as autoridades, revelando suas t´ecnicas e, de certo modo, ajudando na arte de desvendar detalhes sutis em pinturas falsas. Talvez por esse motivo, sua pena tenha sido pequena; afinal, ele acabou ganhando a fama de ser o holandˆes que enganou os nazistas.

Infelizmente, Van Meegeren jamais saiu da pris˜ao. Em 30 de dezembro de 1947, ele sofreu um ataque card´ıaco em sua cela e morreu.

Mas a hist´oria n˜ao acabou com sua morte. Mesmo com as provas apresentadas pelos peritos, muitas pessoas, algumas delas altamente qualificadas no ramo da arte, recusavam-se a acreditar que a obra “The disciples at Emmaus”, que fora inclusive comprada pela prestigiada Sociedade Rembrandt por cerca de 170.000 d´olares (atuais), era uma falsifica¸c˜ao, pois se tratava de um quadro extremamente bem feito com qualidade impec´avel, ao contr´ario das demais obras listadas por Van Meegeren. Os peritos justificaram que essa obra fora a primeira falsifica¸c˜ao de Van Meegeren, que, por n˜ao ter sido reconhecido como um grande pintor pela sociedade holandesa, queria provar o contr´ario pintando algo excepcional. Entretanto, essa justificativa n˜ao satisfez os c´eticos, que queriam uma prova eficaz e definitiva para essa suposta obra de Van Meegeren.

´

E curioso como a hist´oria desenrola-se de modo diferente para certos personagens. ´E conhec´ıvel que in´umeros grandes gˆenios da humanidade, n˜ao s´o da pintura mas tamb´em da escultura, da literatura e da m´usica, n˜ao tiveram grande reconhecimento durante a vida e muitos morreram muito pobres. Isso ocorreu com o pr´oprio Vermeer citado acima, mas tamb´em com Vincent van Gogh, Rembrandt, Aleijadinho, Edgar Allan Poe, Oscar Wilde, Franz Schubert, Wolfgang Amadeus Mozart e muitos outros. ´E ineg´avel que algu´em que produziu obras que enganaram tanta gente capacitada no mundo da arte tenha talento. ´E verdade tamb´em que Van Meegeren era muito rico para a ´epoca, pois ganhou muito dinheiro com suas falsifica¸c˜oes durante a Segunda Guerra Mundial (estimativas atuais calculam que sua fortuna girava em torno de 25 milh˜oes de d´olares!), mas hoje ele ´e apenas lembrado como um fals´ario aproveitador. Sua imagem na hist´oria, certamente, seria outra se ele tivesse se conformado em levar uma vida honesta.

Vale a pena lembrar que Goering foi o fundador da terr´ıvel Gestapo, a pol´ıcia secreta nazista, e que esteve `a frente de terr´ıveis atrocidades durante o holocausto, sendo inclusive indicado, durante a primeira metade da guerra, como um poss´ıvel sucessor do pr´oprio Adolf Hitler. Ele foi capturado em 6 de maio de 1945 e, ap´os julgamento no Tribunal de Nurenberg, foi condenado `a forca em 15 de outubro de 1946. Ele cometeu suic´ıdio um dia antes da execu¸c˜ao, ingerindo cianeto de pot´assio.

A desejada prova definitiva de que a obra “The disciples at Emmaus” era falsa veio somente em 1967, quando uma equipe de cientistas da Canergie Mellon University dos Estados Unidos aplicaram o m´etodo de data¸c˜ao por decaimento radioativo. Embora a radia¸c˜ao tenha sido descoberta em 1896 por Henri Becquerel e algumas de suas propriedades tenham sido descobertas por Marie Curie em 1898, foi por volta de 1906 que Ernest Rutherford descobriu o decaimento radioativo. A partir de ent˜ao, a ciˆencia n˜ao parou de progredir no campo da data¸c˜ao de f´osseis (que algum dia foram seres orgˆanicos), rochas e objetos manufaturados a partir dos min´erios que s˜ao extra´ıdos das rochas.

Vimos na se¸c˜ao acima a EDO (que alguns autores chamam de modelo matem´atico) y′ = ky para data¸c˜ao, por decaimento radioativo, de determinado elemento qu´ımico. Como k < 0, adotemos k = −λ, com λ > 0. Vamos adotar, portanto, a EDO

y′ = −λy,

sendo λ a constante de decaimento radioativo do elemento qu´ımico e y = y (t) a quantidade de ´atomos radioativos do elemento na amostra no instante t.

Primeiro passo: Como calcular λ?

Lembremos que o tempo de meia-vida de um elemento qu´ımico ´e o tempo necess´ario para que a metade dos ´atomos do elemento qu´ımico na amostra deixe de ser radioativa.

Suponhamos que y (t0) = y0seja a quantidade de ´atomos radioativos no instante t0. Logo, temos que resolver o problema de valor inicial

y′ = −λy y (t0) = y0 (1) Resolvendo: y′= −λy ⇒ 1 y dy dt = −λ ⇒ Z 1 y dy dtdt = Z (−λ) dt ⇒ Z 1 ydy = Z (−λ) dt ⇒ ln (|y|) = −λt + k1⇒ y (t) = k2e−λt. Assim, y0= k2e−λt0⇒ k2= e−λt0y0 . Logo, y (t) = y0 e−λt0e−λt= y0e−λ(t−t0). (2)

Se fizermos t = t1tal que y(t1)

y0 =

1

2, temos que t1− t0´e o tempo de meia-vida do elemento qu´ımico. Assim, 1 2= e −λ(t1−t0) ⇒ t1− t0= ln(2)λ , ou seja, t1− t0=∼ 0,6931λ .

Desta forma, sabendo-se o tempo de meia-vida do elemento qu´ımico, podemos determinar λ. Observa¸c˜ao: a unidade de medida de λ ´e (unidade de tempo)−1.

Exemplos: Tempo de meia-vida de: Is´otopo Chumbo-210: 22 anos. Is´otopo Carbono-14: 5.730 anos.

Is´otopo Urˆanio-238: 4.500.000.000 anos. (urˆanio ´e o elemento de maior n´umero atˆomico que encontramos na natureza)

Segundo passo: Como calcular t − t0? (“idade” da amostra a partir de t0)

Temos por (2) que

t − t0= ln(y0y)

λ .

Assim, se soubermos λ, y (t) (quantidade de ´atomos radioativos de um determinado elemento qu´ımico em uma amostra no instante t) e y0(o mesmo no instante t0), saberemos t − t0.

Terceiro passo: N˜ao ´e t˜ao simples assim...

Rochas e min´erios contˆem uma pequena quantidade de Urˆanio-238, que ´e um is´otopo de urˆanio inst´avel e que se desintegra segundo a cadeia abaixo:

238 92 U −Urˆanio-238  4 2α −→ 4,5bilh˜oes de anos

234 90 Th −T´orio-234  0 −1β −→ 24dias 234 91 Pa −Protact´ınio-234  0 −1β −→ 1,2minutos 234 92 U −Urˆanio-234  4 2α −→ 200.000anos 230 90 Th −T´orio-230  4 2α −→ 80.000anos 226 88 Ra −R´adio-226  4 2α −→ 1600anos 222 86 Rn −Radˆonio-222  4 2α −→ 3,8dias 218 84 Po −Polˆonio-218  4 2α −→ 3minutos 214 82 Pb −Chumbo-214  0 −1β −→ 27minutos 214 83 Bi −Bismuto-214  0 −1β −→ 20minutos 214 84 Po −Polˆonio-214  4 2α −→ menos de 1 segundo 210 82 Pb −Chumbo-210  0 −1β −→ 22anos 210 83 Bi −Bismuto-210  0 −1β −→ 5dias 210 84 Po −Polˆonio-210  42α −→ 138dias 206 82 Pb −Chumbo-206  (n˜ao-radioativo) Observa¸c˜ao. A nomenclatura utilizada acima ´e

n´umero de massa

n´umero atˆomico Elemento, sendo:

→ n´umero atˆomico = n´umero de pr´otons = n´umero de el´etrons. → n´umero de massa = n´umero de pr´otons + n´umero de neutrons.

→ 42α´e part´ıcula a chamada part´ıcula alfa (ou n´ucleo de h´elio42He), composta por dois pr´otons e dois neutrons que s˜ao emitidos do n´ucleo.

→ 0−1β´e part´ıcula beta, (ou el´etron 0−1e), composta, naturalmente, por um el´etron. Nesse processo, um neutron se transforma em um pr´oton e um el´etron. O el´etron ´e emitido do n´ucleo.

Um determinado pigmento (corante) branco chamado de alvaiade (ou ´oxido de chumbo, ou ainda chumbo branco) ´e usado pelo menos por mais de 2.000 anos em tintas usadas para pinturas de obras de arte. O alvaiade ´e feito a partir do chumbo (metal) que, por sua vez, ´e obtido do min´erio de chumbo por um m´etodo chamado redu¸c˜ao ou fundi¸c˜ao que visa separar o metal do res´ıduo (chamado de lava).

Esse processo elimina de 90 a 95 por cento do R´adio-226 e seus descendentes radioativos presentes no min´erio, exceto o Chumbo-210 que se agrega ao Chumbo-206 (metal).

Desta forma, pinturas contˆem Chumbo-210 e uma pequena quantia de R´adio-226. Logo, ´e natural tomar o Chumbo-210 como elemento qu´ımico usado na data¸c˜ao das obras de arte.

Quarto passo: em obras de arte, nossa equa¸c˜ao n˜ao ´e homogˆenea...

Se o alvaiade n˜ao contivesse R´adio-226, poder´ıamos usar a equa¸c˜ao (1) para a data¸c˜ao.

No processo de fabrica¸c˜ao do alvaiade, o Chumbo-210 original ficou, mas o que mantinha o suprimento de Chumbo-210 n˜ao, exceto por uma pequena quantia proveniente do R´adio-226.

(Na natureza, as taxas de desintegra¸c˜ao de todos os elementos radioativos do min´erio de chumbo em um per´ıodo de tempo “pequeno” eram mantidas constantes devido ao suprimento de Urˆanio-238, cuja taxa de desintegra¸c˜ao ´e muito pequena)

Assim, se y (t) ´e a quantidade de Chumbo-210 em um grama de alvaiade na obra de arte no instante t e r (t) ´e a taxa de desintegra¸c˜ao do que restou do R´adio-226 no instante t, temos:

y′(t) = −λy (t) + r (t). (3)

( r (t) ´e medida em n´umero de ´atomos de R´adio-226 desintegrados em Chumbo-210 por grama por minuto - note que o tempo de desintegra¸c˜ao do Radˆonio-222 at´e o Chumbo-210 ´e muito pequeno comparado ao tempo considerado na data¸c˜ao)

Ainda: λ ´e a constante de desintegra¸c˜ao radioativa do Chumbo-210 e y (t0) = y0 ´e a quantidade de ´atomos de Chumbo-210 no instante de fabrica¸c˜ao do alvaiade.

A equa¸c˜ao (3) acima justifica-se do seguinte modo:

Seja y = y + x, sendo y (t) quantidade de Chumbo-210 proveniente da fabrica¸c˜ao do alvaiade no instante t e x (t) a quantidade de Chumbo-210 proveniente do pouco que restou do R´adio-226 no instante t. Logo,

y′= y′+ x′ = y′+ r (t) ⇒ y′= −λy + r (t).

Mas a quantidade de Chumbo-210 que vem do R´adio-226 ´e muito pequena (pois, al´em da quantidade deste ´ultimo ser pequena, o tempo de meia-vida do R´adio-226 ´e de 1.600 anos). Logo, y ∼= y e temos a equa¸c˜ao (3).

Como o interesse ´e analisar obras de arte que possuam por volta de 300 anos, consideremos que r (t) = r (constante) nesse per´ıodo (isso ´e razo´avel devido ao longo per´ıodo de meia-vida do R´adio-226).

Logo, a equa¸c˜ao fica

y′(t) = −λy (t) + r ⇒ y′+ λy = r. (4)

Quinto passo: resolvendo a equa¸c˜ao:

Usando o fator de integra¸c˜ao v (t) = eRλdt= eλt+k, temos que a equa¸c˜ao (4) possui solu¸c˜ao y (t) =eλt+k1 Z eλt+krdt = e−λtrÄeλtλ + cä= r λ+ cre −λt. De y0= y (t0)temos y0= r λ+ cre −λt0 ⇒ c = y0eλt0 r − eλt0 λ . Assim, y (t) = λr+Äy0eλt0 r − eλt0 λ ä re−λt= λr+ y0e−λ(t−t0)re−λ(t−t0) λ ⇒ y (t) = rλ 1 − e−λ(t−t0) + y0e−λ(t−t0) (5)

que ser´a o modelo matem´atico para data¸c˜ao de quadros de Vermeer e de Van Meegeren.

Sexto passo: e agora?

Note que se soubermos y (t), r, λ e y0, saberemos t − t0em (5), que ´e a idade do quadro.

Temos que y (t), r s˜ao f´aceis de determinar experimentalmente a partir do alvaiade do quadro. Temos tamb´em que λ pode ser obtido do primeiro passo, uma vez que a meia-vida do Chumbo-210 ´e conhecida (22 anos).

J´a y0 ir´a depender da concentra¸c˜ao original de Urˆanio-238 - que pode variar de 0, 00027% at´e 3%. Portanto, y0ir´a depender da concentra¸c˜ao de R´adio-226 no min´erio de chumbo que foi utilizado para fabricar o alvaiade.

Medindo a taxa de desintegra¸c˜ao de R´adio-226 em diversas amostras de alvaiade feitos de min´erio de chumbo de jazidas do v´arios locais no mundo, temos que esta pode variar de 0, 18 at´e 140 desintegra¸c˜oes por grama por minuto. Conclus˜ao: a menos que saibamos de onde prov´em o alvaiade dos quadros, ´e imposs´ıvel, por esse modelo, datar com relativa precis˜ao os quadros.

S´etimo passo: Ser´a que perdemos tempo?

No entanto, para quadros que foram confeccionados a mais de trezentos anos, podemos brincar mais um pouco com a equa¸c˜ao (5).

Suponhamos que a idade do quadro que queremos datar seja de 300 anos. Ser´a que a equa¸c˜ao (5) conduzir´a a um absurdo se o quadro tiver 20 anos? (lembre-se que no caso das obras de arte de Van Meegeren, a data¸c˜ao ocorreu vinte anos (1967) depois de sua morte em 1947).

Assim, trabalhando com o tempo em minutos, temos

λy0= λy (t) e300(525.600)λ− rÄe300(525.600)λ− 1ä. (6) A taxa de desintegra¸c˜ao do Chumbo-210, depois de 22 anos, ´e aproximadamente igual `a taxa de desintegra¸c˜ao do Polˆonio-210 (que ´e suprimido justamente pelo Chumbo-210, pois sua meia-vida ´e muito curta). Logo, podemos obter y (t) a partir da taxa de desintegra¸c˜ao do Polˆonio-210.

Observa¸c˜ao: O que ´e mensur´avel na pr´atica n˜ao ´e quantidade de ´atomos de um determinado elemento, mas sim a quantidade de radia¸c˜ao α4

2 que o n´ucleo do elemento emite, ou seja, o que ´e mensur´avel ´e a taxa de desintegra¸c˜ao com radia¸c˜ao alfa. Por esse motivo, precisamos analisar o Polˆonio no lugar do Chumbo, que s´o emite radia¸c˜ao beta e, portanto, n˜ao ´e mensur´avel na pr´atica. J´a no caso de r n˜ao h´a problema, pois o R´adio-226 emite radia¸c˜ao alfa. No caso do quadro “The disciples at Emmaus”, a taxa de desintegra¸c˜ao do Polˆonio-210 ´e 8, 5 ´atomos por grama por minuto de alvaiade e a taxa de desintegra¸c˜ao do R´adio-226 ´e de 0, 8 ´atomos por grama por minuto de alvaiade. Mas, λy (t) = −y′(t) = 8, 5(a taxa do Chumbo-210 ´e igual a taxa do Polˆonio-210).

Temos r = 0, 8. Temos λ = tln(2)

1−t0 =

ln(2) 22×525.600 min. Logo, a equa¸c˜ao (6) fica:

λy0= 8, 5e300(525.600) ln(2)22(525.600) − 0, 8



e300(525.600) ln(2)22(525.600) − 1



= 98.050;

ou seja, a taxa de desintegra¸c˜ao do Chumbo-210 no momento da fabrica¸c˜ao do alvaiade seria de 98.050 ´atomos por grama de alvaiade por minuto.

Oitavo passo: o que significa y′(t

0) = −98.050?

A taxa de desintegra¸c˜ao do Chumbo-210 original ´e a mesma taxa de desintegra¸c˜ao do Urˆanio-238 original do min´erio, pois ´e esse ´ultimo que mant´em a taxa do Chumbo-210 na natureza, devido `a sua enorme meia-vida. Logo,

y′(t0) = z′(t0) = −λU238z0,

sendo z0a quantidade de Urˆanio-238 por grama do min´erio de chumbo. Temos

z0= 98.050ln(2)

(4,5×109)×525.600

= 3, 346× 1020 ´atomos por grama de min´erio de chumbo.

Nono passo: e da´ı que em cada grama do min´erio de chumbo pode haver 3, 346 × 1020 ´atomos de Urˆanio-238?

Sabemos dos conceitos de qu´ımica b´asica que 6, 02 × 1023´atomos de Urˆanio-238 tˆem massa 238 gramas. Assim, temos que 3, 346 × 1020 ´atomos tem massa 238(3.346×1020)

6.02×1023 = 0, 132gramas.

Logo, um grama do min´erio de chumbo utilizado para fabricar o alvaiade do quadro “The disciples at Emmaus” possuiria 0, 132 gramas de Urˆanio-238, ou seja, uma concentra¸c˜ao de 13, 2% de Urˆanio-238.

Acontece que n˜ao existe min´erio de chumbo com uma concentra¸c˜ao t˜ao elevada de Urˆanio na natureza (no m´aximo temos 3%).

D´ecimo passo: finalmente as conclus˜oes...

Concluimos que o quadro “The disciples at Emmaus” n˜ao pode ser um quadro de 300 anos. Por outro lado, se fizermos t − t0= 20anos, chegaremos a concentra¸c˜oes de Urˆanio-238 aceit´aveis.

Tabela de desintegra¸c˜oes dos quadros suspeitos de falsifica¸c˜ao: Quadro Taxa desintegra¸c˜ao 210

84 Po Taxa desintegra¸c˜ao22688 Ra The disciples at Emmaus 8, 5´atomos/grama/min 0, 8´atomos/grama/min

The washing of the feet 12, 6´atomos/grama/min 0, 26´atomos/grama/min Woman reading music 10, 3´atomos/grama/min 0, 3´atomos/grama/min Woman playing music 8, 2´atomos/grama/min 0, 17´atomos/grama/min

Lacemaker 1, 5´atomos/grama/min 1, 4´atomos/grama/min Officer 5, 2´atomos/grama/min 6, 0´atomos/grama/min

Procedimento an´alogo mostra que “The Washing of the Feet” (Lavando os P´es), “Woman Reading Music” (Mulher Lendo M´usica) e “Woman Playing Music” (Mulher Tocando Bandolin) s˜ao falsos tamb´em (pois as taxas de desinte- gra¸c˜ao do 210

84 Po e 22688 Ra s˜ao muito discrepantes), enquanto “Lacemaker” (Rendeira) e “Officer” (Garota Sorrindo) s˜ao verdadeiros, ou pelo menos n˜ao podem ser falsifica¸c˜oes modernas (pois as taxas s˜ao muito pr´oximas).

“The washing of the feet” “Woman reading music” “Woman playing music”

“Lacemaker ” “Officer ”

Obras reconhecidamente falsificadas por Van Meegeren: The Woman Taken in Adultery - “falso Vermeer”;

Jesus Amongst the Doctors - “falso Vermeer”; The Disciples at Emmaus - “falso Vermeer”; The Washing of the Feet - “falso Vermeer”; Woman Reading Music - “falso Vermeer”; Woman Playing Music - “falso Vermeer”; The Head of Christ - “falso Vermeer”;

The Last Supper, 1st. version - “falso Vermeer”; The Last Supper, 2nd. version - “falso Vermeer”; The Blessing of Jacob - “falso Vermeer”;

Man and Woman at a Spinet - “falso Vermeer”; Interior with Cardplayers - “falso Pieter de Hoogh”;

Interior with Drinkers - “falso Pieter de Hoogh”; Portrait of a Man - “falso Terborgh”;

Woman Drinking - “falso Frans Hals”.

Documentos relacionados